Em momento nenhum o antigo censor dizia que estava ali “em defesa da democracia”. Estava ali com o único propósito de impedir que a revista publicasse coisas que o governo não queria
J. R. Guzzo
Quando queria censurar alguma coisa, dizia: “Corta este trecho
que vai daqui até ali. Corta este também. Não pode deixar em branco os pedaços
cortados; tem de escrever alguma coisa para pôr no lugar”. Quando o censor
acabava de ler tudo, descia até o estacionamento, entrava em seu carro e ia
embora — até voltar no sábado seguinte, na mesma hora.
Nunca, em momento nenhum, o censor disse que estava ali “em defesa da democracia” ou para combater “atos antidemocráticos”; dizia, claramente, que estava ali com o único propósito de impedir que a revista publicasse coisas que o governo não queria que fossem publicadas. “Isso aqui está vetado”, informava ele. Não perdia um minuto explicando que era “fake news” ou “ameaçava as instituições” — na verdade, não dava a mínima se era verdade, mentira ou o raio que fosse. Só dizia que era proibido publicar porque o governo estava mandando, e pronto. Os cortes feitos na sala do 7º andar sempre eram obedecidos — se por acaso fosse impressa alguma coisa censurada, qualquer coisa, a edição toda seria apreendida na boca da máquina, na distribuidora ou nas bancas. Era, acima de tudo, um processo altamente eficaz: não saía nada que o censor tivesse mandado cortar. Com o tempo, a redação ia se cansando de escrever, ser censurada e ter de escrever de novo. Passou, então, a não fazer mais as matérias que, segundo se imaginava, poderiam ser censuradas. Era a vitória final da censura; quase não se precisava do censor a essa altura.
A censura em Veja acabou
no dia em que o governo resolveu que deveria acabar; a “sociedade civil” não
teve nada a ver com isso. O secretário de imprensa da Presidência da República
chamou a Brasília o diretor de redação e informou que a partir do próximo
sábado o homem da Polícia Federal não viria mais. Disse também que a revista
deveria tomar cuidado com o que fosse publicar — entendeu? Foi isso. Não houve
inquérito ilegal nenhum. Não houve ameaças histéricas de ministros obcecados
com notícias “falsas”. Não houve marechais de campo da democracia dizendo que a
liberdade de expressão tem limites e não pode “ser usada” se o STF achar que
ela prejudica o “estado democrático de direito”. Não houve manifestos de
“personalidades”, nem jornalistas, se declarando a favor da censura. Não houve
a hipocrisia rasteira que sustenta hoje a violação da liberdade de imprensa.
Censura, então, se chamava “censura”. Era muito mais claro.
Título e Texto: J. R. Guzzo, Revista Oeste, nº 135, 22-10-2022
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