terça-feira, 18 de fevereiro de 2025

[Aparecido rasga o verbo] Tudo por causa de uma bunda difícil de ser localizada

Aparecido Raimundo de Souza

O CORONEL ELOIBISO XIMANGO queria chegar à cidade da Bunda. Procurou daqui, dali, acolá e “acucá” e nada. Foi na Internet, escreveu a Bunda nas janelinhas das buscas, e, em todos os lugares possíveis e imagináveis e, sequer atinou com a desgranhenta. Estava na iminência de desistir, quando, lembrou de passar pela birosca do Lineu Tarado. Lineu Tarado, certamente teria a chave que abriria a porta do paraíso por ele com tanto esmero procurada. Em conversa com o dito, ele lhe indicou o velho Zé Pupunha, um oitentão que sabia de tudo, entendia das coisas e, claro, quando não, dispunha dos meios suficientes e necessários para atinar com o que necessitava, apelava para seus conhecimentos adquiridos pela passagem dos anos vividos. O tal do Zé Pupunha morava distante, num sitio conhecido pelas redondezas como “Greta da Velha Sebastiana.”

Assim foi. Coronel Eloibiso Ximango se pôs a caminho. Viajou mais uma hora, até que depois de muita busca deu de cara com o longevo que resolveria seus problemas de uma vez por todas. Achou o cabra no local indicado pelo Lineu Tarado. Esse lugarejo se fazia enfurnado numa comunidade esquecida no meio de um vale cheio de montanhas que nem nome tinha. O sítio do Zé Pupunha se arrastava quieto em sua insignificância bucólica, às margens de um rio imenso que circundava o local, como uma enorme serpente em repouso. Assim que apertou a mão do procurado, o Coronel Eloibiso Ximango se sentiu aliviado. Estava certo (e disso não tinha a menor dúvida), aquele sujeito de barba por fazer, todo maltrapilhado, a cabeça escondida com a careca num boné ensebado lhe daria as coordenadas exatas da sua tão sonhada Bunda.

Bunda, por sua vez, se anunciava tão carecida de ser descoberta pelo coronel, que ninguém entenderia a sua pressa em chegar a ela o mais rápido possível. Depois dos cumprimentos de praxe, o coronel Eloibiso, antes de assuntar os motivos da sua presença, retornou para a vendinha do Lineu Tarado. Mais uma hora de viagem, agora em regressão. Adentrou apressado na única rua que cortava a cidade onde estivera horas antes. A rua se fazia longa e de terra batida. Começava na pracinha perto da estação da linha do trem e sumia até uns cinco quilômetros à frente, quando interrompia a sua sequência por se ver emparedada numa montanha fabulosa que, de tão alta, dava a impressão de se chegar às portas do céu. O Coronel ofereceu uma cerveja ao seu futuro salvador. E também uma porção de filé com fritas.

O taberneiro Lineu Tarado, logo que os viu chegar, veio estugado, com dois copos e uma garrafa de cerveja gelada, acondicionados numa bandeja de madeira pura e, depois de abri-la, fez uma mesura perguntando se os “prezados cavalheiros” iriam querer além do filé com fritas, alguma outra guloseima do seu farto cardápio. A resposta igualmente ciscou veloz e apressada, tanto quanto ou até mais aligeirada que a vontade do coronel em saber da sua Bunda e a ela se achegar o mais velozmente possível. Cerveja bebida, filé com fritas devorado, o coronel se apressou a dar ares da sua impaciência, traduzida na vontade louca de partir logo para os abraços da sua Bunda.
— E então, meu caro senhor, em que lhe posso ser útil?
— Seu Zé Pupunha, vou ser direto e reto: sabe onde fica a Bunda?

— Sei, claro. Quem por aqui não sabe?
— E onde é?
— Estamos sentados nela...
O coronel quase pulou no pescoço do engraçadinho e, por pouco não lhe partiu para cima, com uns bons tabefes:
— Imbecil, faço referência à cidade...
— Ah, mil perdões. Não foi minha intenção...
Em resposta, o coronel interrompeu o humilde, com um grito estridente:
— OK, seu Zé Pupunha. Que tal fato não se repita. Diga ai, onde fica a merda da Bunda?
— Um bocadinho longe. Como o senhor está num carro possante...

— Sim. Fui até a sua beira por indicação do Lineu Tarado...
— Pois bem! O senhor roda cinco quilômetros, até a entrada aqui da próxima cidade. Depois do desvio do meu sítio, o senhor pega um outro entroncamento mais à frente, só que indo para lá...
— Pará lá, onde, infeliz?
— De onde o senhor ainda não passou...
— Seja mais claro...
— Então. Ao invés de voltar para São Paulo, siga em frente... um quilômetro adiante –, repetindo –, depois da entrada do meu sítio, o senhor vai ver uma outra via de chão batido. Mas calma lá. A cidadezinha fica uns sessenta quilômetros depois de “Deixa Aqui que Eu Como...”
O coronel fechou a cara. Perdeu a esportiva. Saltou da cadeira, agarrou o infeliz pelo pescoço. Derrubou a garrafa de cerveja que se espatifou no chão.

