O aleijão inconstitucional deve ser
imediatamente devolvido à cova rasa
Augusto Nunes e Edilson
Salgueiro
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Sessão virtual plenária do TSE, 11-10-2022, foto: LR Moreira/Secom/TSE |
No meio da entrevista a um jornalista amigo, o ministro Edson Fachin confessou que o sistema eleitoral brasileiro, embora seja o mais perfeito do planeta (ou talvez por isso mesmo), corria perigo por estar na mira de hackers homiziados na Macedônia do Norte. A revelação bastava para transformar a conversa em leitura obrigatória. Mas o gaúcho com sotaque paranaense, instalado no Supremo Tribunal Federal por indicação de Dilma Rousseff, achou pouco. E garantiu que, tão logo assumiu a presidência do Tribunal Superior Eleitoral, compreendeu que só se mostraria à altura do cargo se levasse em conta a “transterritorialização comunicacional”. Fachin caprichou no sorriso de carrasco do idioma. O entrevistador fingiu que sabia o significado da sopa de letras. Leitores com mais de cinco neurônios constataram que coisas estranhas acontecem na cabeça das sumidades que acumulam as atividades no Pretório Excelso com as atribuições do cargo de Senhor das Urnas e dos Votos.
Todos acreditam, por exemplo, que chegaram ao mundo com três marcas de nascença: onisciência, onipresença e onipotência, tudo em dose dupla. Gente assim faz coisas de que até Deus duvida, confirma Alexandre de Moraes de meia em meia hora. Comandante do inquérito do fim do mundo no STF, imperador do Brasil eleitoral desde agosto, o afilhado de Michel Temer se acha a maior autoridade mundial em fake news. Ninguém risca com tanta segurança fronteiras que separam informações de alta qualidade e notícias fraudulentas, fatos e boatos, o que é e o que não é, o que aconteceu e o que foi inventado. No começo desta semana, o presidente do TSE anunciou a descoberta de outra brasileirice: uma segunda geração de fake news. Na primeira, os inimigos do Estado de Direito se limitavam a espalhar mentiras. A recém-nascida é mais sofisticada. Nessa variante da pandemia de falsidades, “a pessoa se baseia em coisas verdadeiras para chegar a conclusões mentirosas e divulgá-las”, ensina o doutor em tapeações eleitoreiras.
Moraes acha que a segunda
geração tem como alvo preferencial o candidato do PT. É verdade que Lula é ex-presidiário,
admitem o mestre e seus discípulos. Admitem também que Lula enriqueceu trocando
favores milionários com a bandidagem do Petrolão. Mas espalhar por aí que o
retorno do ex-presidente ao Planalto seria uma volta à cena do crime é coisa de
fascista sem remédio, de praticante de atos antidemocráticos, de nostálgicos de
golpes militares. Não é isso o que repete Geraldo Alckmin nos vídeos da
campanha de 2018 que seguem fazendo sucesso na internet?, insistirão os eternos
insatisfeitos. Não foi a permanência nas redes de uma gravação desbocada feita
por Daniel Silveira o pretexto para instituir o flagrante perpétuo e decretar a
prisão de um deputado federal protegido por imunidades parlamentares? O que
espera Moraes para engaiolar o setentão que desertou do ninho tucano para fazer
feio em cantorias esquerdistas?
Melhor parar por aqui, ouço
murmurando os cautelosos demais. É perigoso melindrar magistrados que enxergam
no espelho a instituição que os empregou. Pois chegou a hora de deter o
autoritarismo togado, que desde 2019 consolida parcerias com militantes
esquerdistas acampados em redações agonizantes e casos de polícia refugiados em
partidos arrendados. “Não se ganha uma guerra com retiradas”, avisou Winston
Churchill, o maior dos estadistas. Como sentimentos têm odores, predadores da
liberdade farejam facilmente o cheiro do medo, mais pestilento quando se recua.
