Aparecido Raimundo de Souza
Lembro, nessa época, raiava a doce primavera dos meus dezessete. Hoje,
anos depois, que ironia! Nos tornamos adultos. Temos vida própria, vivemos na
mesma rua, igual bairro... compramos no mesmo supermercado e quando temos
alguma indisposição, a farmácia logo ali na esquina nos recebe de portas
abertas. Lado paralelo, moramos no mesmo prédio. Dividimos a mesma portaria,
falamos com os mesmos vizinhos, faxineiros, porteiros, subimos os mesmos
elevadores e quando falta luz, dispomos das escadas cansativas que nos permitem
descermos ou subirmos usando iguais degraus e corrimões. Só o que não coincidiu
foi o pavimento de nossos lofts. Uma gota minúscula no oceano da vida, se visto
pela lógica da estuporação anunciada.
Estou no décimo oitavo e você no décimo quinto. Apesar desse pequeno
deslize de sucessões inevitáveis provocados pelos reveses da vida, tivemos
sorte. Numa dessas correrias do dia a dia, nos esbarramos no hall de entrada.
Você vinha da rua cheia de sacolas de supermercado, eu saia com as mãos
entulhadas de processos. A força do seu coração se emocionou quando nos reencontramos.
Algo além de nós, ficou marcado. Foi tão forte a emoção, tão densa a alegria,
magnânimo o sabor do encantamento, enfim, se fez tão robusta e eficaz, tão
inexplicável e fogosa a nossa “topada” não programada, que o susto caiu vencido
ao nosso redor. Igualmente, como um doce enlevo, nos brindou os recônditos da
alma de uma maneira que eu não saberia como explicar ou descrever.
Lembro que você se abriu por inteira. Se fez largada, como mala velha num sorriso amplo. Se fez faceira, angelical e, ao mesmo tempo, tão pasma e adulta, tão mulher, tão nós, que no momento seguinte ao reencontro, me flagrei boquiaberto, ressuscitando pensamentos pretéritos e os colocando no jardim da sua magnificência. Me senti voltando no tempo, retrogradando aos bastidores do nosso antigo e adormecido romance. Logo em seguida, você se fez tão linda e charmosa, tão carente e dona de si, tão submissa e necessitada, que, por momentos, pensei tivesse saído do plano terrestre e ido parar num universo paralelo de eternidades plenas.
Sua voz, ao me reconhecer –, deu um grito de acordar ilusões e acredite,
todo meu ser se derramou auspicioso em festa de sustos e semelhantes abalos
efervescentes. Com você de volta ao meu mundo, desde então, cada espaço vazio
dentro de mim se encheu do seu júbilo. Cada olhar, agora, é como se renascesse,
no meu “eu”, a cada “mirada”, a cada “pegada”, a cada amasso, a flor cálida da
nossa paixão imorredoura. No hall do nosso prédio, desde esse dia inesquecível
em que nos reencontramos, que nos reaproximamos, que reassumimos as almas
apartadas, a partir desse momento excelso em que reatamos o elo que estava
rompido, esquecido, quieto, adormecido e, mais que isso, no instante exato em
que abrimos e reconstruímos a passagem secreta para os caminhos possíveis,
mormente às sendas não acontecidas, os vales e as dimensões não percorridas...
Como num passe de pura mágica, nosso outrora, nosso ontem, nosso gostar
voltou às carreiras. Pintou do nada. Regressou a todo vapor de onde se via
refugiado. Formalmente fomos atrás, juntos, de mãos dadas, em busca do velho
amor. Tudo em nossas vidas criou beleza e cor. O nosso derredor floresceu.
Virou magia. Aliás, para ser completo, ao encanto dessa magia, só faltava o elo
do carinho se juntar no mesmo patamar de nossas emoções. Desde esse fortuito e
inopinado dia, fizemos de nosso “ontem” um novo “agora”. Não somos mais velhas
lembranças adormecidas. Figuras retóricas de filmes antigos de nós mesmos.
Abandonamos, no passado, as fotografias amarelas, os papéis pálidos no palco
onde nosso romance se tornou uma peça de final feliz. Hoje, agora, nesse
momento, bem sabemos, vivemos a realidade que a cada manhã se reacende mais
forte e pujante, mais cálida e indestrutível dentro da nossa – ou melhor dito
–, daquilo que juntos, rostos colados, corpos em transe, almas em festa,
corações batendo na mesma pulsação paradisíaca, chamamos de F E L I C I D A D
E.
Título e Texto: Aparecido
Raimundo de Souza, de Brasília
Distrito Federal. 18-10-2022
Labirintos de passagens
Ponto obscuro
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No tapa
Um sujeito mal-agradecido
Sobre o ódio
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