sexta-feira, 14 de fevereiro de 2025

[Aparecido rasga o verbo] Não importam os meios. A propaganda é a alma do negócio

Aparecido Raimundo de Souza

O ZÉ CATINGA FEDORENTO, fazia anos, era gerente de uma loja de roupas íntimas para moças de fino trato na Vinte e Cinco de Março, bem no coração de São Paulo. Apesar da grande movimentação, que acorria pelas demais ruas adjacentes a esse famoso bairro da capital, aliás, um centro que dia após dia mais se assemelhava a um formigueiro humano, a loja dele, a “Xikipirikita-Nota Mil” não estava dando o retorno esperado. Vez em quando, entrava uma cliente, meia hora depois outra e a coisa não fluía a contento dos seus funcionários e proprietários.

Do outro lado da calçada, em frente, não parava de entrar e sair pessoas. A “Xikipirikita-Nota Mil” como chamarisco, tinha cinco manequins de tirar o fôlego paradas na enorme porta. Beldades vestidas rigorosamente com calcinhas e sutiãs enterrados naquelas partes mais íntimas que deixavam as modelos e seus tugúrios com tudo o que deveria estar recatado à visitação de olhares pecaminosamente atentos, encantavam. Sexta-feira, como sempre, ruas lotadas, pintou, do nada, um bêbado com uma garrafa de cachaça nas mãos. Sem tirar, nem destirar, uma figura assobrerjética e camaliosa, que mal conseguia se sustentar em pé.

Ao dar de cara com aquelas belezocas praticamente como vieram ao mundo, o sujeito completamente pra lá de Bagdá, não esperou um minuto sequer. Perder tempo, seria o fim da picada. Inopinadamente movido por indizível prazer e imensurável alegria, grudou numa loirinha dos cabelos esvoaçantes, agarrando-a pela frente. Em contínuo, abaixou a bermuda e a cueca, deixando, à mostra, uma salsicha fina e comprida em ponto de bala. Numa encenação teatral grotesca, iniciou uma dança sexual, como se estivesse fazendo amor com a princesa. Na verdade, na cabeça dele, movido pelos vapores do álcool, realmente tal fato se fazia verídico e a ferramenta não perdeu o rumo. Mandou vê.

Sem largar a garrafa, ele empurrava a arma de artilharia na porta do Éden da modelo e, com a outra, o despudorado esfregava a garrafa no traseiro da pobre infeliz. Num piscar de olhos, a Vinte e Cinco de Março, em peso, se transformou num frenesi incontrolável, com gente querendo entrar para adquirir uma daquelas peças em exposição. Uma passante arretada, em meio a balburdia, resolveu gritar:
— Vou ficar vestida assim pro meu gato. Hoje tem...!
Uma outra, logo emendou:
— A noite, tirarei o atraso. O Pingolim do meu marido que me aguarde...

Uma desajuizada não deixou por menos: berrou:
— Se meu macho depois da novela resolver ir dormir e roncar, volto aqui e carrego esse bêbado com garrafa e tudo pra minha cama...
Em questão de minutos, toda a via pública estancou os sapatos. Num piscar de olhos, a região da Vinte e Cinco de Março saiu da rotina, desde o Mercado Municipal até a estação de metrô São Bento, na Praça da Sé. A turba, levada pela excitação do bêbado, resolveu adentrar na sofisticada loja das lingeries fazendo com que aquele pedaço até então calmo e tranquilo, virasse um inferno. Dito e feito.

Tinha gente entrando e saindo, outras comprando, enquanto uma galera, no interior do suntuoso comércio tentava salvar alguma coisa antes que o estoque acabasse. Logicamente os varejistas “vis-à-vis” e os inquilinos emparedados, tanto de um lado, como de outro enfezaram os ânimos. Fecharam os rostos, fizeram caras feias e de poucos amigos. Alguém teve a infeliz ideia de acionar a polícia. Enquanto isso, o bêbado, alheio a tudo, seguia encenando a suposta trepada (entre aspas) friccionado o seu “parafuso na porca,” ao vivo e a cores.