Aturdido, os olhos vermelhos de raiva, gritou:
— Repita, safado. Deixa aqui que eu como? Tá me tirando?
O velhote, espantadíssimo:
— Não senhor...
— Deixa aqui que eu como é?
— Senhor, é o nome da cidade...
— Você está me sacanenado?
— Não senhor. É, de fato, o nome do pequeno arraial. “Deixa Aqui que Eu Como...”

Como o coronel não soltava o infeliz, os demais que estavam na birosca e ouviam a diálogo, entraram no meio e acalmaram os ânimos:
— Calma, cavalheiro – disse um dos presentes. Ele está falando sério. Realmente é o nome do vilarinho. Se prostra encravado cinquenta quilômetros depois da divisa para “Seu Grande Corno Manso”... e “Piru de Macho Pronto para Assoprar””

O coronel zangou de vez. Alteradíssimo, rodopiou de lado, puxou de um enorme trabuco que trazia na cintura, sobre a camisa e atirou. Primeiramente disparou para o alto, tentando, dessa forma, impor respeito e fazer valer a sua honrada figura séria e austera. Tal gesto, redundou numa tremenda debandada, com gente derrubando mesas e atropelando cadeiras e outros mais afoitos, saindo em mergulhos inopinados pelas janelas. Não ficou ninguém dentro da vendinha. Chegou, por coincidência, uma viatura da polícia militar. Quatro parrudos policiais desceram e partiram para cima do coronel. O coronel, ainda aturdido, não se deixou ser levado. Deu carteirada e só não foi algemado e preso porque, de fato, era coronel. E da ativa. O Tenente Alípio, que comandava a patrulha, depois de acalmado os ânimos à flor da pele, tentou dialogar com a figura do descabeçado:

— Então, meu amigo o senhor quer ir para onde?
— Pra porra da Bunda...
— Perfeito. E por qual motivo o senhor se alterou tanto?
— Esses caras – apontou os frequentadores do barzinho que espiavam, em segurança, de longe – resolveram tirar sarro da minha cara...
— Como assim, coronel?
— Disseram que eu precisava seguir para lá, não de onde eu vim, ou seja, viajei de São Paulo e parei aqui. De sacanagem me mandaram cruzar por “Deixa Aqui Que Eu Como...” depois “Seu Grande Corno Manso” e “Piru Pronto Pra Assoprar...”
— De fato. Eles estão certos. É o nome dos três patrimônios vizinhos...

— Fala sério, tenente?
— Tenho cara de brincar em serviço, coronel? Depois de atravessar a “Deixa Aqui Que Eu Como,” o senhor atingirá à “Seu Grande Corno Manso” e, em seguida, percorrerá na deliciosa e afrodisíaca “Pica No Seu Cu.” Dois quilômetros à frente, dará de nariz com a afrodisíaca “Chupa Que Eu Gozo” e, finalmente, a sua Bunda encantadora, será vista em toda a sua formosura do lado direito... perdão, do lado esquerdo...
— A minha Bunda será vista do lado direito?
— Perfeito, senhor. Não, ratificando. Me perdoa... do lado esquerdo...
O coronel mais encapetado tentou inopinadamente mergulhar de maneira fulminante no cachaço do fardado. Todavia, foi contido pelos armários embutidos –, relembrando –, os colegas da guarnição que estavam ao lado dele na viatura.

Refeita a ordem e restabelecida a paz, o coronel pagou as despesas, assumiu os prejuízos causados, e, em sequência, entrou em seu carro. Ao passar pela tabuleta que indicava a entrada da saída, coisa de meio quilômetro depois de onde estava, deu de cara com o Zé Pupunha voltando a pé. A criatura lhe acenou em agradecimento pela cerveja e pelo filé com fritas. O coronel freou seu possante e novamente agradeceu. Zé Pupunha novamente se fez gentil:
— Vá devagar, seu coronel. Tome cuidado – disse o velhustro em palavras meia boca, ao tempo em que acenava com a mão...
— Depois de passar por “Chupa Que eu Gozo,” completou, tem uma ponte perigosa numa curva fechada sobre o córrego “Coronel Veado do Pinto Murcho.” Já imaginou o senhor se acidentar justo na cabeça do “Pinto Murcho do Coronel”? Eloibiso Ximango emputeceu. Desceu falando alto e lançando ofensas verbais cabeludas, e pior, fazendo uso de um cassetete que sempre carregava consigo. Cego pelo ódio, partiu sem dó nem piedade para os costados carcomidos do ancião. Nem é preciso dizer que o Zé Pupunha – coitado – pelo aviso inocente que dera, veio, infelizmente, à óbito.

Título e Texto: Aparecido Raimundo de Souza, da Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro, 18-2-2025

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