Os atropeladores da Constituição fizeram de conta que nem notaram as
advertências formuladas por dezenas de milhões de brasileiros nas urnas do
primeiro turno. A mais animadora foi a profunda mudança na composição do
Senado, que terá na presidência um parlamentar indicado pela majoritária
bancada bolsonarista. Outras: o confinamento do PT nas regiões atormentadas
pelo atraso e as derrotas impostas a Lula pelo Brasil moderno. Claro que mesmo
prepotentes vocacionais enxergaram tais mudanças na paisagem.
Se é assim, por que os
democratas de manifesto e libertários de galinheiro agiram com tanto
desembaraço e atrevimento ao longo deste outubro? Os parceiros têm pressa,
palavra que no glossário da política tem por sinônimos também os termos
inquietação, afoiteza e ansiedade. Descobriram que terão de enfrentar em 30 de
outubro legiões de militantes decididos a inverter o resultado do primeiro turno.
Confrontados com as dimensões do eleitorado que não engole o PT, os sacerdotes
da seita descobriram que nunca tiveram um genuíno oponente.
Os advogados de Lula, com a
ajuda do estafeta Randolfe Rodrigues, atravessaram o mês pressionando os
aliados no TSE com a média diária de cinco ações judiciais — ora exigindo
direito de resposta, ora reivindicando a supressão de verdades, ora pedindo a
imposição da censura a empresas de comunicação ou veículos jornalísticos. As
ações emplacadas por assessores jurídicos de Jair Bolsonaro não chegaram a dez.
O TSE disse sim a quase todas as remetidas por lulistas. Até às que imploraram
pela exumação da censura, essa abjeção sepultada em cova rasa na década de
1970.
No dia 18, o ministro Benedito
Gonçalves, corregedor-geral da Justiça Eleitoral, bloqueou até 31 de outubro a
monetização de quatro empresas jornalísticas. Incluída no grupo, a Brasil
Paralelo sofreu um castigo adicional. Benedito trancou no baú da censura prévia
o documentário “Quem Mandou Matar Jair Bolsonaro?”. A multa fixada para o
descumprimento da decisão arbitrária é de R$ 500 mil por dia. Nem mesmo o
Brasil do AI-5 adotou a censura prévia. Da mesma forma, os censores que vetavam
a publicação de páginas marcadas por um corpulento X desenhado com lápis vermelho
nunca ameaçaram os censurados com o fechamento do seu local de emprego. Esse
fantasma ronda desde segunda-feira o prédio da Jovem Pan na Avenida Paulista.
Comunicado. pic.twitter.com/22eGtpruLi
— Brasil Paralelo (@brasilparalelo) October 18, 2022
Moraes e sua bancada dormiriam
em sossego caso essas violências exigissem a aprovação de jornalistas que
exigem respeito à liberdade de expressão desde que os beneficiários pensem como
eles. Kennedy Alencar, do portal UOL, não se satisfez com o garrote
financeiro imposto a uma produtora que não obedece a cartilhas esquerdistas. “A
Brasil Paralelo é uma difusora de fake news conhecida na
praça”, irritou-se o jornalista que, ao ser batizado, prestou com o pronome uma
homenagem que seria recusada pelo pior dos espécimes da família Kennedy. “Temos
de aplicar o princípio follow the money. Tem de ver quais são os
empresários que financiam a produção de conteúdo falso. É uma organização de
extrema direita, que dissemina mentira no debate público brasileiro e precisa
ser combatida.”
Figuras desse calibre decerto
torcem também pelo desaparecimento da octogenária Jovem Pan. E jamais
subscreveriam o editorial que noticiou a punhalada desferida na Constituição
pela mão de Moraes. O presidente do TSE participou indevidamente do julgamento
para desempatar a votação a favor dos liberticidas. Como lembra o editorial, a
decisão foi proferida “ao arrepio do princípio democrático de liberdade de
imprensa”, que proíbe qualquer forma de censura e obstáculo para a atividade
jornalística. O documento adverte para os riscos da escalada autoritária do TSE
e reafirma “o compromisso inalienável com o Brasil. Defendemos os princípios
democráticos da liberdade de expressão e de imprensa e repudiamos com veemência
qualquer forma de censura.”
