quinta-feira, 9 de janeiro de 2025

[Daqui e Dali] Por que os brasileiros mudaram de opinião?

Humberto Pinho da Silva

Tinha vinte e poucos anos quando a aldrava da porta da casa paterna soou três rijas pancadas. Era casal com sotaque carioca. Meu pai recebe-os de braços abertos e levou-os para a salinha de visitas.

Espicaçado pelo aguilhão da curiosidade pus-me à escuta, e verifiquei que eram vergônteas de família brasileira. Entrei a medo e cumprimentei respeitosamente.

Ele, elegante e esgrouviado; ela, graciosa e redondinha como uma pucarinha.

Simpatizei com eles, e ainda mais quando me disseram: "Por que não vem ao Brasil? A nossa casa é espaçosa... seria um prazer recebê-lo.”

Decorrido semanas recebi sobrescrito, tarjado de verde e amarelo, com missiva confirmando o convite.

Aceitei e rejubilei. Em fresca manhã de maio parti para o Rio.

O que observei, confesso que não me agradou: nas murmurosas ruas deambulavam humildes trabalhadores, de tronco nu, descalços, de cútis que iam de negro a branco, o que me chocou bastante.

Parti num confortável ônibus para São Paulo. Visitei parentes; de tudo que vi e ouvi, verifiquei que eram amáveis e simpáticos, mas pareceu-me que não morriam de amores pelo meu país.

Li e ouvi que éramos ladrões, porque roubamos o oiro; éramos, quase todos, analfabetos; que chegávamos a Santos de socos e pau às costas, ou de tamancos aéreos portugueses; perguntavam-me, depreciativamente, se tinha pé na cozinha, porque era moreno e de cabelo ondulado; na TV e outros meios de comunicação, o português era alvo de chalaças; afirmaram-me que em tempos remotos exportávamos os bandidos para o Brasil; e verifiquei, com desgosto, que o português tímido que trabalhava no Rio, escondia a nacionalidade, imitando a fala brasileira.

Emigrantes portugueses à espera do embarque para o Brasil, início do século XX. Note-se a grande quantidade de homens e a vigilância policial, sempre presente para ordenar o espaço, e neste caso, também a angústia do abandono da Terra Mãe.
Carla Mary S. Oliveira, Saudades D'Além-Mar: a revista Lusitania e a imigração portuguesa no Rio de Janeiro (1929-1934)


Voaram décadas. No início do século, voltei ao Brasil. A mentalidade demudara-se completamente. Todos desejavam ser portugueses e europeus. Diziam, com inveja mal disfarçada, que estávamos ricos, porque ganhávamos em euros; e que existia em Portugal gente muito culta, e de grande valor…

Que milagre se passara?

Não sei. Saberão, porventura, os brasileiros?

Título e Texto: Humberto Pinho da Silva, dezembro de 2024

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