Rui Ramos
Por que não responsabilizar pessoalmente o
presidente da república ou o primeiro-ministro, enquanto mecenas por conta do
Estado, pela despesa pública no subsídio às artes? Tudo seria mais
transparente.
O processo revolucionário em
curso contra Mário Centeno e o seu défice começou, a semana passada, pela
“Cultura”. Houve manifestações a exigir 1% do Orçamento de Estado. As maiores
fúrias, porém, não foram soltas por causa disso, mas pelos concursos das Artes:
de repente, parecia que toda a gente tinha ficado de fora, e ninguém percebia
porquê. Em suma, como nunca haverá todo o dinheiro do mundo, mesmo mais
dinheiro nunca resolverá o problema de o distribuir.
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Manfestação pela "cultura", Lisboa, foto: Nuno Ferreira Santos |
Como repartir?
Na cultura, o chamado
património está geralmente salvaguardado pela tradição nacional, a mística da
“conservação” ou o turismo. A “criação artística e literária”, para usar o
português da administração fiscal, é que inspira discórdias.
Antigamente, as artes serviram
a príncipes, bispos ou corporações urbanas para se entreterem ou celebrarem a
sua grandeza. O gosto do mecenas era o critério. Se o rei gostava de Hieronymus
Bosch, hoje o museu nacional que herdou as colecções reais tem uma grande seleção
de Bosch, como o Prado graças a Filipe II. Se o rei adorava Wagner, a cidade
tem hoje um teatro para as suas óperas, como Bayreuth graças a Luís II.
Ora bem, talvez estejam à
espera que eu agora diga que tudo mudou. Mas nem tudo mudou. O maior argumento
a favor da despesa pública na criação cultural, sobretudo nas áreas mais
dependentes de subsídio, é imaginar o país sem, por exemplo, cinema ou teatro.
Que iriam pensar os ingleses? Ou os alemães? Tem, portanto, de haver cinema e
teatro. Mas como escolher quem deve fazer filmes ou subir ao palco?
Não ajuda que na criação
cultural, os “critérios objetivos” – audiências, por exemplo — sejam motivo de
escárnio. Por mais escolhido que tenha sido o júri ou mais escrupuloso o
concurso, a injustiça reina sempre. Ora bem, há uma solução. Admitindo que o
fim da despesa pública nas artes é a mesma de antigamente, isto é, o prestígio
do poder, porque não admitir também que essa despesa deve ser, como antes, da
responsabilidade pessoal dos titulares dos cargos públicos, enquanto mecenas
por conta do Estado?
Sim, leram bem. Estou a propor
que o presidente da república possa ser um Filipe II, ou o primeiro ministro um
Luís da Baviera. O dinheiro das artes ser-lhes-ia confiado para gastarem no que
quisessem, como quisessem. Para quê continuar a acreditar na burocracia
supostamente imparcial? Por que não dar um rosto às escolhas? Dir-me-ão:
mas seria o arbítrio, talvez a partidarização da “cultura”! Mas não é já disso
que se queixam? Esta solução, por exemplo, poderia acabar com a ideia de que a
“cultura” é de esquerda, porque talvez presidentes ou primeiros-ministros da
direita descobrissem algum cinema ou teatro cujo fim não fosse destruir o
capitalismo. A vantagem principal, porém, é esta: uma maior transparência. O
presidente e o primeiro-ministro seriam pessoalmente responsáveis pelas obras
subsidiadas.
Para que filmes deu Marcelo
Rebelo de Sousa dinheiro? Que companhias de teatro ajudou António Costa a
salvar? Talvez se esforçassem, por cálculo político, para ficarem associados a
alguma qualidade. Mas mesmo que não, é provável que os resultados não fossem
piores do que agora com os concursos. E tudo seria mais divertido — e
revelador.
Título e Texto: Rui Ramos, Observador,
13-4-2018
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