Se a Jovem Pan está proibida
de referir-se a Lula como “ex-presidiário”, a Gazeta do Povo foi
submetida à censura depois de publicar no Twitter notícias sobre a expulsão da
CNN da Nicarágua. Amigo fraterno do ditador Daniel Ortega, Lula ficou inquieto:
alusões a esses laços incômodos poderiam prejudicá-lo na campanha eleitoral. Em
mais um pedido repulsivo, o PT solicitou ao TSE a censura prévia de reportagens
da Gazeta do Povo que associassem Lula a Ortega. Desta vez a
reivindicação absurda foi rejeitada.
O
TSE censurou um trecho de entrevista em que o ministro Marco Aurélio Mello,
aposentado recentemente, explicava por que Lula mente ao declarar-se inocentado
pelo Supremo
Na semana passada, o batalhão
de advogados a serviço do chefão solicitou o bloqueio de 34 perfis no Twitter,
aí incluído o da Revista Oeste. “A bomba foi anunciada por um
veículo de comunicação que fez questão de aplaudir a tentativa de amordaçar
parte da imprensa, jornalistas e formadores de opinião”, registrou Paula Leal
em reportagem publicada na Edição
134. “Sem ter acesso ao conteúdo da representação, Oeste buscou
amparo jurídico para exercer seu direito de defesa. A prática de não dar acesso
integral ao processo, aliás, tem se tornado recorrente no Judiciário. O maior
exemplo é o inquérito das fake news, em que as partes não sabem nem
por qual crime estão sendo acusadas.”
Sinais de desconforto enfim
começaram a aparecer em jornais que sempre denunciaram ruidosamente quaisquer
ruídos antidemocráticos. A Folha de S.Paulo, por exemplo, criticou
em editorial a fábrica de decisões institucionais gerenciada por Moraes. “Ao
expandir seu raio de atuação, a Corte pode descair para a censura pura e
simples”, avisa um trecho. O Globo foi mais incisivo: “TSE foi
longe demais no combate à desinformação”. Segundo o portal carioca, “não é
papel da Corte julgar a qualidade dos veículos de imprensa, muito menos
censurá-los preventivamente apenas por causa de um título malfeito, nem mesmo
pela eventual publicação de informações erradas, que podem perfeitamente ser
corrigidas”. A Gazeta do Povo reagiu com elogiável altivez. “A
adoção da censura prévia nesta reta final de campanha é a comprovação de que o
TSE considera não haver freio nenhum à sua atuação.”
OPINIÃO DA GAZETA O TSE rompe a barreira final da censura https://t.co/1rmcR7OO6d #Editorial
— Gazeta do Povo (@gazetadopovo) October 19, 2022
Surpreendentemente, os
primeiros sinais amarelos foram acesos no TSE. Também nesta semana, inúmeros
casos foram decididos pelo voto de minerva. Integrante da trinca de
representantes do STF no puxadinho governado por Moraes, a ministra Cármen
Lúcia não conseguiu camuflar o constrangimento ao votar favoravelmente à
censura prévia. Queria ter certeza de que o relator cumpriria a promessa de
retirar em 31 de outubro as algemas que imobilizam determinações da
Constituição. O desconforto de Cármen Lúcia deve ter crescido notadamente nesta
quinta-feira: o TSE censurou um trecho de entrevista em que o ministro Marco
Aurélio Mello, aposentado recentemente, explicava por que Lula mente ao
declarar-se inocentado pelo Supremo.
Há poucos meses, Marco Aurélio
era o decano do tribunal. Se Alexandre de Moraes não for contido, todos os seus
pares estarão arriscados a sofrer a mesma brutalidade que o atingiu. Cármen
Lúcia não vai demorar a aposentar-se.
Título e Texto: Augusto
Nunes e Edilson Salgueiro, revista Oeste, nº 135, 22-10-2022
A censura não usava disfarce
SBT: Entrevista com Jair Bolsonaro, 21 de outubro de 2022
A Ascensão dos Porcos, uma fábula da floresta – por Caio Coppolla | Boletim nº 149 (21/10/22)
New York Times alerta para autoritarismo de Moraes
TSE rejeita direito de resposta contra Bolsonaro
[Aparecido rasga o verbo] Apenas uma canetada
Censura: comentarista é afastada da Jovem Pan
Virou escárnio!
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