quinta-feira, 27 de fevereiro de 2025

[Daqui e Dali] Descer à Capital

Humberto Pinho da Silva

Certa ocasião fui convidado por casal amigo para almoçar. Ele, ocupava cargo de relevo numa empresa pública, ela, era professora.

Durante o repasto a conversa descambou para a política, e como lhes dissesse que não era apolítico, e nunca militara num partido, nem movimento, ela me disse:

"Tudo que se escreve ou se diz é política. Atitude ou opinião que se exprime, mesmo que se pense que nada tem com política, já o é."

Como a prosa continuasse abordando as características do bom político a mulher acrescentou:

"Muitos que se filiam num partido têm pouca ideologia afim, mas desejam ocupar cargo importante – o que é humano – se não se milita num nunca será chamado para nada..."

Nisso foi interrompida pelo marido:

"Não basta ser militante, é preciso ter talento. Ser bom profissional... Mas é verdade que só são escolhidos os que se conhece. Ilustre desconhecido, que permanece no remanso de sua casa, por mais competente que seja, nunca será chamado para nada, porque ninguém o conhece.

Lembrei-me, então, de meu pai, que se carteava com nomes sonantes da literatura lisboeta. Estes, várias vezes diziam-lhe: "Desça à Capital, escrevendo em matutino do Norte, será sempre um provinciano."

Resolveu bater à porta de velho amigo de infância, pessoa de peso na vida política. Este respondeu-lhe que era amigo de editores e jornalistas da Capital, e com gosto o apresentaria a alguns.

Porém, esclareceu: "Prometes-me que não vais escrever artigos que cheirem a sacristia, nem crônicas piegas e moralistas; trata temas sociais de combate; tens um estilo peculiar, que ronda a poesia, não o altere, porque é muito apreciado."

Meu pai, segundo me disse, agradeceu a gentileza, mas preferia ser provinciano a "descer" à Capital. Como católico não escreveria artigos que a consciência reprovasse.

Era homem que preferia defender seus princípios à glória da Capital.

Título e Texto: Humberto Pinho da Silva, fevereiro de 2025

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