quinta-feira, 30 de janeiro de 2025

[Daqui e Dali] Uma opinião sobre os médicos no século XVII

Humberto Pinho da Silva

Tinha pouco mais de quarenta anos, quando assaltou-me tremenda dor de dentes, o que me obrigou a recorrer, com urgência, ao estomatologista.

Tratou-me de imediato, mas depois marcava consultas de quinze em quinze dias, para tratamento que considerava necessário. Só consegui libertar-me quando, após um ano, lhe declarei que tinha de partir para o Brasil, desconhecendo a data de regresso.

O demorado tratamento não passava de limpezas e ligeiras correções. Lembrei-me, então, do que lera na "Arte de Furtar", obra do século XVII, de autor desconhecido, embora se desconfie quem era.

Após asseverar que os portugueses gostam de mimar os médicos quando se encontram enfermos, conta que em França acontece o contrário, pois existe lei que permite não pagar aos médicos do paço, antes de encontrarem a cura, para que apressem o tratamento. A propósito, conta o caso de um, que curava um espinho, a que chamava apostema, cujo tratamento estava demorado.

Tendo de se ausentar, pediu ao filho para continuar aplicando emplastros, até ele chegar.

O filho, ao verificar que havia um espinho encravado, para se mostrar mais destro que o pai, arrancou-o. Cessaram as dores e o enfermo curou-se, com grande contentamento de ambos.

Chegou o progenitor, e envaidecido o filho, contou-lhe a descoberta com inaudita satisfação.

Respondeu-lhe, amargurado, o pai:

"Pois daí comerás, pura besta. Não vias tu, selvagem, que enquanto se queixava das dores continuavam as visitas, e se acrescentavam os pagos? "Secaste o leite à cabra que ordenhaste."

Assim escreveu o escritor anônimo, do século XVII, sobre os médicos do seu tempo.

Julgo que os contemporâneos, já não têm igual pensar…

Título e Texto: Humberto Pinho da Silva, janeiro de 2025 

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