Mahsima Nadim saiu do país de origem por
conta da repressão imposta às mulheres
Letícia Iervolino
A jovem iraniana Mahsa Amini
se tornou, de um momento para outro, um símbolo de resistência no mundo. Ela
foi presa em Teerã, capital do Irã, pela polícia, por não usar corretamente
o hijab, o véu islâmico obrigatório a qualquer mulher que
entre no país, independentemente de sua religião ou nacionalidade. Depois de
ser presa, ela morreu três dias após entrar em coma, no dia 16 de setembro. O
episódio levou milhares de pessoas às ruas para manifestar indignação contra a
morte misteriosa da jovem de 22 anos.
Mahsa Amini cresceu em um lar
tradicional e religioso na cidade de Saqqez , no centro-oeste do Irã. A
iraniana estava prestes a entrar na universidade e não tinha registro de
ativismo político, tampouco participava de manifestações contra as rígidas leis
do país. Em 13 de setembro, a iraniana foi abordada pelos agentes da
polícia da moralidade, como é chamada, por deixar alguns fios de cabelo
escaparem do lenço que cobria sua cabeça.
De origem curda, a maior
população apátrida do mundo, a família de Mahsa Amini negou apoiar grupos de
oposição promovidos pela etnia que o Irã acusa de separatismo. A polícia diz
que a jovem desmaiou em um centro de detenção depois de sofrer um ataque
cardíaco. No entanto, o pai da jovem morta alega que os agentes a agrediram com
um cassetete.
Os agentes da Patrulha de Orientação são responsáveis por vigiar o cumprimento do código de vestimenta no país. Eles representam a força de aplicação da lei e detém total controle sobre os “centros de reeducação”, espaços onde as mulheres, e em alguns casos homens, são detidos por não cumprirem as rígidas regras do governo sobre disciplina e modéstia.
Assim como Mahsa Amini, a
iraniana Mahsima
Nadim , de 39 anos, também sofreu nas mãos da polícia da moralidade.
“Fui presa duas vezes devido a alguns fios dos meus cabelos que apareceram”,
afirma. “Após ser detida, um homem da família, como pai ou irmão, tem que ir à
delegacia para nos liberar. É uma sociedade muito machista.”
‘Filhas da guerra’
Considerada uma ‘filha da
guerra’ – como são chamadas as mulheres que nasceram entre 1980 e 1988, período
de guerra entre Irã e Iraque – Mahsima Nadim conta que a vida das iranianas já
foi bem diferente. Segundo a maquiadora, que deixou o país de origem há
dez anos para conquistar uma vida livre no Brasil, as mulheres desfrutavam de
uma vida normal antes da Revolução Islâmica (1979), que impôs
o rigoroso código de vestimenta. “Existiam várias religiões além do
Islã e usar o véu não era obrigatório”, diz. “Havia democracia, as pessoas
tinham liberdade.”
Mahsima Nadim acompanha com
indignação o caso da jovem de 22 anos morta misteriosamente. Enquanto ainda
morava no Irã, a iraniana participou de uma manifestação em 2009 contra a
repressão pesada do regime. Recentemente, ela ajudou a organizar no Brasil
protestos contra o governo islâmico. “Mesmo tendo poucos iranianos em São
Paulo, fizemos uma pequena manifestação no dia 23 de setembro para nos
posicionarmos sobre o que se passa agora no Irã”.
Segundo a maquiadora, a morte
de Mahsa Amini se tornou um símbolo de liberdade para as mulheres que vivem no
Irã. Pelo menos 185 pessoas morreram no Irã até o último sábado 8, em
decorrência dos protestos realizados por milhares de iranianos contra a
violência policial no país. Imagens de mulheres cortando o cabelo e
queimando o véu islâmico como forma de revolta vêm circulando pelo mundo.
Estudantes se reuniram para gritar “morte ao ditador”, em referência a Ali
Khamenei, líder supremo do Irã que segue no poder há 33 anos.
“A morte da Mahsa Amini
aconteceu esse ano, mas crimes desse tipo já aconteciam no Irã”, lamenta Mahsima Nadim. “Dessa vez, o mundo parou e olhou para as mulheres iranianas, que há 44
anos estão sofrendo desse regime islâmico assassino e do feminicídio. Saí do
meu país devido às regras rígidas do país. Larguei tudo para buscar minha
liberdade.”
Fim da ditadura?
As manifestações contra o uso
do hijab no Irã não são recentes. Em 2017, a iraniana Vida Movahed subiu em uma
plataforma na rua Enghelab, no centro de Teerã, tirou o lenço e acenou no ar
como sinal de oposição ao véu obrigatório. Ela foi seguida por outras mulheres
e o movimento ficou conhecido como The Girls of Revolution Street (As Meninas
da Rua da Revolução, em tradução livre).
Segundo Francirosy Campos
Barbosa, antropóloga e pós-doutora da Universidade de Oxford, a morte de Mahsa
Amini, por ser uma situação aparentemente suspeita, fez com que eclodisse com
força esses protestos contra o governo na sociedade iraniana. Os protestos em
massa anteriores nunca conquistaram o apoio de iranianos suficientes para
sobrecarregar o governo ou forçá-lo a fazer concessões significativas.
Para a iraniana Mahsima
Nadim, a onda de manifestações que ocorre no Irã e em outros países
simboliza uma revolução capaz de provocar a queda do regime
ditatorial. “Aconteceram várias manifestações, mas a polícia sempre acaba
matando as pessoas que falam mal do governo”, afirma. “No dia seguinte você não
existe mais. Fugi do Irã para não morrer.”
Para o cientista político
André Lajst, especialista em Oriente Médio, os recentes protestos no Irã não
podem ser resumidos apenas à luta feminista. “O estopim é uma questão feminina,
mas o motivo no fim das contas é acabar com a ditadura e dar liberdade para os
iranianos”, explica.
Para ele, a onda de
manifestações só pode causar, de fato, uma revolução no país caso
haja adesão dos líderes militares. “Essa é a única forma de depor o
regime iraniano, porque sem as armas seria impossível para os protestantes
conseguirem derrubar o regime apenas no grito.”
Título e Texto: Letícia
Iervolino, Revista
Oeste, 16-10-2022, 9h30
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