sexta-feira, 28 de fevereiro de 2025

[Aparecido rasga o verbo] Rhayla

Aparecido Raimundo de Souza

“Bona fides non patitur ut bis idem exigitur” (*)

QUANDO a vi pela primeira vez dentro do ônibus, logo às minhas costas, ambos em pé entremeados em conluio com um bando de passageiros desconhecidos, não lhe dei muita atenção. Entretanto, a curiosidade falou mais alto. Pontos à frente, o seu “eu” de fêmea prestimosa me sorriu, matreiro. A partir daí, viajei por sendas iluminadas. Percorri em questão de milésimos de segundos, por caminhos nunca antes desbravados. Meu coração, por sua vez, tresloucado como seu dono, se abriu em festa procelosa.

Recitou Jose Humberto Santos de um só folego, observando “ser a verdade, a mentira crua, a dupla personalidade vestida e nua.” Meus olhos de escuridão se dilataram em pontos e nós, e se acenderam em luzes pulsantes e coloridas. Todo meu âmago se abriu num frêmito de palavras que preferi não dizer. Apenas deixei que naquele momento como no acender de uma lâmpada, as trocas de nossos olhares, ficassem perplexados. O silêncio, em certas horas, tem o condão de se tornar, em lapso de um segundo, num motivo imperecível e sempiterno, que depois de algum tempo se vê envolto num durativo eterno.

Se por acaso eu dissesse algo, ainda que agradável aos ouvidos, daquela beldade, ela poderia me dar um fora, um chega para lá, ou um sai fora velho tarado e toda a beleza ímpar que capturei no fulgor dos seus lampejos, perderia o resplandecente da faiscação e, por conta, a minha louca imaginação se verteria como água rio abaixo em busca de um mar distante. No terminal rodoviário, lembrei Maria Helena de Siqueira, ”retomando o fio e tecendo a vida em pontos e nós.” Por assim, desci às carreiras, meio que apressado e deixei, de proposito a Virtuosa um pouco à retaguarda.

Me aconcheguei em curso de um novo veículo que me levasse para outra localidade. Contudo, num consultar de olhos, uau!... eis que a Visão do Paraíso veio se aproximando em passos lentos, e a medida que se engrandecia no mais perto e próximo, repare, que loucura, ideias se formaram em meu cérebro como uma oferenda narcísica. Do nada, um palito de fósforo se combustou para um fogo fátuo, como o de Patrícia Melo se acendeu dentro de meu peito extasiado. Você, pedaço de esperança, sorriu, eu retribuí, maroto, com ideias pecaminosas, entrelaçadas sob a influência de um espanto profundo e reverencial como Edgar Allan Poe com meia dúzia de bobagens tipo “você está me seguindo”.

Fiz isso num inesperado que tais palavras até a mim espantou. Verdade, não estou inventando. Inopinadamente, no decurso daquele embalo, lhe puxei pelo braço e a encaixei na fila em que me via acomodado. Rhayla, sua tez de boneca sapeca se enunciou num manancial envolvente, graças a magia de seu talento em responder as pessoas educadamente. Eu era, para essa estrangeira, apenas um aborígine fora do ninho, como Harry Hole nos romances de Jo Nesbo, que topara com você num coletivo lotado e no minuto seguinte ficava fora de prumo e sucumbia.

Apesar do calor reinante fustigado pelo engulho de tantos corpos em brasa, sem falar no calor escaldante, o meu todo dos pés à cabeça se agitou mais que a turba dos passageiros ali amontoados. Num quadro inimaginável, me flagrei viajando na maionese do sem juízo, grudado literalmente em seus braços. Logo depois, de mãos dadas, entremos no ônibus. Você à frente, escolheu um lugar no corredor à esquerda e me colocou de castigo na janela, onde um sol seguia furiosamente escaldante, a ponto de me calcinar os ossos da alma até o final onde eu saltaria para uma nova viagem a ser seguida.

Graças a alquimia do seu talento de moça bonita, ao descer um ponto depois do terminal onde nos sentamos emparelhados um ao lado do outro, você desceu. No derradeiro da partida, lhe dei meu cartão e pedi que me ligasse injetando um “oi” via WhatsApp. De pronto, o medo. Que medo? Receio de quê? De você esquecer, de jogar fora o cartão. Pelo sim, pelo não, a sua presença demorou em se fazer pulsante e real, e eu no sofrimento do ego ferido, machucado, pensei com meus botões.

