(…)
A análise das motivações
psicológicas por trás de certas doutrinas ou ideias nunca pode substituir um
juízo racional da validade da doutrina e dos valores que implica, ainda que tal
análise possa conduzir a uma melhor compreensão do verdadeiro sentido de uma
doutrina e, portanto, influenciar o nosso juízo de valor.
Aquilo que a análise
psicológica das doutrinas nos pode mostrar são as motivações subjetivas que
tornam uma pessoa consciente de certos problemas e que levam a procurar
respostas em certas direções.
Qualquer tipo de pensamento,
verdadeiro ou falso, se for mais do que um conformismo superficial com as
ideias convencionais, é motivado pelas necessidades e interesses objetivos da
pessoa que pensa. Acontece que alguns interesses são favorecidos pela
descoberta da verdade, enquanto outros o são pela sua destruição.
Mas, nos dois casos, as
motivações psicológicas são incentivos importantes para chegar a certas
conclusões. Podemos ir mais longe e dizer que as ideias que não se enraízam em
necessidades fortes da personalidade terão pouca influência nas ações e em toda
a vida da pessoa em questão.
Para analisarmos doutrinas
religiosas ou políticas em termos do seu significado psicológico, temos de
distinguir dois problemas. Podemos estudar a estrutura do carácter do indivíduo
que cria uma nova doutrina e tentar compreender que traços da sua personalidade
são responsáveis pela direção particular do seu pensamento.
Em termos concretos, isto
significa, por exemplo, que temos de analisar a estrutura do caráter de Lutero
ou de Calvino para perceber que tendências das suas personalidades os levaram a
certas conclusões e a formular certas doutrinas.
O outro problema é estudar as motivações psicológicas não do criador de uma doutrina, mas do grupo social atraído por essa doutrina. A influência de uma doutrina ou de uma ideia depende de a que ponto apela às necessidades psíquicas da estrutura do caráter daqueles a quem essa doutrina ou ideia se dirige. A ideia só se tornará uma força poderosa da história se responder a fortes necessidades psicológicas de certos grupos sociais.
É claro que os dois problemas
– a psicologia do líder e a dos seus seguidores – estão intimamente
interligados. Se as mesmas ideias os atraem, a sua estrutura de caráter deve
ser semelhante em aspectos importantes. Além de fatores como o talento especial
para pensar e agir por parte do líder, a sua estrutura de caráter exibirá
normalmente, numa forma mais extrema e clara, a estrutura de caráter dos
atraídos pelas suas doutrinas; pode chegar a uma formulação mais clara e mais
explícita de certas ideias para as quais os seus seguidores já estão
psicologicamente preparados.
O facto de a estrutura do
caráter do líder mostrar mais claramente traços que se encontram nos seus
seguidores pode dever-se a um de dois fatores, ou uma combinação de ambos: em
primeiro lugar, a sua posição social é típica para as condições que moldam a
personalidade de todo o grupo; em segundo, graças às circunstâncias acidentais
da sua educação e das suas experiências individuais, estes mesmos traços
desenvolverem-se num grau acentuado, que, para o grupo, resultam da sua posição
social.
Na nossa análise do significado psicológico das doutrinas do protestantismo e do calvinismo, não falamos das personalidades de Lutero e de Calvino, mas da situação psicológica das classes sociais atraídas pelas suas ideias.
Antes de começar a discussão sobre a teologia de Lutero, quero apenas referir
de forma muito breve que Lutero, como pessoa, era um representante típico do
“caráter autoritário”, como será descrito mais à frente. Tendo sido educado por
um pai invulgarmente severo, com pouco amor ou segurança enquanto criança, a
sua personalidade era dilacerada por uma ambivalência constante em relação à
autoridade; odiava-a e revoltava-se contra ela, enquanto ao mesmo tempo, a
admirava e tendia a se lhe submeter.
Durante toda a sua vida, houve
sempre uma autoridade à qual se opunha e outra que admirava – o pai e os seus
superiores no mosteiro da sua juventude; depois, o papa e os príncipes.
Estava saturado de um
sentimento extremo de solidão, impotência, maldade, mas, ao mesmo tempo, de uma
paixão por dominar. Era torturado por dúvidas, como só o pode ser um caráter
compulsivo, e procurava constantemente alguma coisa que lhe desse segurança
interior e o aliviasse da tortura da incerteza.
Odiava os outros, em especial
a “ralé”, odiava-se a si mesmo e à vida; e de todo este ódio vinha um desejo
apaixonado e desesperado de ser amado. Todo o seu ser estava impregnado de
medo, dúvida e isolamento interior, e, a partir desta base pessoal, iria se
tornar o campeão dos grupos sociais que estavam psicologicamente numa posição
muito semelhante.
Parece útil fazer mais uma
observação sobre o método da análise que se seguirá. Qualquer análise
psicológica dos pensamentos de um indivíduo ou de uma ideologia visa compreender
as raízes psicológicas de onde jorram esses pensamentos ou ideias.
A primeira condição pata tal
análise é compreender plenamente o contexto lógico de uma ideia e aquilo que o
seu autor quer conscientemente dizer. Ainda assim, sabemos que uma pessoa,
mesmo que seja subjetivamente sincera, pode ser muitas vezes impelida
inconscientemente por um motivo diferente daquele que crê que a impele; que
pode usar um conceito que implica logicamente um certo sentido e que, para ela,
inconscientemente, significa algo diferente do seu sentido “oficial”.
Além disso, sabemos que pode
tentar harmonizar certas contradições do seu próprio sentimento por intermédio
de uma construção ideológica ou encobrir uma ideia que reprime através de uma
racionalização que exprime exatamente o seu contrário.
A compreensão da operação dos elementos inconscientes nos ensinou a ser céticos
em relação às palavras e não aceita-las por aquilo que aparentam ser.
(…)
Digitação: JP, 30-1-2025
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