domingo, 19 de janeiro de 2025

[As danações de Carina] A desconhecida que mora dentro de mim...

Carina Bratt  

ENGRAÇADO, como às vezes, euzinha sinta um desejo ardente de escapar, de deixar para trás tudo o que conheço e embarcar em uma jornada rumo ao desconhecido! E onde o desconhecido está? Alguém saberia me dizer, ou me dar a localização em tempo real? A minha rotina, embora segura e familiar, por vezes se transforma em uma espécie de jaula invisível que me aprisiona, e, de igual forma, me encarcera, me tranca e inibe as minhas ambições e sonhos mais profundos. 

Fugir de mim mesma não é simplesmente deixar um lugar físico, mas um processo transformador de libertação interna. É me permitir mergulhar de cabeça, como se pulasse da minha varanda (vou me esborrachar toda lá embaixo, na calçada). Melhor mudar o cenário para um trampolim também alto e me deleitar numa piscina gigantesca onde eu possa encontrar novos horizontes, remexer territórios inexplorados dentro de mim mesma. Internamente ocultada no interior de meu corpo, existe uma outra Carina que vive a minha sombra, como se uma fosse o diabinho bom e a outra uma encapetada para me infernizar. 

Se eu mergulhar da minha varanda -, não, do tal trampolim, sei que farei uma viagem insólita, desconhecida, inédita, contudo essa maluques vai me levar para além dos limites geográficos e me fazer alcançar as profundezas do meu ‘eu-ser,’ onde certamente acharei partes ocultas da minha própria ‘essência-existência,’ ou dito de forma mais branda, toparei com aquela Carina que faz de tudo para  se manifestar tomando o lugar  da outra, ou eu, em via inversa,  como disse, da Carina que agora se faz atual em mim. 

Pulo, não pulo. Dane-se. Salto. No três. Um, dois...  voo como uma barata tonta fugindo de uma embalagem de inseticida. Nesse transpor do peitoril do alpendre, galgo o trampolim. E dele,  num novo salto, chego ao fundo. Ao retornar à tona e deixar a piscina, caminho por sendas estreitas de uma cidade desconhecida, e, logo adiante, me embrenho pelas trilhas sinuosas de uma floresta densa, não importa onde termina, desde que seja em um lugar propício para que eu me descubra. Será que morri, estou viva, em coma? 

Cada passo dado longe e agora fora da piscina e igualmente divorciado da minha casa, me aproximo de uma versão mais autêntica de mim mesma. Fugir, para mim, é buscar outra euzinha numa visão tridimensional incessante e tresloucada por autenticidade, exatamente por me encontrar frente a frente com o desconhecido e nele me conectar com a verdadeira realeza do meu ser, desde que ele seja livre ou o melhor de tudo, me pegue destapada de julgamentos e expectativas alheias. Ao fugir me permito sonhar novamente. Me outorgo, me reinvento e redescubro um mundo com os olhos de uma criança curiosa. 

Cada nova paisagem, após despencar da minha varanda, e sair molhada da piscina, cada rosto desconhecido, cada cultura diferente, fará de mim uma peça essencial no quebra-cabeça da minha própria nova ‘outra jornada’ -, a que estou agora. Assim, ao me dar em abraço nessa fuga, não estarei apenas escapando do meu ‘mundo real’, ou do meu ‘cotidiano-hoje,’ mas também me verei entrelaçada à possibilidade de me ‘desencobertar’, de me remodelar e de viver uma vida nova, repleta de aventuras e significados, realezas  e mimos nunca vivenciadas. 

Percebi logo que sai da piscina, e cada passo dado longe dela e do meu apê lá em cima, foi como uma mistura de medo e excitação, grosso modo -, um lembrete constante de que estou desbravando novos rumos, tanto externos quanto internos, porém em busca de um horizonte perdido.’  Talvez, por isso, eu sinta agora um desejo ardente de seguir adiante, de escapar, de deixar para trás tudo o que conheço e embarcar em uma viagem rumo ao desconhecido, ou do  ‘não sei onde.’ Mas afinal eu pulei ou não? 

A rotina, embora segura e familiar, por vezes se transforma em uma jaula invisível que aprisiona as minhas ambições e sonhos mais profundos. Tenho convicção de que fugir não será a mesma coisa como simplesmente deixar um lugar físico onde eu tenho de tudo a tempo e a hora e nele reino como se fosse uma princesa. Aliás, mesmo “pulada”, aqui, agora, eu continuo uma princesa, e, como tal, estou passando por um processo de libertação interna. Somente assim me permito ingressar em novos horizontes e explorar territórios dentro de meu próprio ‘eu’. 

Tenho consciência, o mergulho e a fuga pós saltada do trampolim, ingressei numa viagem que foi além dos limites geográficos e alcancei as profundezas do meu ser alienígena e inexplorado, onde eu acredito piamente encontrarei partes ocultas de minha essência que anseiam como pássaros aprisionados em gaiolas domésticas por alçarem voos em busca de horizontes nunca voados.  Ah, nas estreitas vielas dessa terra desconhecida onde estou neste momento, me flagro nas trilhas sinuosas de uma floresta densa. Certamente logo me depararei caminhando por vielas esquisitas. Não me surpreenderei se dar de cara com o Fantasma e a sua fabulosa Caverna da Caveira. 

Cada passo dado longe da minha casa, do meu apê, está sendo como uma mistura de medo e excitação. Um lembrete constante de que eu deverei estar desbravando novos ‘não sei onde‘, tanto externos quanto internos. A solidão do obscuro traz à tona uma série de emoções intensas. Sinto uma liberdade avassaladora, um prazer quase infantil em explorar e me perder. Digo, de me achar. No entanto, também surgem dúvidas e inseguranças. Será que fiz a coisa certa? Morri? Estou viva? Cada dúvida a bem da verdade, está sendo e é, uma oportunidade de reafirmar a minha decisão de me achar dentro daquilo que não faço a menor ideia do que seja. 

Cada nova paisagem vista agora, cada desconhecido, me tornará uma peça essencial no quebra-cabeça da minha vidinha sem nexo. Na solidão do desconhecido, recolho partes de mim mesma, fragmentos que nunca imaginei existissem, tipo assim, uma força propulsora que só emergirá quando eu estiver longe da minha torre, da minha varanda, enfim, de tudo o que me é familiar. Mas alto lá. Que droga! Não estou? Não pulei? Arregalo os olhos. Amigas, querem saber de uma coisa? Acabei de me lembrar. Preciso parar de sonhar. Farei agora, nesse momento, a viagem de volta, como se retrocedesse em câmera lenta. Retorno, pois, sem mais delongas.  Venho esbaforida, cansada, ofegante.  Regrido de ré, me reembolso de fasto. Se alguém me filmasse...  

De costas, como andando para trás, volto a entrar na piscina e em seguida alço voo até o cimo do trampolim de onde pulei. Que legal! O desconhecido dentro de mim retrocede, quer se insurgir... se amotina, se atumultua, se conflagra.  Qual o quê! Aqui onde me encontro agora, de volta à minha varanda, é o melhor lugar do mundo. Foda-se essa minha mania de menina mulher boba. Vou tomar um banho gelado, preparar meu café e me estapear. Já me belisquei. Fiquei com o braço roxo. Preciso voltar à minha realidade. É ela que me mantém viva. 

Título e Texto: Carina Bratt, da Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro, 19-1-2025 

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