Especialistas em economia e aviação não duvidam que o Estado vá perder dinheiro com a venda da TAP, depois de ter injetado, nos últimos dois anos, 3,2 mil milhões de euros na companhia. Problemas estratégicos e concorrência das low-cost são apontados como os principais desafios
Rute Simão
As contas da TAP não são
fáceis de fazer e se o presente da companhia é incerto, o futuro vislumbra-se
envolto em dúvida e especulação. A privatização da empresa voltou a ser o tema
do dia, 27 meses depois de o Estado ter passado um cheque de 55 milhões de
euros a David Neeleman para recuperar a posição maioritária na TAP junto da
Atlantic Gateway, e assumir 72,5% da companhia, em julho de 2020, ou seja, uma
compra de 22,5% do capital. O objetivo era salvar a transportadora da
bancarrota que apresentou, nesse ano, prejuízos de 1418 milhões de euros e uma
dívida líquida de 2071 milhões de euros. Dois anos passaram com a bênção de Bruxelas
a um plano de reestruturação que deu luz verde à injeção de 3,2 mil milhões de
euros nos cofres da TAP. A última tranche da ajuda estatal, no valor de 990
milhões de euros, chega em dezembro e, antes disso, o processo para a venda do
capital da companhia já deverá ter arrancado, revelou recentemente António
Costa, que assumiu como meta a privatização em doze meses. O governo fecha-se
em copas sobre os meandros do negócio, mas já assumiu que pode vir a perder
dinheiro. Do pouco que já se sabe sobre a possível venda, este será um dado
praticamente adquirido.
Esta é "uma lição demasiado cara" feita com os impostos dos contribuintes, lamenta o economista João Duque. "Claro que vamos perder dinheiro porque a TAP foi uma das moedas de troca para António Costa ter o apoio do PCP na ascensão ao poder. E como vemos, a TAP, afinal, não é estratégica para o Estado nem para Portugal, apesar de o PCP ainda o considerar", defende o também professor do ISEG. Para o economista, a TAP "nunca devia ter sido renacionalizada" e, por isso mesmo, defende a privatização e "quanto mais depressa melhor". A mesma opinião é partilhada pelo professor de aviação e turismo da Escola Superior de Hotelaria e Turismo do Estoril (ESTHE), Rui Quadros. "O melhor é privatizar o mais cedo possível antes que a companhia valha apenas um euro, e quando alguém aparecer, queira apenas os slots", concorda o especialista em economia do transporte aéreo, que aponta o Grupo Lufthansa como o comprador mais conveniente. "Pela sua rede e pela falta que fazem os destinos africanos e sul-americanos e também pela experiência, boa e má, que a empresa tem experienciado. A TAP tem rotas premium que fazem muita falta à Lufthansa", analisa.
Para já, há três nomes na corrida à compra da companhia liderada por Christine Ourmières-Widener: a alemã Lufthansa, a franco holandesa Air France-KLM e o grupo IAG, que detém a espanhola Ibéria e British Airways. E este pode ser um bom timing para as empresas estrangeiras olharem para Portugal. "Para quem quer ir às compras e para quem puder - ou seja, quem tiver liquidez e não estiver sujeito a restrições por ainda dever dinheiro de ajudas aos seus respetivos Estados o que é impeditivo de comprar outras companhias - a época pode ser boa. É como comprar roupa em saldos", compara Pedro Castro, diretor da SkyExpert. Ainda assim, o responsável da empresa de consultoria de transporte aéreo, aeroportos e turismo tem dúvidas sobre se, de facto, o negócio poderá interessar aos possíveis compradores.
"Creio que a intenção de
privatização do governo irá ficar deserta, ou seja, não haverá interessados
na compra, o que aliás já aconteceu no passado com esta companhia e já
aconteceu com outras companhias também. Com o histórico que temos, não creio
que algum privado aceite partilhar a TAP com este ou qualquer outro governo
português. É demasiado antidemocrático, autocrático, nepotista e eleitoralista.
E o valor de 100% da TAP será muito alto", refere, antecipando dois
cenários possíveis: "O governo tem de se preparar para ou ter um concurso
deserto e ser sancionado em eleições ou vender por muito pouco e ter os
contribuintes furibundos".
Pedro Castro relembra ainda
que os "processos de aquisição demoram largos meses a serem resolvidos e
os interessados vão fazer também o seu trabalho de casa" e, por isso,
acredita que "ninguém irá comprar a TAP antes de 2025". Rui Quadros
também está pouco otimista: "Com os problemas que a companhia ostenta,
neste momento, não me parece que ninguém venha a assumir o passivo da TAP sem
uma contrapartida".
Alienação
total
A percentagem que o Estado
pretende alienar é outra das perguntas ainda sem resposta. Questionado no
Parlamento esta semana sobre o assunto, o ministro das Infraestruturas e da
Habitação, Pedro Nuno Santos, chutou para canto. "Não se iniciou nenhum processo
de privatização e é por isso que não estamos em condições de dizer como e
quando [será feito] e quanto [custará]", disse.
