Humberto Pinho da Silva
Nasci durante a segunda
Grande Guerra. Nesse recuado tempo, escasseavam alimentos e dinheiro.
Só os meninos da
classe-média e rica estudavam, e nem todos. Os filhos de operários e
trabalhadores agrícolas começavam a obrar muito cedo. Muitos consideravam ser
inútil estudar, roubavam braços para equilibrar o orçamento familiar.
Havia muito respeito aos
pais e professores. Melhor diria: muito medo. A mãe, à mais leve falta,
ralhava, e bom era se não vinha bofetada e chinelada; e bico calado, porque se
o pai soubesse pior era ainda.
Na escola, a professora
batia se não se soubesse a tabuada na ponta da língua, ou se houvesse erro no
ditado; e não eram palmadas, mas com a palmatória ou régua, já que a primeira
era proibida na sala de aula.Foto: Robert Doisneau
A cana comprida e nodosa trabalhava tanto no quadro negro, como na cabeça e orelhas dos petizes.
No liceu não se batia, mas
reprovava-se sem dó. Não havia aulas de recuperação. Quem não fosse capaz,
dizia-se "É melhor ires trabalhar!..."
Muitos apareciam na escola
primária descalços. Alguns por necessidade; outros, por hábito. Considerava-se
"luxo" disponível....
Apenas os filhos dos
abastados iam para a escola de carro. A maioria ia a pé ou de transporte
público.
Na minha adolescência não
havia TV, escadas rolantes, computadores nem telemóveis. E os gravadores que
existiam eram de bobine. Nessa época, eu desconhecia o iogurte, embora já
existisse.
Não se podia falar de política, nem chegar a casa depois da meia-noite; isso para rapazes, porque meninas, nem isso.
Era a geração do parece
mal. Tudo parecia mal, menos o "mestre" bater nos aprendizes...
A geração desenrasca foi
para a guerra. Não se discute se era justa ou não, mas levou vidas e deixou
marcas que nunca foram reparadas.
Com a Revolução dos Cravos
chegou a liberdade para uns, e a prisão para outros; mas transformou
mentalidades e abriu horizontes... Com ela, nasceu a geração rasca ou à rasca.
Geração supra protegida,
que discute com os progenitores e professores, tem boas mesadas; frequenta
discotecas, impõe vontades, e não sabe sofrer porque nunca sofreu.
Estudou de graça ou quase,
depara facilidades, até ao momento em que necessita de enfrentar a vida: casar
e formar família.
Geração que vive, em
regra, no lar paterno, casa tarde, tem poucos filhos e espera auxílio familiar
e estatal.
Uns, refugiam-se no
estudo, por não terem trabalho; outro, porque querem emprego, mas não trabalho.
Reconheço que a geração
rasca ou à rasca, não deve ser condenada. Pelo contrário. Os culpados foram os
que não a souberam educar, e a mimaram demasiadamente. Somos todos culpados,
porque, na melhor das intenções, quisemos dar-lhes um futuro melhor, e agora
todos sofremos por os ver: sem futuro, sem esperanças, sem ambições, sem
saberem para que lhes serviu tantos anos de estudo.
Título e Texto: Humberto Pinho da Silva, fevereiro de 2025
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