terça-feira, 28 de janeiro de 2025

[Aparecido rasga o verbo] Batismo difícil

Aparecido Raimundo de Souza

MEU FILHO NASCEU. Finalmente, coroou para minha alegria e regozijo de todos os nossos familiares. Desesperada, minha esposa Lamparina se viu envolvida em achar um nome condigno, um rótulo oficial que não o deixasse à margem de pessoas inescrupulosas quando se tornasse adulto, ou seja, quando se visse envolvo em meio de sujeitos que não fizessem dele alvo de arruaceiros no sentido de manchar a sua reputação e moral. Afinal, o pequeno bebê, será o nosso futuro herdeiro. Sugeri à Lamparina, um nome que a meu ver não se fazia muito comum, porém, ela discordou:

— Está maluco, Ricardo? Tire por você! Todo mundo aqui na rua diz que o meu marido tem um caso com a comadre “Chupa Bem.” Sua mãe, que Deus a tenha, dormiu no ponto quando lhe batizou Ricardo. Olha só as piadas. Lá vem o Ricardão. Lá vai o “papador de anjos.” E para apimentar mais a coisa, dizem, à alta voz, que você me trai também com a comadre Piracanjuba. Sem falar no meu. Um treco sem graça. Lamparina. Comentam, às minhas costas, que pareço pavio de algodão alimentada com querosene...

Ricardo se segurou para não rir:
— Legal, meu amor. Mudemos para Noa. Seria ideal e faria sucesso.
Lamparina se acendeu de raiva:
— A galera o chamaria de barco...
— De barco? Como assim, Lamparina?
— Lá vem Noa... ou entre os amigos na escola: vem cá, Noa... como acha que se sentiria o nosso rebento?
— Tem razão. No que você pensou?
— O que me diz de Vick? Curto e grosso.

— Fora de cogitação. Todo mundo o chamaria de unguento. Exemplo: está com dor de cabeça? Passe Vick na testa. Nariz entupido? Enfie Vick nas narinas.... ou dor nas partes íntimas? Vic resolve...é só esfregar...
— Que tal Eustáquio?
— Nosso filho viraria piada nacional.
— Não entendi.
— O Eus tá aqui ó. Não está lá. Imagine! Que coisa mais sem graça e nexo.

— Eu votaria em Virgulino. Nome de macho.
— Um desastre, Lamparina Os incautos não deixariam por menos. Certamente viraria cangaceiro. Quando começasse a namorar, os ratos de esgoto e faladores gritariam: o desgraçado está atrás de uma Maria Bonita. Que moça se envolveria com ele?
— O que me diz de Jesus? Nome santo!
— Logo apareceria alguém para lhe crucificar... por aí, mundo afora, está cheio de Pilatos.
— Bem lembrado. Já que falou em Pilatos, o que me diz de Pilates?

— Puta que pariu, mulher. Você por acaso tem ideia de quem foi Pilates?
— Não Sei. Posso lhe dizer quem foi Pilatos.
— Ok, ok. E quem foi?
— Pilatos foi aquele que lavou as mãos e entregou Jesus.
— E Pilates?
— Pela lógica, se Pilatos lavou as mãos, obviamente Pilates mais cuidadoso, além das mãos, cuidou também da bunda.
— Você está tão engraçadinha. Vamos focar. Que nome daremos ao nosso primogênito?

— Robin?
— Vade-retro, mulher. Todo mundo não pensaria duas vezes: diria a bel prazer. Robin está no pedaço. Nosso guri viraria veado. Proclamam que ele tem um caso com o Batman. O que me diz de Velo? Não existe nenhum Velo. Você conhece algum?
— Nosso filho se transformaria em brinquedo de criança.
— Desenhe, minha princesa...
— Lá vem o Velo. Veloz como uma tartaruga...
— Barrabás?
— Nem vou comentar, amor. Escolhe outro.

— Garrincha?
— Apesar de Pau Grande, foi um chifrudo. A Elza Soares tomou tudo dele. Deixou o cara com uma mão na frente, outra atrás.
— E o que tem a ver o pau grande com isso?
— Pau Grande não é o que você está imaginando. É a cidadezinha onde ele nasceu. Perto de Magé. Que tal Simão de Sirene?
— Quando nosso homenzinho chegasse à idade adulta, nos odiaria para sempre. Os amigos dele, ainda que num ato não de gozação: — Lá vem Simão de Sirene ligada. Logo viraria ambulância...

— Não tenho mais nenhuma ideia brilhante. Diga você...
— O que me diz de o batizarmos como Calen?
— Chamariam nosso bebe de Calendário. Exemplo: lá vem o Calendário. Vamos perguntar para ele, qual será o mês mais propício para plantar mandioca?
— Ah, pensei agora em um que ninguém tirará sarro. Sem contar que não tem como botar apelido. Tampouco existe alguma coisa que se possa filiar ao nome...
— Diga, logo, amor. Não sendo Romário, que vão gozar dizendo que saiu do armário, ou Peçanha, que se materializará peçonhento... ou Amauri... Amauri é um nome sério. Ele só não ri. Logo descambará para cara fechada... ou emburrado. Cisterno. Pensei em Cisterno... mas descartei. Mentalize a cena, meu querido esposo: Cisterno está no pedaço. Nunca ficaremos sem água...
— Última forma, Lamparina. Benjamim. Nada trova com Benjamim. Pronto, este será o nome de nosso filho. BENJAMIM...

— É o que você acha, meu adorado esposo. Pense no amanhã. Reflita friamente. A turma aqui da rua, e não só dela, do bairro, em peso:
— “Ei galera, chegou quem faltava. Se aproximem. O nosso querido amigo Tomada... vem cá, meu amigo Tomada, carinhosamente “T”. Chega mais. A casa é sua, a satisfação é nossa. Certamente um filho da puta completaria: — Pessoal, arranjamos um adaptador no capricho. Quem quiser, poderá se ligar nele. Espiem. Tomada, ou carinhosamente “T”, ou plugue, não importa. Venham se divertir. Plugue tem disponíveis três buracos e os nossos “colegas” que gostam de aventuras diferentes, poderão se ligar nele... “”
E concluiu, cabisbaixa e melancólica:
— Resumindo o programa da ópera, o menino, aliás, o nosso pimpolho, num estalar de dedos viraria chacota. Serviria de saco de pancada para zombarias e pilhérias, sarros e escárnios...

Título e Texto: Aparecido Raimundo de Souza, da Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro, 28-1-2025

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