“A diferença entre uma democracia e uma ditadura consiste em que numa
democracia se pode votar antes de obedecer as ordens.”
Charles Bukowski
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Marcha da Família com Deus pela Liberdade, São Paulo, em 1964. Foto: AD
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Waldo Luís Viana
A monumental crise econômica
que se instala no mundo, filha dileta da anterior, que começou em outubro de
2008, demonstra que os países desenvolvidos, todos democráticos, não
conseguiram pôr cobro à desordem crônica de suas economias, sendo instados, na
prática, a enfrentar as turbulências sem planejamento de longo prazo.
As estratégias econômicas,
administrativas e financeiras, à disposição das empresas corporativas, jamais
se refletiram nos sistemas de governo, completamente sufocados por uma
estrutura multilateral defasada, que não corresponde mais às necessidades do
século XXI.
Além de sabermos, na prática,
que as guerras são muito caras – e as duas com que se ocuparam os
norte-americanos, com gastos de mais de 4 trilhões de dólares, os levaram a
atual recessão – os bancos centrais que deveriam ser reguladores das economias
pautaram-se por condutas paternalistas de salvação de grandes bancos domésticos
e de seus anônimos acionistas, sepultando para sempre a encardida noção liberal
de risco capitalista.
Por conseguinte, a partir de
certo tamanho, os negócios ao falirem tiveram de ser hipocritamente suportados
pelas coletividades, que, por serem soberanas, por definição não poderiam
entrar em crise nem sofrer de fato uma quebradeira geral.
Ocorre que é isso mesmo que
ocorreu e está acontecendo! Os mecanismos democráticos, cingidos por estruturas
conservadoras de condução econômica internacional, são impotentes para
solucionar as crises, porque não há acordo para deter a jogatina com capitais
especulativos, distribuir mais equitativamente os recursos naturais
planetários, nem promover uma reforma importante no welfare state dos rentistas internacionais e de seus bancos, o
único regime não escrito que parece sobreviver com verdadeira energia mafiosa.
Não há governos no mundo hoje
capazes de encaminhar soluções verdadeiras – mesmo que legitimados pelo voto de
seus respectivos povos, vez que predominam as leis do egoísmo e da desconfiança
num planeta completamente sem Deus.
Faz-se o possível para manter
a ordem de Bretton Woods (de 1944), com o dólar como moeda de retorno e
reserva, obrigando várias potências à tentativa de salvamento a qualquer preço
da economia norte-americana. Por sua vez, a zona do Euro, que congrega 27
países, encontra-se abalada pela inadimplência de diversas nações, o que
sensibiliza as bolsas globais, que vêm tendo graves e continuados prejuízos.
Diante de tal quadro,
vislumbramos nuvens negras para a manutenção de regras democráticas. Afinal,
foi em crise semelhante que Hitler subiu ao poder, em 1933, prometendo calote
geral às dívidas de guerra que afundavam a Alemanha.
Hoje, os radicalismos são
pós-modernos, fragmentários, mas não menos perigosos e importantes. Não adianta
combater terrorismo, se o pior terrorismo é representado pela virtualidade das
economias capitalistas ocidentais: basta comparar as economias reais, o que
realmente produzem na prática, com os papéis sem lastro, inclusive papel-moeda,
que fazem circular ao redor do mundo! A China, por exemplo, que tem reservas de
trilhões de dólares, não quer que seus haveres se transformem, repentinamente
em papel pintado...
A especulação financeira sem
peias gerou o estiolamento dos mecanismos de contenção democráticos, que só
produzem falação, sem qualquer objetividade, como vimos recentemente nos
discursos monocórdios e sem qualquer ideia inovadora na Assembléia-Geral da
ONU, em 2011.
A democracia mundial tornou-se
mero cansaço. Ninguém acredita em mais nada, muito menos os governantes que
estão atarantados, diante da realidade de que tudo tem que permanecer como
está.
Enquanto isso, o planeta gira,
mal-humorado, com a fome crônica de parte da humanidade, terremotos,
efeitos-estufa, desmatamentos irrefreáveis, falta d’água potável e derretimento
das calotas polares, prenunciando, inclusive, a proximidade de nova glaciação.
Sobre tais temas, a democracia
não tem soluções, ficando o seu vazio criativo sendo ocupado por propostas
autoritárias, que vão convencendo os povos aflitos. Aliás, os extremismos
sempre se apresentam quando assistimos aos fracassos de programas econômicos. É
o bolso vazio que faz nascer os fascismos...
Parece-nos, infelizmente, que
a utopia democrática dos gregos, que faziam funcionar suas cidades antigas com
as elites, excluindo a plebe e os escravos, vai se repetindo à força, durante o
protagonismo irremovível das sociedades de massas. Os povos, mal-informados,
são conduzidos por seus dirigentes para o abismo e vão contentes, desde que
alienados por um pouco de pão e circo.
Nesse cenário, o voto é
supérfluo, porque direita e esquerda se aburguesaram no centro, aqui um estado
amorfo de quietude, em que os dirigentes mundiais – e as máfias financeiras de
seus respectivos países – não tomam qualquer medida concreta para a salvação de
suas economias, como se o capitalismo fosse indestrutível e não pudesse ser
superado por inoperância, incompetência de gestão ou pela própria natureza.
Estamos na 25ª hora de uma
transformação civilizatória, mas os banqueiros internacionais acham que basta
manter contas numeradas na Suíça e em outros paraísos fiscais que tudo estará
salvo. Esquecem-se de que o mundo se tornou um lugar só, não existindo mais qualquer
remanso para onde possam fugir.
A democracia ao falecer levará
com ela as esperanças da humanidade e todo esse falatório inútil e decadente
será substituído por novos e perigosos bárbaros, que cortarão com a espada e
armas poderosas o fio do argumento...
Título e Texto: Waldo Luís Viana é escritor,
economista, poeta e perscruta o panorama do jardim de sua casa, Teresópolis, 24
de setembro de 2011.
A Zona do Euro congrega 17 países.
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