João Duque afiança que a
privatização total seria o melhor caminho. "Mas acredito que nem o Estado
nem o comprador queiram verdadeiramente isso. Mas a vender parcialmente, a
posição do Estado deveria ser residual e meramente simbólica", sugere.
Vender o capital total da transportadora aérea de bandeira é também a posição
defendida por Rui Quadros: "A TAP não vai a lado nenhum enquanto o
acionista for o Estado. Assim sendo, a experiência diz-nos que o governo
deveria privatizar na sua totalidade e sem telhados de vidro para os seus
contribuintes que, na sua maioria, não voam na TAP". Já o economista
Eurico Brito aponta para um cenário moderado. "Uma privatização em que o
Estado possa defender a continuidade do hub e da cadeia de abastecimento da
companhia por empresas portuguesas, mas perdendo a maioria do capital e assim
permitindo o financiamento da TAP para desenvolvimento de frota e de rede,
através dos novos acionistas ou do mercado de capitais", sustenta o também
professor do ISEC.
As
contas do problema
A lista de adversidades na TAP
é complexa e transversal às principais fileiras da empresa. Aos problemas nas
contas, somam-se a perda de capacidade em Lisboa, com a cedência de 18 slots à
easyJet - outro dos remédios de Bruxelas -, o braço de ferro com os
trabalhadores e as polémicas da administração. A mais recente respeita à
aquisição de uma nova frota automóvel topo de gama.
A operação tem sido
impulsionada com a retoma do turismo e com a recuperação de passageiros (5,823
milhões de passageiros até junho, praticamente o mesmo do que no acumulado do
ano de 2021 e ainda 26% abaixo do pré-pandemia), mas no horizonte agigantam-se desafios.
Em dezembro, a empresa tem de fechar as contas do ano com prejuízos inferiores
a 54 milhões de euros, uma das imposições inscritas no plano de reestruturação
aprovado pela Comissão Europeia, que também impede a companhia de receber mais
ajudas do Estado a partir do próximo ano. O cheque final de 990 milhões de
euros chega dentro de dois meses. Para trás estão mais 998 milhões de euros
desembolsados: 536 milhões de euros em aumento de capital e 462 milhões em
compensações por danos covid. A este bolo soma-se a injeção de 1200 milhões de
euros de empréstimo em 2020, também convertido em capital.
Com o plano de transferências
do governo concluído este ano, a TAP tem de regressar ao mercado para se
conseguir financiar. O administrador financeiro da transportadora, Gonçalo
Pires, confirmou, na conferência de imprensa de apresentação dos resultados do
primeiro semestre, que a TAP está a preparar uma operação para refinanciar a
dívida privada, que ultrapassa os 700 milhões de euros, conforme exigido por Bruxelas.
E a privatização pode acalmar as águas na TAP? "Não acho que se deva
acreditar na privatização como a salvação sagrada. Os problemas estruturais
continuarão e não se resolverão com a suposta privatização. Depende dos bolsos
de quem comprar e depende da participação e intervenção do Estado", diz
Pedro Castro.
A concorrência das low-cost é
apontada pelo economista João Duque como o maior desafio para a operação da
transportadora. Com a Ryanair e a easyJet a ganharem quota de mercado no país,
a estratégia da TAP deve reformular-se. "A TAP hoje está no limbo entre os
preços de uma companhia de bandeira mas com serviços low-cost, pelo que há aqui
uma dissonância que o mercado não percebe. Ou passa a companhia low-cost de uma
grande rede ou passa a companhia de bandeira, mas então a prestar serviços de
elevada qualidade", indica o economista.
O especialista Rui Quadros
aponta outro possível caminho com a privatização: "A TAP poderá ser
transformada numa companhia de alta performance regional, com voos de baixo
custo em rotas de alta densidade e do segmento leisure e com voos em
tarifas premium para destinos que sirvam os homens de negócio. Já está tudo
inventado é só copiar e fazer bem", sugere, relembrando que é às
companhias de baixo custo que cabe a "democratização do transporte
aéreo". "Nos modelos do tipo tradicional, Full Service Carrier,
apenas os grandes têm capacidade de voar e ser rentáveis. A história de que a TAP é dos portugueses e para os
portugueses é mais um chavão que já ninguém respeita", lamenta.
Investimento e competitividade
são outros dois fatores benéficos que podem advir da privatização, completa
Eurico Brito, que olha também para o outro lado da moeda. "Se a
privatização for feita com companhias europeias o perigo de perdermos o hub aumenta,
situação agravada com a deficiência de capacidade do aeroporto de Lisboa, das
dificuldades do espaço aéreo e da insuficiência de pessoal, nomeadamente de
operações de terra e áreas de difícil recuperação, devido às perdas de quadros
com a covid. Se o novo parceiro for de outro continente, o perigo de perda de
distribuição de tráfego para a América e África diminui", defende.
Título e Texto: Rute Simão,
Dinheiro Vivo, 15-10-2022
A TAP como prova de que o interesse dos socialistas é inimigo do interesse nacional
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