Gazeta do
Povo
Depois
dos previsíveis votos de Alexandre de Moraes e de Flávio Dino,
surgiu uma bem-vinda voz discordante: a de Luiz Fux, que apresentou um voto histórico nesta quarta-feira (10), quarto dia do julgamento do chamado núcleo 1 da suposta
tentativa de golpe de Estado, e que tem como principal réu o
ex-presidente Jair Bolsonaro. Foto: Rosinei Coutinho/STF
Com clareza e rigor técnico impecável, Fux expôs um voto que se distingue pela defesa intransigente do devido processo legal – uma verdadeira lufada de bom senso em uma corte que, lamentavelmente, tem se afastado cada vez mais da Justiça para abraçar o justiçamento. Sua postura, ao defender a anulação da ação penal desde a origem, recoloca no centro do debate a necessidade de que a Justiça se mantenha fiel à lei – uma obviedade que, no Brasil, deixou de sê-lo.
Outra
advertência valiosa de Fux foi o lembrete de que o julgador deve ter 'humildade
para absolver quando houver dúvida' – um princípio que ecoa como hino à
presunção de inocência e à prudência judiciária, ambos relegados nos processos
relativos ao 8 de janeiro
O argumento de Fux é incontornável. O Supremo Tribunal Federal não tinha competência para conduzir o processo, já que os denunciados não detinham mais prerrogativa de foro. “Concluo assim pela incompetência absoluta para julgamento deste processo, na medida que os denunciados já haviam perdido seus cargos”, afirmou o ministro, lembrando que a mudança de entendimento do STF sobre a matéria, posterior aos fatos apontados pela PGR, contaminou todo o andamento da ação penal e impôs, na avaliação de Fux, a “declaração de nulidade de todos os atos decisórios praticados”.
Não menos
relevante foi a crítica à atribuição da Primeira Turma para julgar um
ex-presidente. Fux observou que “ao rebaixar a competência originária do
Plenário para uma das duas Turmas, estaríamos silenciando as vozes de ministros
que poderiam exteriorizar sua forma de pensar sobre os fatos a serem julgados
nesta ação penal”. É uma observação pertinente: em um caso de tal envergadura,
caberia ao Plenário – órgão maior da corte – pronunciar-se, e não a uma de suas
turmas.
A
preocupação com o cerceamento de defesa constitui outro alicerce do voto de
Fux. O ministro acolheu a preliminar sobre o que chamou de “tsunami de dados” –
mais de 70 terabytes de provas reunidas pela Polícia Federal – e o
tempo exíguo concedido à defesa para analisá-los. Tal volume de informações,
sem a devida identificação prévia, configurou, segundo ele, uma “violação à
garantia constitucional do contraditório e da ampla defesa”, além de mencionar
várias vezes a falta de individualização de condutas dos réus.
Na
análise das imputações penais, Fux demonstrou total rigor técnico. Rejeitou a
acusação de organização criminosa, pela ausência de estabilidade e permanência;
afastou o agravante do uso de armas de fogo, pela falta de comprovação nos
autos; e descartou a responsabilidade dos réus pelos danos de 8 de janeiro, dada a
inexistência de provas de que tivessem instigado ou ordenado tais atos.
Com igual
firmeza, o ministro questionou a própria tese de golpe de Estado, reafirmando o
óbvio: só há golpe de Estado com emprego da força armada. Para Fux, a
mobilização popular desarmada, os acampamentos diante de quartéis e as
declarações de inconformismo com o resultado eleitoral jamais poderiam ser
confundidos com uma tentativa golpista – do mesmo modo que questionamentos ao
processo eleitoral não configuram crime contra a ordem constitucional.
O
ministro lembrou, ademais, de mobilizações violentas, como as jornadas de junho
de 2015, marcadas por vandalismo, confrontos, destruição de prédios públicos e
agressões a policiais perpetradas pelos Black Blocs. Esse movimento tinha,
inclusive, um manual de táticas de guerrilha para a derrubada do capitalismo e
defendia abertamente a destituição do então presidente Michel Temer. Ainda
assim, nunca se cogitou qualificá-lo como tentativa de golpe de Estado. Fux
também destacou que o direito penal não se ocupa de pensamentos nem de
preparativos iniciais, mas exige ao menos o início da execução de um crime para
que alguém possa ser responsabilizado.
Sua
advertência sobre a imparcialidade judicial foi igualmente oportuna. “O juiz
deve acompanhar a ação penal com distanciamento, não apenas por não dispor de
competência investigativa ou acusatória, mas também por seu necessário dever de
imparcialidade”, afirmou, numa crítica velada ao relator Alexandre de Moraes,
que com frequência assume simultaneamente os papéis de vítima, acusador e juiz.
A função do magistrado, frisou Fux, não é acusar, mas resguardar as garantias
constitucionais. Outra advertência valiosa de Fux foi o lembrete de que o
julgador deve ter “humildade para absolver quando houver dúvida” – um princípio
que ecoa como hino à presunção de inocência e à prudência judiciária, ambos
relegados nos processos relativos ao 8 de janeiro.
Ainda que
seja difícil avaliar, neste momento, o alcance prático do voto de Fux, é certo
que se trata de um documento histórico. Como já provaram os show
trials das ditaduras, as anomalias e arbitrariedades jurídicas,
dependem da unanimidade institucional para continuarem existindo. Com seu voto
claro e indiscutível, absolutamente técnico, Fux quebra essa lógica funesta e
abre caminho para uma reação contra aos abusos judiciários que temos assistido.
E, cedo ou tarde, temos certeza, essa reação virá.
Título e Texto: Editorial, Gazeta do Povo, 10-9-2025, 19h53
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