terça-feira, 21 de janeiro de 2025

[Aparecido rasga o verbo] Macacos me mordam

Aparecido Raimundo de Souza

O TELEFONE CELULAR de repente começou a tocar insistentemente dentro da mochila que o rapaz trazia às costas. Sem pressa, tirou a de onde estava, colocou no chão, abriu um compartimento pequeno fechado por um zíper e pegou o aparelho. Antes de efetivamente atender a ligação livrou-se de uma série de espirros que de repente passou a acometê-lo:
— Alô! Paulo? Sou eu, Luiz, fale...
— Por qual motivo demorou prá atender? Pensei que ainda estivesse dormindo. Onde você está?
— Onde marcamos. Na porta da casa que você me passou o endereço ontem à noite. Lembrou?
— Seu mentiroso. Então me diga: o que tem na frente da porta?
— A entrada.
— O quê?
— Na porta tem a entrada, ora bolas.
— Seu imbecil, você ainda nem saiu da cama. Se realmente está onde te mandei, me fale o que tem na porta, junto à entrada.

— Você não explica. Temos só o velho Capacho...
— Um velho capacho? E quem colocou essa porcaria aí?
— Isso eu não sei. O fato é que toquei duas vezes a campainha e ele apareceu...
— Espera, não estou entendendo. Você tocou a campainha duas vezes e ele apareceu? Ele quem, apareceu?
— Meu Deus, Paulo, o Capacho. De quem estamos falando?
— Luiz, o capacho não está no chão?
— Não, o Capacho está em pé, na minha frente com um copo de café numa das mãos e um pedaço de pão com manteiga na outra. É um senhor de idade bastante avançada. Foi ele que veio atender a campainha...
— Um senhor?
— Em carne e osso. É a sua pessoa gentil que me refiro desde o começo da nossa conversa.
— Pastel. Você é um pastel.
— Ah, bem lembrado. O Pastel! Está quase chegando. Você tirou as palavras da minha boca.

— Quem está quase chegando?
— O Pastel. E está trazendo um ajudante.
— Luiz, pelo amor de Deus, que pastel, que ajudante?

— Pastel é meu vizinho, seu chato e está vindo para cá com um outro amigo nosso, que mora na mesma rua lá de casa, o Bolinho de Carne.
— O quê? Bolinho de carne?
— Isso. Um ajudante porreta. Sempre que o serviço aperta costumo convocar os dois. Assim como você me chamou... Pastel e Bolinho de Carne vão me dar uma mãozinha na retirada dos cacarecos...
— Luiz, seu espertinho de uma figa. Entra logo nessa porra de casa e comece a desmontar os móveis.
— Tenho que esperar pelo Pastel e pelo...
— Entre logo e deixe de palhaçadas. Estou chegando aí com o caminhão em menos de meia hora. Nesse tempo quero as tranqueiras todas desmontadas. Com ou sem pastel ou bolinho de carne.
— Está bem, está bem, você manda. Agora fale com ele...

— Ele quem?
— Com o seu Capacho.
— Não quero...
Luiz passou o celular para o ancião, apesar da recusa que o Paulo fazia se impondo aos berros. Capacho cumprimentou o sujeito com educação:
— Bom dia, meu amigo.
— Bom dia... por favor, me passe para o tal Capacho.
— Eu sou o Capacho.
— Seu nome é Capacho?
— Na verdade, José Capacho da Silva Oliveira. Capacho para os amigos.
— Desculpe, nunca antes havia falado com alguém que tivesse um nome tão...
— Tão?
— Tão fora do comum, extravagante, excêntrico...

— Agradeço seus elogios. Geralmente as pessoas acham estrambótico.
— Que diabo venha a ser isso?
— De mau gosto, ridículo, esquisito...
— Longe de mim pensar uma coisa dessas. O senhor me parece muito simpático. — Quanto tempo o senhor acha que levará para o Luiz que está aí do seu lado desmontar todos os seus móveis e acomodar num lugar onde eu possa encostar meu caminhão?
Risos:
— Ele me parece um bom rapaz. Só acho que sozinho não conseguirá. Tenho muitas tranqueiras aqui em casa. Sabe como é: velho adora coisas antigas...
— Não se preocupe, seu Tapete, vamos dar conta.
— Perdão, não é Tapete, é Capacho.

— Mil desculpas. É tanta coisa na cabeça...
— Eu compreendo. Mas deixe-me perguntar uma coisa. Não é mais viável aguardarmos a sua chegada e a dos dois rapazes?
— Que rapazes?
— O que seu amigo aqui está esperando. Só um minuto. Seu Luiz, como é mesmo o nome dos ajudantes?
— Pastel e Bolinho de Carne.
Novos risos:
— Pastel e Bolinho de Carne.
— Macacos me mordam, seu Limpa Solas, eu...
O longevo enfureceu. Ele realmente perdeu a linha:
— Companheiro, por favor, não gosto de brincadeiras, principalmente com meu nome. Capacho. Capacho. Será que é tão difícil? Tome, já me aborreci. Fale com seu amigo. Passe bem.

O telefone voltou às mãos de Luiz:
— Canta, mano...
— Imbecil. Tinha que dar o telefone para o tal do Carapatio?
— Paulo, não é Carapatio. É Capacho... Capacho...
Nessa altura do campeonato o cidadão Capacho perdeu a esportiva e as estribeiras de uma só vez. Tomou o telefone do Luiz num safanão e explodiu:
— Seu... seu Paulo, o senhor vá sacanear a sua mãe. Carapatio uma ova. Uma ova! Entendeu? Agora tem a cachimônia de me comparar ao navio que deu socorro ao Titanic? Vá à merda. E de barquinho, que é para chegar mais rápido. Outro detalhe: não é Carapatio, é Carpátio.
— Bem pelo menos o pouco que sabemos da história, o senhor salvou muitas vidas, e igual ao Titanic, logo em seguida, quase afundou...

O idoso tremeu na base. Não era para menos:
— Não foi bem assim, seu verme. Todavia, uma coisa lhe falo com antecedência. Afundarei a mão na sua fuça tão logo o senhor chegue aqui. Quer saber de outro detalhe? Não vai ter mais mudança. Contratarei outro pessoal. Passe bem...
— Mas o Pastel e o Bolinho...
— Vou comer os dois... depois será a sua vez. Venha logo. Assim que estiver saciado, palitarei os dentes com o seu Luiz...
Temendo a ira da criatura que parecia atabalhoada e completamente fora de si, Luiz mal acabou de ouvir essas palavras passou a mão na mochila e deu no pé. Pura sorte. Capacho atirou o telefone que continuava em suas mãos e, com toda força o varejou contra a cabeça de Luiz. Só não acertou o alvo em cheio, porque a sua pontaria falhou em cima da hora.

Título e Texto: Aparecido Raimundo de Souza, da Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro, 21-1-2025

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