terça-feira, 25 de fevereiro de 2025

[Aparecido rasga o verbo] O laranja

Aparecido Raimundo de Souza

O CHICO BEIÇOLA estava pê da vida. De vinte em vinte minutos, às vezes de quarenta em quarenta, seu telefone celular se esgoelava. Ligações praticamente uma atras das outras, todas vindas por conta das Casas Bahia cobrando uma televisão que ele cedera o nome para a sua ex-companheira, a Maristela Fumbicosa. Ela havia comprado o aparelho em doze vezes. Pagara três de uma série de dez e as demais caíram em esquecimento. Não por esquecimento, falta de grana mesmo. Chico Beiçola aguentou até onde deu, depois resolveu desligar o telefone. Sabia, entretanto, que essa solução não era a das melhores.

Dono (entre aspas) de duas empresas, ele, em verdade, não “apitava” nada. Não passava de um mero laranja. E por conta de tal profissão, lacaio caneteiro assinador de papeis e, de lambuja, “abridor” de contas bancárias. Aliás, um “laranjasso” para nenhum filho da mãe botar defeito. Emprestara seu nome a um parente esperto. Esse parente se ajeitou na vida. Ficou rico, comprou carro do ano, apê cobertura de frente para o mar, repaginou a carcaça de sua mulher, uma jabiraca mais velha que ele uns bons anos, lhe deu um bom banho de “esticamento” das muxibas, botou peito, bunda, e, de lambuja, pregas novas no olho do cu. Enfim, o parente espertalhão deixou a sua sirigaita elegantemente bonita e nos trinques para os olhares masculinos alheios não terem do que reclamar na hora de levarem a beldade para a horizontal.

A baranga, da noite para o dia, virou madame de vitrine. Passou a desfilar de carro último tipo, além de ter comprado casa para o filho drogado, um apê para a filha que passou na polícia civil, mas nunca foi chamada para assumir o cargo. A bruaca, em paralelo, aumentou a conta bancaria e, desde então, garrou a “peidar cheiroso” em banheiros de fino trato, onde a bacia da privada se auto limpava automaticamente sem esforço de ser preciso acionar botões e sujar os dedos de bosta.

Pois bem! Chico Beiçola até o pescoço com os telefonemas por conta da televisão, achou por oportuno desligar o aparelho. Assim, as Casas Bahia que fossem ligar para o Mula ou para a galinha que ele roubou de um galinheiro lá das bandas de União da Vitória, no Sul do Paraná. Entretanto, um desditoso impertinente evoluiu para a vida. Um transtorno encaiporado sentou praça. Se Chico Beiçola desligasse o telefone, e o mantivesse fora de uso, a qualquer momento que a galera do escritório virtual que cuidava das falcatruas do laranja, acaso precisasse dele para assinar alguns papeis ou atender um oficial de justiça (havia um bocado em sua cola) e por azar não o achasse, a coisa toda se complicaria.

Sem saída, mal tendo tempo para respirar, os telefonemas das Casas Bahia seguiriam a todo vapor. Se tornaram insistentes, pior que puta de zona quando quer dar o rabo e não arranja freguês para lhe tirar a fervura das partes “fodetórias.” O que deixava o Chico mais enfezado: ao atender os telefonemas, não se ouvia pessoas comuns falando. Pintava um robô no circuito e recitava um mantra previamente gravado:
— Oi, aqui é o Pernilongo. Eu queria falar com seu Chico. É o senhor?

Quando não o Pernilongo atacando, aparecia um outro:
— Olá, aqui é o Maguilo, das Casas Bahia, ou aqui é a Boquinha Doce das Casas Bahia. Eu...
Ao dia, uns setenta telefonemas. O fato é que os insistentes cobradores virtuais encheram tanto o saco do Chico que ele resolveu enfiar literalmente a viola no saco. Não atendeu mais. Que viessem as operadoras 21, 41, 33, 19, 14, das Casas Bahia, ou de qualquer outra merda. Um mês, dois, cinco, chegou um momento em que o cara perdeu, de vez a paciência, o bom senso, a esportiva a compostura e partiu para o ataque.

Foi até o parente que o colocara como laranja e mandou a ordem:
— Rogerão, seu veado de meia tigela. Vim lhe dar um recado. Ou você tira essas duas empresas fantasmas do meu nome, ou comerei viva a sua figura nojenta e descarada. Lembra que você mora num prédio bonito, com vista maravilhosa para o mar. Eu pintarei aqui e jogarei seu lindo corpinho de filho de uma égua usando a sua própria varanda.
O parente riu de se escangalhar. Não acreditou.

Para se fazer ainda mais poderoso e senhor da situação, o sujeito debochou, jogou piada, falou poucas e boas e botou o seu “laranja” para fora do apartamento. Uma semana depois, quando saia para ir correr no calçadão da praia, ao abrir a porta da garagem, dois assaltantes encurralaram o lazarento. Rogerão tentou levar a dupla no papo furado. Conversa daqui, cisca dali, tenta um acordo, não teve conversa. Um dos meliantes puxou de um trabuco desse tamanho e mandou uma saraivada de azeitonas nos costados do metidinho a malandro. Não morreu, o pestilento, por pura sorte. Vaso ruim...

Em toada seguinte (visto pelas câmeras), foi socorrido pelo porteiro e pelo síndico e logicamente pela vaca que morava com ele. Refeito, semanas depois do susto e da morte, Rogerão chamou seu “laranja” e pediu que ele assinasse toda a papelada de transferência para a mudança de nome das empresas para outro abestalhado. O escolhido, foi igualmente um parente, ou seja, o “André do Bico-Cheirador”. As empresas foram parar em seu nome. O “André do Bico-Cheirador” num abrir e piscar de olhos, virou empresário. Obviamente continua cheirando seus pinos de coca e fumando seus cigarrinhos do capeta.

Agora vamos ver como ele, o novo “laranja,” e “cheirador”, fumará as empresas do Rogerão. Graças a Deus, o Rogerão não atinou em encurralar seu antigo laranja, pensando tivesse sido ele o mentor intelectual do assalto. Não foi. Os dois pilantras, enfim presos dias depois, confessaram que iam passando em frente ao prédio e ao verem um “boca aberta com cara de mané” saindo do prédio, o pegaram por acaso. Graças à Deus! De laranja o Chico Beiçola se livrou, mas se os caras não fossem, de verdade, vagabundos de carteirinha e sindicato, o Chico Beiçola, a esta altura, teria que descascar um tremendo de um abacaxi. E ainda por cima, azedo.

Título e Texto: Aparecido Raimundo de Souza, de Ituiutaba, nas Minas Gerais, 25-2-2025

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