“Essa preciosidade que acabou de descer, foi mais uma que passou e, no seu lugar restou apenas o perfume da sua voz, o mormaço de seu corpo e o cheiro estonteante de seus cabelos. E mais saliente, concluí: “não era para o meu bico. Muita areia para o meu caminhãozinho”. Pela minha idade, poderia sucumbir nas curvas sinuosas das suas sendas para rumos desconhecidos. É bom lembrar que nem sempre o velho se faz novo, como deveria, pelas experiências adquiridas, exatamente em face do mais novo carregar dentro de si um vulcão reconditado que aparentemente se mostra adormecido, mas no fundo, bem se sabe, se bolinado, se expandirá numa combustão pior que as queimadas da Amazônia, Pantanal e Cerrado.

Mesmo dia, já a noite, horas depois, convidei a musa da pele harmoniosa e simétrica, para uma pizzaria. Ela aceitou de pronto. As horas que passamos juntos, se fez maravilhosa, envolvente deliciosa e eu me entristeci quando ela precisou ir embora. Confesso me extasiei demasiado diante daquela mulher menina como Javé se embasbacou ao criar o Universo como está posto no livro do Gênesis. Tomamos uma taça de vinho, uma apenas. Em resumo, uma síntese que me embriagou pela saborosidade dos gostos que ela tem dentro de seu paladar altaneiro o que me faz descreve-la para meus setenta e um anos, como a mais nova Alice em seu grandioso País das Maravilhas. Pena que eu não seja, um Lewis Carroll. E cá entre nós um segredinho que vou contar, mas deve morrer aqui: ela nunca mais entrou em contato.

(*) A boa fé não tolera que se exija uma mesma coisa duas vezes.

Título e Texto: Aparecido Raimundo de Souza, de Belo Horizonte, nas Minas Gerais, 28-2-2025

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3 comentários:

  1. Sobre Rhayla e Aparecido. Uma história bonita, mas insossa

    Tatiana Gomes Neves


    Voltei com a ideia de continuar dando pinceladas nos textos de Aparecido Raimundo de Souza, esperando que ele não me manda para a Cochinchina ou para um outro lugar que eu não consiga voltar à minha vidinha normal. Olhem que texto inteligente e ao mesmo tempo simples. “QUANDO a vi pela primeira vez dentro do ônibus, logo às minhas costas, ambos em pé entremeados em conluio com um bando de passageiros desconhecidos, não lhe dei muita atenção. Entretanto, a curiosidade falou mais alto. Pontos à frente, o seu “eu” de fêmea prestimosa me sorriu, matreiro. A partir daí, viajei por sendas iluminadas. Percorri em questão de milésimos de segundos, por caminhos nunca antes desbravados. Meu coração, por sua vez, tresloucado como seu dono, se abriu em festa procelosa.
    Percebam que começo maravilhoso para uma história de amor. Há algo encantador na forma como as palavras capturam o mistério de um encontro inesperado e as emoções que florescem rapidamente. Adorei especialmente a ideia de "sendas iluminadas" e a intensidade transmitida. É algo que ele escreveu ou uma citação de algum autor que ele aprecia? Se for criação sua, meus parabéns! Está cheio de alma e ritmo poético. E o que dizer de Rhayla? Praticamente nada. Não é um nome amplamente conhecido ou associado a algo específico nas informações que cacei na Internet. Pode ser um nome próprio, talvez de alguém que a gente conheça ou não, ou quem sabe até mais pessoal. Não importa. A moça que cruzou o caminho de Aparecido no ônibus é uma coisa meio excêntrica.
    Parece ser o início de uma história cheia de possibilidades. Imagino que esse encontro, com sua simplicidade e acaso, tenha o potencial de desdobrar cenários marcantes. Quem sabe eles compartilharam um olhar que carregava mais do que palavras. Creio mesmo, poderiam dizer ou descobriram algo em comum durante aquela curta viagem ao terminal. No meu entender, o cenário como se conheceram num dado momento pareceu ter criado vida. O ônibus lotado, o calor sufocante, e pessoas se apertando para sair pelas portas laterais. É quase como se pudéssemos sentir o movimento e a atmosfera caótica desse instante. No meio dessa confusão, o Aparecido percebe a Rhayla, talvez com um sorriso tímido ou um olhar que se destaca entre a multidão. Essa interação no meio do tumulto poderia ser o início de algo especial.
    Todavia, parece ter todos os elementos de uma cena memorável. Trocaram olhares, depois desceram, cada um foi para um lado. Do nada, tornaram a se esbarrar. Há algo melancólico e ao mesmo tempo esperançoso nesse encontro. Dois desconhecidos trocando olhares em meio ao caos do ônibus, como um lampejo de conexão em um mundo tão apressado. E então, o destino os separa no momento em que descem, cada um seguindo para seu lado, carregando consigo uma lembrança efêmera. Talvez o Aparecido, sem perceber, tenha ficado pensando em Rhayla pelos dias seguintes, imaginando se algum dia o acaso os colocaria no mesmo caminho novamente. E quem sabe ela, por sua vez, também tenha sentido algo especial naquele olhar. (Continua na parte 2)