No mesmo embalo, enquanto com uma das mãos, o afogueado bolinava tresloucadamente nos seios da garota, e, igualmente com a outra, massageava nos cafundós da inimitável fustigando-a pelos fundilhos da bunda, desajeitadamente introduzia a garrafa em seu traseiro, pouco se importando com o furdunço que comia à solta aos seus atos libidinosos. Quando os militares se fizeram maciços no contexto do bafafá, o bebum se viu algemado e detido. Precisou seis soldados para que, em uso da força, o fizessem largar da performance da modelo, tal como a águia pela sua cria e o acomodassem na proteção do cofre de um dos veículos que mantinha o giroflex e os faróis sinalizando a situação de emergência.

Nessa hora, podia se notar claramente em meio as roupas do pinguço, ou melhor, à altura das suas genitálias, que o desgraçado, realmente, apesar de felicitado pelo excesso do líquido ingerido, havia alcançado o clímax e a impetuosidade do gozo supremo. Minutos depois, acompanhando o bêbado, o gerente Zé Catinga Fedorento, a mando dos patrões, entrou em seu carro com a boneca molestada à tiracolo, e seguiu na cola dos fardados até a delegacia mais próxima para prestar esclarecimentos e dizer a autoridade que aquele evento não fora ele, tampouco seus empregadores que armaram a presepada para venderem mais e derrubarem os concorrentes.

Na delegacia, jogaram o “biriteiro” numa cela, para que voltasse à sua condição normal e desse a sua versão da história. Nesse passo, o delegado passou a ouvir algumas testemunhas trazidas pelos militares. A maioria, moças jovens, outras até na esteira dos quarenta e cinco, todas, sem exceção, portando sacolas com biquínis, sutiãs, modeladores, tanguinhas e fios-dentais, para que seus depoimentos fossem colhidos. Feito isso, se fez a hora do gerente abrir o bico e dar a sua versão.

O delegado, antes de iniciar a sua litania, mandou a pergunta chave, para acabar logo com toda aquela bagunça:
— Cidadão, seu nome completo...
O gerente:
— José Catinga Fedorento.
O delegado:
— Fedorento ou Fedorenta?
O gerente:
— Fedorento, senhor, com “o”.
Delegado:
— Cadê a modelo?

O gerente, meio assustado:
— No meu carro, doutor...
O delegado, abespinhado:
— Pois vá busca-la. Preciso ouvir a sua versão dos fatos. Ande, traga-a até mim...

O gerente pediu licença e saiu trocando as pernas em direção ao seu veículo. Voltou cinco minutos depois com uma linda moça, aí na faixa dos dezoito, os braços enleados em seu pescoço, o rosto perfeito, a boca bem torneada, os olhos claros... lembravam o brilho mavioso de dois cristais. Na verdade, uma deusa deslumbrante, uma boneca coberta apenas com um biquíni fio dental e um sutiã que deixava seus seios e parte da intimidade, quase aos melindres dos desguardados.

O delegado pulou da cadeira estabanadamente. Derrubou, nesse ato meio que abrupto, a xícara do café que tomava. O escrivão se queimou com o cigarro ao retirar os óculos para assuntar melhor aquela coisa rara. Os demais que estavam perto, inclusive os policiais que acudiram ao caso, da mesma forma, arregalaram os olhos, incrédulos, intrigados, envergonhados e boquiabertos, por conta do que estavam vendo, ao vivo e a cores, obviamente extasiados e paralisados diante daquele corpinho magnamente escultural. O delegado, furioso, o semblante esbugalhado, por ter entornado o café quente em sua calça (justo naquele lugar) e nos papeis sobre a mesa, se extasiou num esgadanhar “brado-bradal-ruidoso” que certamente pode ser ouvido a quilômetros dos cornos da chefatura:

— Seu José Catingoso, desgraçado, imbecil, idiota, sem vergonha, que falta de respeito: por qual motivo está carregando a senhorita no colo? Ponha a no chão para que ande por sua conta e risco. E alguém me traga uma vestimenta decente para cobrir o constrangimento dessa criança...
— Doutor, me perdoa. Essa aqui foi a manequim modelo molestada e atacada pelo bêbado...
Tamanho e imexível se fez o delírio e a alacridade reinantes naquele recinto, que até aquele momento, ninguém percebera o improvável. A tal modelo manequim de fechar o comércio, a invejada por todos os homens, a que fora “abusada,’ pelo coitado do mané dipsômano, não passava de uma peça toda trabalhada em poliuretano.

Título e Texto: Aparecido Raimundo de Souza, da Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro, 14-2-2025

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