quinta-feira, 23 de janeiro de 2025

[Daqui e Dali] Ser doutor é preciso


Humberto Pinho da Silva

Lamentava-se Tomas More, que quem quisesse ser apreciado no seu tempo teria de ir a Roma, visitar a Itália, para que os contemporâneos o admirassem e lhe dessem valor. Atualmente acontece a mesmíssima necessidade.

Se no tempo de Tomas More era necessário percorrer a Itália, para que a sabedoria fosse reconhecida, no século passado também, os nossos artistas tiveram de ir a Paris para que as obras fossem admiradas.

Atualmente, apesar das nossas universidades serem respeitadas em todo o mundo, o licenciado que se preza deve deslocar-se aos Estados Unidos ou Oxford, para obter diploma de mestrado ou doutoramento, porque, sem esse certificado, será preterido e considerado pouco competente. Certa ocasião, ao discursar em Ponte do Lima, Mário Soares, afirmou: "Ser doutor, em Portugal, é quase o mesmo que possuir título nobiliárquico."

Quem não o for, por mais competente que seja, será sempre considerado habilidoso, seja a profissão que for.

No início do século entrevistei jovem deputado que, pedindo para desligar o gravador, declarou-me: "Vou tentar obter licenciatura, porque só os doutores são respeitados na A. R."

Certa ocasião, em debate realizado na RTP, um interveniente não queria entrar no estúdio, enquanto não o chamassem por doutor, segundo escreveu, João Adelino Faria, jornalista da RTP, em "Dinheiro Vivo", J.N. 14 de abrir de 2012.

Também o Professor Doutor Pedro Barroso tem o mesmo parecer sobre o diploma: "O respeito parece só ser possível com algum cognome, que atribua uma certa legalidade académica."  Metro, 24-abril-2011.

E agora, um parecer que já vem de longe: Diogo Couto, em carta datada de 1602 a El-Rei, esclarece – que na sua época, quem não era fidalgo ou não tivesse um "hábito de Cristo" era marginalizado da sociedade." – Soldado Prático", Prólogo, Ed. Sá da Costa, 1954.

Conclui-se que em Portugal, para se ser respeitado e merecer consideração, tem de se colocar "Dr." antes do nome. Eis a razão por que que quem não o tem, inventa grau académico ou nobiliárquico, desde que seja rico, porque ao pobre, mesmo que seja doutor, ninguém o respeita.

Título e Texto: Humberto Pinho da Silva, janeiro de 2025

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