terça-feira, 11 de outubro de 2022

[Aparecido rasga o verbo] Ponto obscuro

Aparecido Raimundo de Souza

HOJE PELA MANHÃ
, indo para o serviço, quando cruzava a praça da igreja matriz, me deparei, em meio da multidão, com uma garota elegantemente simpática. Como filho de Deus, não pude deixar de olhar para ela. Um pedaço de divindade vinda de algum planeta longínquo. Em contrapartida, a formosa me devolveu o olhar e o fez com um sorriso que me encantou a alma. O perfume que usava, entrou pelo meu corpo até atingir o mais profundo do coração. De uma forma irresistível, desde aquele momento, não saiu mais de mim. Depois disso, seguimos cada um em busca do seu destino.

Em casa, à noite, com minha mulher e filhos, assistindo a novela das dezoito, de repente, do nada, me voltou correndo, à lembrança, a moça desconhecida que me fizera cativo da sua formosura impecável. Como se passasse um filme, revi o seu rosto perfeito e adocicado, seus lábios sensuais, e aquele olhar meigo e penetrante que maravilhou todo meu ser juntamente com o perfume hipnótico (1) e ebriático (2) que me fez fechar as vistas e viajar solto e desamarrado, como se estivesse abraçado a ela, em meio daquela área pública com pessoas transitando de um lado para outro num vai e vem infindo.

Manhã seguinte, minha esposa me acordou no horário de sempre. Como fazia todas as vezes que pulava da cama, e em face do tempo escasso para me barbear, tomar banho, mandar para dentro o dejejum, corri afoito para o banheiro antes das crianças se levantarem para a escola. Quando me tranquei, fechando a porta por dentro, alguém me enlaçou pelas costas. Me virei, atarantado e boquiaberto Era ela. A moça da praça. Nos abraçamos e nos beijamos como dois seres perdidamente apaixonados. Aos poucos, ela se fez dona do pedaço. Me despiu do pijama e pelados, sem nos soltarmos, fomos para debaixo do chuveiro.

Fizemos amor. Um amor inesquecível. Com a demora, minha esposa bateu forte na porta (em vista do barulho que fazíamos), indagando “que tropel aquele que ela ouvia da cozinha?”. Dei uma resposta esfarrapada e, por conta da insistência dela, sem ter como escapar, fui obrigado a me destrancar e mostrar a cara. Minha esposa entrou como um furacão, ressabiada, a face carrancuda, perguntando com quem eu conversava avidamente e pior, exigia explicações com relação a voz da “vagabunda” que estava comigo lá dentro, aos gritos e gemendo atabalhoadamente (3) em face da nossa farra desconexa debaixo do chuveiro quente?

Menti dizendo que o meu celular estava em volume alto, contudo, a minha mentira caiu por terra. A minha esposa exibiu o meu aparelho e o dela, ambos na palma de sua mão. Furiosa, ainda sem entender aquela confusão inusitada, vasculhou todos os cantos e, por fim, correu ao box. Num ímpeto violento, quase arrancou a cortina do trilho. Gelei. Iria, impreterivelmente, dar de nariz com a garota da praça. Para meu assombramento, nada havia ali, nada, a não ser eu sozinho e a imagem daquela deusa bailando entre a fumaça do chuveiro e a minha mente perplexa. De roldão, permaneceu no ar, as dádivas e os mimos envoltos ao cheiro forte do perfume inesquecível com o qual topei, no dia anterior, quando cruzava com aquela princesa em frente à praça florida do santuário.

Notas de rodapé:
1) Hipnótico – Aquele perfume que inebria e parece grudar no corpo.
2) Ebriático – Que atordoa, que alucina que extasia.
3) Atabalhoadamente – Desastradamente, feito às pressas ou de modo precipitado.

Título e Texto: Aparecido Raimundo de Souza, da Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro, 11-10-2022

Anteriores: 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.

Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.

Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-