Nessa fala de Marcelo Odebrecht há uma
clara confusão entre a doação de dinheiro com origem ilícita, que ele admite, e
o recebimento desses valores pelos partidos políticos
Editorial Estadão
Ao Tribunal Superior Eleitoral
(TSE) Marcelo Odebrecht [foto] confirmou que a empreiteira que leva o seu sobrenome
utilizava habitualmente recursos de caixa 2 para fazer doações para campanhas
políticas. Reconheceu, por exemplo, que 4/5 dos recursos destinados pela
Odebrecht para a campanha de Dilma Rousseff em 2014 tiveram essa origem ilegal.
Trata-se de mais um reconhecimento, entre tantos, de que a empresa não nutria
especial consideração pela lei, fazendo o que bem lhe interessasse.
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Foto: Bruno Covello/Gazeta do Povo |
A confissão do líder da
empreiteira, admitindo que doava recursos fora da lei, não significa, no
entanto, que todos os políticos que receberam essas doações praticaram
ilícitos, como quer fazer crer o sr. Marcelo Odebrecht. “Duvido que tenha um
político no Brasil que tenha se elegido sem caixa 2. E, se ele diz que se
elegeu sem, é mentira, porque recebeu do partido. Então, impossível”, disse
Marcelo à Justiça eleitoral.
Nessa fala de Marcelo
Odebrecht há uma clara confusão entre a doação de dinheiro com origem ilícita,
que ele admite, e o recebimento desses valores pelos partidos políticos, o que
não necessariamente é ilícito. Se a empreiteira doou dinheiro cuja origem é de
caixa 2, ela está encrencada com a lei, pois mantinha recursos à margem da lei.
Quem recebeu esse dinheiro estará encrencado tão somente se sabia dessa origem
ilícita ou se não declarou esses valores à Justiça eleitoral. Ou se recebeu
para, em troca, cometer ato ilícito.
Logicamente, a muitas dessas
doações ilícitas corresponderão muitos recebimentos ilícitos, em suas diversas
modalidades. Pode haver crime de corrupção passiva e pode haver caixa 2
eleitoral, por exemplo. O ponto é reconhecer que, para provar o recebimento
ilícito de doação eleitoral, não basta que o doador diga que o dinheiro que ele
doou tinha origem ilícita. Isso é – volta-se a repetir – uma questão pela qual
só ele terá de responder à Justiça. Para configurar o recebimento ilícito de
doações é preciso provar que o político que estava recebendo o dinheiro sabia
dessa origem ilícita ou se recebia para se remunerar pela concessão de alguma
vantagem ilícita. No caso de caixa 2 eleitoral, é necessário provar, por
exemplo, que o candidato, ou o seu partido, utilizou para a campanha política
recursos que não foram declarados à Justiça eleitoral.
Fazer essas distinções não é
mera formalidade, mas ato essencial de respeito às garantias fundamentais de um
Estado Democrático de Direito, que exige que toda condenação seja acompanhada
das devidas provas. Sem provas, não pode haver condenação. É uma importante
proteção para todos que, na esfera penal, os conceitos sejam tratados com
rigor, sem confusões que, além de relativizar os atos criminosos, facilitem a
ocorrência de injustiças, como, por exemplo, a condenação de inocentes. Uma doação
ilegal não é necessariamente seguida de um recebimento ilegal. São ações
distintas, cabendo às autoridades investigar se existem provas de que houve
conluio.
Ultimamente tem se notado um
estranho fenômeno, promovido por variadas frentes, não necessariamente ligadas
entre si, de tentar fazer com que doações, lavagens de dinheiro, caixas 2 e
ilícitos eleitorais sejam tratados indistintamente, como se fossem a mesma
coisa. Trata-se de uma tentativa ardilosa, que busca se atrelar à causa, tão
importante para a sociedade, de combate à impunidade. Equivocadamente, dão a
entender que a luta contra a corrupção exigiria uma punição geral e irrestrita
e tratam qualquer solução diversa como se fosse conivência com a ilegalidade.
Sabiamente, a lei não trata
tudo de forma indistinta, reconhecendo a existência de vários crimes e delitos,
de natureza, gravidade e esferas diversas. Se a finalidade da investigação e da
punição é cumprir a lei, deve-se, pois, obedecer às distinções da legislação.
Especialmente na esfera política,
toda essa deliberada confusão entre crimes tem um claro – e irresponsável –
objetivo. Deseja-se transmitir a impressão de que tudo está igualmente podre.
Com isso, alguns querem que
todos os atuais políticos sejam encarcerados ou, ao menos, eliminados da vida
pública. Outros pretendem exatamente o oposto, que, sendo todos igualmente
sujos, sejam igualmente absolvidos. Nem uma coisa nem outra é boa para o País.
O bom, que tanta resistência parece encontrar, é aplicar a lei com rigor e
isenção.
Título e Texto: Editorial, Estado de S. Paulo, 29-3-2017
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