domingo, 16 de outubro de 2022

‘Saí do Irã para não morrer’, afirma iraniana que mora no Brasil

Mahsima Nadim saiu do país de origem por conta da repressão imposta às mulheres


Letícia Iervolino

A jovem iraniana Mahsa Amini se tornou, de um momento para outro, um símbolo de resistência no mundo. Ela foi presa em Teerã, capital do Irã, pela polícia, por não usar corretamente o hijab, o véu islâmico obrigatório a qualquer mulher que entre no país, independentemente de sua religião ou nacionalidade. Depois de ser presa, ela morreu três dias após entrar em coma, no dia 16 de setembro. O episódio levou milhares de pessoas às ruas para manifestar indignação contra a morte misteriosa da jovem de 22 anos.

Mahsa Amini cresceu em um lar tradicional e religioso na cidade de Saqqez , no centro-oeste do Irã. A iraniana estava prestes a entrar na universidade e não tinha registro de ativismo político, tampouco participava de manifestações contra as rígidas leis do país. Em 13 de setembro, a iraniana foi abordada pelos agentes da polícia da moralidade, como é chamada, por deixar alguns fios de cabelo escaparem do lenço que cobria sua cabeça. 

De origem curda, a maior população apátrida do mundo, a família de Mahsa Amini negou apoiar grupos de oposição promovidos pela etnia que o Irã acusa de separatismo. A polícia diz que a jovem desmaiou em um centro de detenção depois de sofrer um ataque cardíaco. No entanto, o pai da jovem morta alega que os agentes a agrediram com um cassetete.

Os agentes da Patrulha de Orientação são responsáveis por vigiar o cumprimento do código de vestimenta no país. Eles representam a força de aplicação da lei e detém total controle sobre os “centros de reeducação”, espaços onde as mulheres, e em alguns casos homens, são detidos por não cumprirem as rígidas regras do governo sobre disciplina e modéstia.  

Assim como Mahsa Amini, a iraniana Mahsima Nadim , de 39 anos, também sofreu nas mãos da polícia da moralidade. “Fui presa duas vezes devido a alguns fios dos meus cabelos que apareceram”, afirma. “Após ser detida, um homem da família, como pai ou irmão, tem que ir à delegacia para nos liberar. É uma sociedade muito machista.”

‘Filhas da guerra’

Considerada uma ‘filha da guerra’ – como são chamadas as mulheres que nasceram entre 1980 e 1988, período de guerra entre Irã e Iraque – Mahsima Nadim conta que a vida das iranianas já foi bem diferente. Segundo a maquiadora, que deixou o país de origem há dez anos para conquistar uma vida livre no Brasil, as mulheres desfrutavam de uma vida normal antes da Revolução Islâmica (1979), que impôs o rigoroso código de vestimenta. “Existiam várias religiões além do Islã e usar o véu não era obrigatório”, diz. “Havia democracia, as pessoas tinham liberdade.”

Mahsima Nadim acompanha com indignação o caso da jovem de 22 anos morta misteriosamente. Enquanto ainda morava no Irã, a iraniana participou de uma manifestação em 2009 contra a repressão pesada do regime. Recentemente, ela ajudou a organizar no Brasil protestos contra o governo islâmico. “Mesmo tendo poucos iranianos em São Paulo, fizemos uma pequena manifestação no dia 23 de setembro para nos posicionarmos sobre o que se passa agora no Irã”.

Segundo a maquiadora, a morte de Mahsa Amini se tornou um símbolo de liberdade para as mulheres que vivem no Irã. Pelo menos 185 pessoas morreram no Irã até o último sábado 8, em decorrência dos protestos realizados por milhares de iranianos contra a violência policial no país. Imagens de mulheres cortando o cabelo e queimando o véu islâmico como forma de revolta vêm circulando pelo mundo. Estudantes se reuniram para gritar “morte ao ditador”, em referência a Ali Khamenei, líder supremo do Irã que segue no poder há 33 anos.

“A morte da Mahsa Amini aconteceu esse ano, mas crimes desse tipo já aconteciam no Irã”, lamenta Mahsima Nadim. “Dessa vez, o mundo parou e olhou para as mulheres iranianas, que há 44 anos estão sofrendo desse regime islâmico assassino e do feminicídio. Saí do meu país devido às regras rígidas do país. Larguei tudo para buscar minha liberdade.”

Fim da ditadura?

As manifestações contra o uso do hijab no Irã não são recentes. Em 2017, a iraniana Vida Movahed subiu em uma plataforma na rua Enghelab, no centro de Teerã, tirou o lenço e acenou no ar como sinal de oposição ao véu obrigatório. Ela foi seguida por outras mulheres e o movimento ficou conhecido como The Girls of Revolution Street (As Meninas da Rua da Revolução, em tradução livre).

Segundo Francirosy Campos Barbosa, antropóloga e pós-doutora da Universidade de Oxford, a morte de Mahsa Amini, por ser uma situação aparentemente suspeita, fez com que eclodisse com força esses protestos contra o governo na sociedade iraniana. Os protestos em massa anteriores nunca conquistaram o apoio de iranianos suficientes para sobrecarregar o governo ou forçá-lo a fazer concessões significativas.

Para a iraniana Mahsima Nadim, a onda de manifestações que ocorre no Irã e em outros países simboliza uma revolução capaz de provocar a queda do regime ditatorial. “Aconteceram várias manifestações, mas a polícia sempre acaba matando as pessoas que falam mal do governo”, afirma. “No dia seguinte você não existe mais. Fugi do Irã para não morrer.”

Para o cientista político André Lajst, especialista em Oriente Médio, os recentes protestos no Irã não podem ser resumidos apenas à luta feminista. “O estopim é uma questão feminina, mas o motivo no fim das contas é acabar com a ditadura e dar liberdade para os iranianos”, explica.

Para ele, a onda de manifestações só pode causar, de fato, uma revolução no país caso haja adesão dos líderes militares. “Essa é a única forma de depor o regime iraniano, porque sem as armas seria impossível para os protestantes conseguirem derrubar o regime apenas no grito.”

Título e Texto: Letícia Iervolino, Revista Oeste, 16-10-2022, 9h30

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