Filomena Martins
A relação de Costa com a Cultura começou
com uma opereta de interesses recíprocos, passou por uma cena queirosiana
falhada e está a ter o final previsível: o primeiro-ministro a
desresponsabilizar-se.

Só que esta espécie de troca
começou mal e parece que vai acabar ainda pior. Depois daquele manifesto de tanta gente culta e intelectual que
apareceu ao seu lado em Lisboa para o incentivar primeiro a roubar o PS a
Seguro e depois a ganhar o Governo a Passos, Costa errou na primeira tentativa
de agradecimento. A escolha-surpresa de João Soares para ministro não resistiu
mais que quatro meses. Nem o primeiro-ministro nem a tal elite cultural
entenderam a ameaça virtual de um par de bofetadas a dois colunistas como uma
tentativa falhada de imitar as literárias bengaladas de Eça. E houve
remodelação.
Dois anos passados, o mais
certo é voltar a haver mexidas no mesmo ministério. As cenas da última
terça-feira são o exemplo perfeito daquilo que um Governo não pode fazer. Pelo
menos em público. Após uma escalada de tensão, de pressões várias, de críticas
de todos os partidos e de agendamentos de protestos, aconteceu a
desautorização. Mal o secretário de Estado anunciou uma Conferência de Imprensa
para explicar a mudança de apoios às Artes, Costa chamou-o a ele e ao ministro
a S. Bento e disse-se surpreendido com a situação e a contestação. Só que,
pouco depois, viu Miguel Honrado dizer que não percebia “a surpresa” porque o primeiro-ministro
“estava a par de tudo”.
Confesso que a unanimidade é
uma coisa que me assusta. Causa absoluto pânico. Assim que vi tanta gente de acordo e a atacar o Governo fiquei entre o terrivelmente
preocupada e o bastante curiosa. Sei bem diferenciar o que é a elite
cultural-caviar que sempre viveu da subsidiodependência e produz espetáculos,
exposições e instalações para a meia dúzia de amigos, entre lobbies,
agremiações e o corporativismo de que fujo a sete pés. E a cultura a que alguns
só podem ter acesso com o apoio do Estado, via Governo ou câmaras locais, num
País que pouco lê, raramente vai ao teatro e só ouve música clássica via banda
filarmônica lá da terra por falta de outra oferta. E fui tentar perceber o
problema.
Logo às primeiras leituras,
dei com a receita do costume: o ministro a recuar nos cortes face à pressão global. E a atirar mais dinheiro para cima
do problema, subindo as dotações à medida que a contestação aumentava. É um mau princípio.
Ou não estava convicto do que decidiu. Ou decidiu mal. Ou decidiu com base na
hashtag “somos todos Centeno”, entre o cortar, cativar e desviar verbas
para apresentar aqueles números absolutamente fantásticos que dão os grandes
sound bytes.
Mas esta tragicomédia já
levava vários atos. Começou com o atraso nos concursos. Complicou-se com a
burocracia das candidaturas. E por fim revelou-se uma farsa com a alteração dos
critérios previamente negociados. Pequenas subtilezas, nuances ou armadilhas,
como alguém já lhe chamou, que mudaram tudo o que inicialmente até parecia
justo: fazer depender os apoios a 20% de receitas próprias, mas retirando
depois desta definição as receitas de bilheteira e vendas dos espetáculos. Foi
assim que duas das companhias de teatro mais antigas do País ficaram sem
financiamento entre tantas outras relevantes. E que as estruturas mais
pequenas, aquelas com peso local, foram incapazes de corresponder às novas
regras unilateralmente criadas. E o problema é que agora quem falar mais alto e
mais voz tiver junto dos media ou de Costa, mais receberá. E o debate que
realmente interessa, aquele sobre quem deve e merece mesmo ter mais apoio,
jamais se fará. Que desses nunca virão manifestos que lhes valham. Nem pressões
que comovam a nunca confirmada austeridade centenoriana.
A relação de Costa com a
Cultura começou pois com uma opereta de interesses recíprocos, passou por
invocação queirosiana falhada e está a ter o final previsível deste Governo: a
do primeiro-ministro a sair de cena, desculpabilizando-se e
desresponsabilizando-se. O drama é que desta vez tirou o tapete a um secretário
de Estado que lhe deu resposta. O enredo adensou-se e só criou expectativa
para os próximos capítulos desta novela. Que não podia ser de pior qualidade.
Só mais duas ou três coisas
·
Há cinco administradores do grupo de colégios privados GPS acusados de desviar
para fins pessoais 34 dos 300 milhões recebidos dos contratos de Associação.
Serão julgados pelo crime que terão praticado. Mas há quem tenha aproveitado
logo para meter no mesmo saco de criminosos todos os colégios que, sacrilégio,
recebem estes apoios do Estado. Os tais que protestaram vestindo de amarelo
quando os perderam. É o mesmo que dizer que todas as IPSS são como era a
Raríssimas e têm à frente pessoas como Paula Brito e Costa, a amiga de Vieira
da Silva e Manuel Delgado. Ou que todos os bancos foram geridos por Oliveira
Costas e Salgados. Ou que só houve Varas na Caixa (aqui nunca saberemos bem,
mas enfim). Ou que todos os ministros de Passos eram iguais a Relvas. E por aí
fora…
·
Há dois anos que o Governo e os parceiros da
extrema-esquerda que o suportam discutem um novo sistema de controlo público
dos políticos e de quem ocupe cargos no Estado. Até agora ainda não se
entenderam. A Comissão da Transparência tem propostas do Bloco e
contrapropostas do PS. Mas Ana Catarina Mendes já veio avisar que “impor polícias
aos políticos é uma mau princípio”, porque levanta suspeitas sobre todos. Podemos,
pois, continuar a esperar sentados por estas medidas de escrutínio. Mais altos
valores se levantam.
Título e Texto: Filomena Martins, Observador,
5-4-2018
Acho engraçado, para não dizer outra coisa, esse desejo por verbas para a “cultura”. De que cultura se trata? Ora, de ‘cultura’ corporativista e hermética. Porque só consumida, enaltecida e homenageada por inter pares e não assistida nem compreendida pelo povo – plebe ignara no conceito desses.
ResponderExcluir“Cultura”, para os chamados, pela imprensa a soldo, de “agentes culturais” é, nada mais nada menos do que produzir peças de matiz e proselitismo marxista.
Essa gente, URBANA, não está nem aí para aquela ponte romana, na povoação A, caindo aos pedaços; para aquela igreja ou capelinha construída no século XI; para as antigas residências (palácios, castelos, quintas...) de senhores feudais, de coronéis... enfim, não está nem aí para o que represente, que mostre, que cheire ao passado do país, às suas tradições, aos gostos populares, nada disso!
Pelo contrário!