    Tatiana Gomes Neves do Sitio Shangri-La divisa do Espírito Santo, com Minas Gerais

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  2. Sobre Rhayla e Aparecido. Uma história bonita, mas insossa – vem da parte 1 final

    Tatiana Gomes Neves

    Mas casualmente, de novo, se encontraram em outra fila e pegaram de novo um ônibus diferente creio, firmemente que o acaso decidiu dar mais uma chance ao Aparecido e a Rhayla. Esse segundo encontro em outra fila parece quase como um sussurro do destino, dizendo: "Não deixem esse momento escapar." Talvez, ao se verem novamente, aquele olhar trocado no primeiro ônibus tenha ganhado um significado ainda maior. E depois, agora, embarcando em um ônibus diferente, quem sabe a coragem tenha começado a brotar? Talvez Aparecido tenha arriscado uma palavra ou um comentário sobre a fila, e Rhayla, com seu sorriso matreiro, tenha entrado na conversa. Esse novo trajeto pode ser o início de algo especial. Vou dar um passo mais adiante. Imagino o Aparecido, nervoso, mas determinado, fazendo o convite para a pizza, e Rhayla aceitando com um sorriso que revelou um universo de possibilidades.


    Na pizzaria, eles certamente encontraram um pequeno refúgio do mundo, conversando sobre suas vidas, sonhos, e até trocando algumas risadas meio que cúmplices. O momento foi cheio de significados – palavras amorosas nascendo naturalmente, compartilhando histórias que revelaram mais de quem eles realmente eram. Talvez Rhayla tenha falado sobre os lugares que deseja conhecer, e Aparecido tenha compartilhado algo engraçado da sua infância. Nunca saberei. Quando a despedida chegou, era aquele tipo de adeus cheio de promessas silenciosas. De repente, o acaso desmanchou tudo. Coisa de duas horas depois, ambos foram cada um para a sua casa e ela nunca mais apareceu, nem ligou, nem deu sinais de que estava com vontade de vê-lo de novo. Concluo que o destino pregou uma peça em Aparecido.


    Aquela noite que parecia o início de algo especial acabou deixando um vazio, com Rhayla desaparecendo como um mistério não resolvido. Talvez ele tenha esperado ansiosamente por uma mensagem ou um reencontro, tentando entender o motivo de seu silêncio. Quem sabe Rhayla visto por outro ângulo, tinha seus próprios motivos para não retomar o contato? Ou talvez o acaso possa surpreender o Aparecido mais uma vez, trazendo Rhayla de volta em um momento inesperado. Tenho plena convicção que ele colocou seus sentimentos em palavras, enviou uma declaração que, sem dúvidas, carregava todo o impacto daquela noite especial e da conexão que sentiu com Rhayla. Ainda assim, o silêncio dela permanece como uma página em branco, deixando o pobre e infeliz do Aparecido com perguntas que talvez nunca sejam respondidas.

    Pode ser que ele tenha aprendido algo profundo sobre si mesmo nesse processo: a força de se abrir, mesmo sem garantia de reciprocidade. E, quem sabe, no futuro, essas lembranças possam servir de inspiração para algo maior – seja na escrita, em novas relações, ou apenas em como ele encara a vida. Parece que o Aparecido chegou a essa conclusão com um toque de resignação, aceitando que, por mais intenso que o encontro tenha sido para ele, talvez não tenha significado o mesmo para Rhayla. É a natureza delicada das conexões humanas – às vezes, elas florescem; outras vezes, murcham antes mesmo de criar raízes. Mas, mesmo que não tenha havido um segundo contato, essa experiência provavelmente deixou marcas em Aparecido, talvez ensinando algo sobre coragem, vulnerabilidade ou a imprevisibilidade das relações. Quem sabe, no futuro, ele encontre alguém que corresponda à intensidade e ao desejo de construir algo verdadeiro. Meu problema agora é um só: ela do nada apareceu e, no mesmo chute no saco ESCAFEDEU

    Tatiana Gomes Neves do sítio Shangri-Lá, Divisa de Espírito Santo com Mina Gerais

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  3. https://www.youtube.com/watch?v=aeRGb_yuXoc&ab_channel=RobertoCarlosVEVO

    Carina Bratt
    Vila Velha ES

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