Paulo Polzonoff Jr.
Entro na festa e não hesito em emendar a pergunta assim que cumprimento as pessoas. Prazer, Paulo. Você não está achando o Bolsonaro muito calmo, não? Muito tranquilo. Muito sereno. Muito zen. Pego linguiça, pão d'alho, litrão. Prazer, Paulo. E essa tranquilidade toda do Bolsonaro, hein? Estranho, né? Dou mais algumas voltas pelo churrasco. Abro um sorriso que uns consideram patético e outros, psicopata. E novamente o cumprimento e a pergunta. Prazer, Paulo. Bolsonaro tá calmo demais nos últimos tempos, não acha?
A maioria das pessoas responde com um sorriso amarelo. Compreensível. Aquela não é a hora nem o lugar para esse tipo de conversa. E, no mais, já estou de saída. A dúvida, porém, permanece e se confunde com os primeiros sintomas da ressaca: este não era o capitão que não levava desaforo para casa? Não era o toscão do baixo clero incapaz de um cálculo político minimamente elaborado? Não era o fascista irascível? Não era o caudilho carioca que imporia sua vontade sobre os demais, rasgando a Constituição? Não era a superameaça à democracia?
E ainda mais numa hora como essa, em que até a pecha de pedófilo tentam pregar em Bolsonaro. Um momento em que as máscaras todas caíram, a Revolução está no ar e o Judiciário age flagrantemente em favor de Lula. Um cenário de censura, perseguição e instabilidade institucional que fomentam a instabilidade emocional - e não só do presidente e candidato à reeleição.
A mim, confesso, também me espanta a mudança de postura do Jair Bolsonaro. Como são diferentes o homem daquele remoto dia 1º de janeiro de 2019 e este de agora. Ou será que só vejo uma mudança drástica porque, em algum momento, também me deixei contaminar pela narrativa de que Bolsonaro representava mesmo uma ameaça? Seja como for, o homem de agora deixou de ser apenas tolerável e é até admirável. Mesmo que essa imagem de líder pacífico e democrático seja apenas parte do “esforço eleitoral”, está de parabéns o homem capaz de conter sua agressividade. De, apesar de todos os apelos, insistir no jogo "dentro das quatro linhas". Todos sabemos como isso é difícil.
Mas vamos às possíveis explicações para a calma que parece tomar conta de um antes explosivo e impetuoso Jair Bolsonaro. E ainda mais às vésperas da eleição mais dura e suja das últimas décadas!
Possíveis explicações
Conversava eu com um amigo sobre essa possibilidade de os últimos quatro anos terem amadurecido alguém acostumado ao conflito. O amigo, porém, não acredita que cachorros velhos aprendam truques novos. Eu acredito. Não que o cachorro velho vá sair por aí andando sobre duas patas enquanto equilibra um ovo na ponta do focinho. Isto é, não acredito que Bolsonaro vá se transformar num lorde cheio de não-me-toques. Mas é possível, sim, que um cachorro velho aprenda a conter sua fome diante de um bife. Isto é, que Bolsonaro tenha aprendido que a mansidão é uma virtude tão importante quanto, sei lá, o senso de justiça.
Outra possibilidade é a fé – assunto quase inalcançável num mundo viciado em análises pretensamente objetivas e contaminadas pelo materialismo. Afinal, como explicar a fé (e ainda por cima a fé alheia) para quem desconhece essa dimensão da experiência humana? Pior: para quem a confunde com superstição? Se você é desses, portanto, sugiro que você contorne os dois parágrafos seguintes.
A fé tranquiliza na medida em que desperta em nós dois tipos de esperança. Primeiro, a esperança de que a Verdade prevaleça sobre a mentira. De que a Tradição se sobreponha à mentalidade revolucionária. De que a Lei Natural, em toda a sua inteligência divina, vença os arcos de experiência regulatória. O segundo tipo de esperança é o de que nossos piores pesadelos não se realizem. De que o Brasil não vire uma Venezuela. De que Deus tenha misericórdia dessa Nação – para usar uma frase feliz dita por um infeliz.
Obviamente não posso afirmar que a tranquilidade que vejo em Bolsonaro a poucos dias desta que é eleição mais suja desde 1989 tenha a ver com a fé. Com essa estranha convicção que nasce do apego à Verdade. Mas gosto de pensar que tem. Prefiro essa à explicação mundana (esta, sim, supersticiosa) de que Bolsonaro é capaz de racionalíssimos cálculos maquiavélicos ou tem uma bala de prata ou carta na manga.
Por fim (seja bem-vindo de volta ao texto, leitor que pulou os dois parágrafos anteriores), tem a explicação jocosa de um remédio misterioso que permite que Bolsonaro fique calmo e ao mesmo tempo tenha a disposição e a agilidade mental necessárias para uma campanha. Será que é homeopatia? Será que é tarja preta? E o mais importante: onde é que eu compro esse remédio para aguentar a tensão até domingo? Se bem que é melhor que o nome do remédio não venha a público. Senão é bem capaz de o TSE, em parceria com a Anvisa, proibi-lo.
Título e Texto: Paulo Polzonoff Jr., Gazeta do Povo, 26-10-2024, 7h24
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