Aparecido Raimundo de Souza
Esse coração até onde
sei, amou várias vezes. Se entregou com a força de quem não sabia o que
significava perder. Apesar disso, deu com os burros n’água. Se ferrou de verde
amarelo. Se devastou feio, se esfacelou com a mesma intensidade com que se
adjudicou sem freios, sem manuais ou
redes de proteção. O amor, esse bicho insubmisso, colérico, emproado e
indomável, veio e se encostou nele com promessas de eternidade, o que o fez
partir com uma mão na frente e a outra também. O querer salutar que ele tinha como
certo, se escafedeu com a “pressa apresada” dos que nunca se aproximaram e
quiseram ficar. Desde então, o coração, (esse coração, especificamente) anda
torturado. Não por falta de amor, mas por excesso de lembranças. A maioria,
admoestações horríveis, nojentas, cansativas. Cada esquina da cidade parece
guardar para ele um eco retumbante de uma música que traz dependurada nos
calcanhares um tipo de fantasma com cara de sortilégio desconhecido.
Por conta, cada cheiro diferente reacende nele um incêndio que já deveria estar apagado. Mas o coração, deveras enfraquecido, acreditem, senhoras e senhores, não tem o rosto altaneiro. Tampouco se entrega. Ele se molda fortificado. Apanha, apanha, toma no meio da fuça e continua batendo. Ele chora e se diviniza amando. Ele se fecha, mas nunca se tranca por completo. Nem perde a chave, porque, no fundo, bem lá no âmago, ele sabe: a dor é o preço da profundidade. E só quem mergulha de forma cava conhece o gosto verdadeiro do que os amantes da vida plena teimam em mantem como chama viva e imorredoura. Hoje, esse coração pulsa mais “devagar”, é certo, como dois e dois são cinco, mas creiam, sem intenções de estancar. Esse “devagar” que as pessoas chamam de “quase parando, ou aos peidos,” para ele não existe. Longe disso. Esse coração, embora magoado, chateado, partido, gangrenado, desmontado, espatifado e fragmentado, à duras penas, aprendeu a não correr atrás de quem não quer ser encontrado.
Quem não quer ser
visto, nem lembrado, para ele, que se foda. Esse coração do qual escrevo nesse
momento, aprendeu mais. Tomou consciência de que nem todo amor é para durar,
mas todo amor é para ensinar. E, nesse trilho seguido a contragosto, mesmo
torturado, despedaçado, em frangalhos, rés ao chão, ele segue, caminhando, se
posicionou em frente com as suas cicatrizes como medalhas, com seus silêncios,
como orações, com a sua esperança à tiracolo, como uma bússola indicando o
Norte a ser perseguido. Ele sabe, apesar dos percalços, que um coração
bancarrotado não se entrega derrotado. Ele foi e ainda é um coração que vive. E
mais que isso, chegará onde almeja. Ainda que demore, ele se vê, se sente, como
um coração tipo assim, como tantos outros: pulsa, sonha, tropeça, chora, sorri,
volta a se debulhar em lágrimas. Contudo, apesar de existir nele uma rachadura
antiga, um rombo, um desvão inesperado, (sempre de penetra um não convidado
indesejado se vangloria na corda bamba), e, como tal, ele pula, salta, se refaz,
se reabilita e se molda às intempéries.
Ele já amou em tempos
idos, com a força de quem não sabia o que era perder. E perdeu. Demoliu-se mas
escapou ileso e com a mesma intensidade com que se entregou, sem freios, sem
manual, sem redes de proteção não se deixou vencer. O amor, esse bicho indomável,
veio com promessas de eternidade e partiu com a pressa furiosa dos que nunca
quiseram ficar. Desde então, esse coração do qual falo nesse momento, anda
torturado. Não por falta de amor, mas por excesso de lembranças. Cada esquina
da cidade parece guardar um eco, cada música traz um fantasma, cada cheiro
reacende um incêndio que já deveria estar apagado. Mas ainda batendo na mesma
tecla, esse coração torturado do qual falo nessa crônica, porra, senhoras e
senhores, esse coração desmilinguido, não é fraco. Ele é resistente. Ele apanha
e continua batendo. Ele chora e se evolui amando. Ele se fecha, mas nunca se
aldrava por completo. Porque, no fundo, ele sabe: a dor é o preço da
profundidade.
E só quem imerge no
âmago conhece o gosto verdadeiro da vida. Entre “tapas e beijos,” afinal como
vive um coração torturado, ou mais precisamente, aos peidos? Simples! Vegeta em
silêncio, mas não em solidão. Se esborracha com saudade, mas sem se afogar nela.
Se melindra com medo, mas sem deslembrar de tentar. Ele aprendeu e continua a
bailar com as suas feridas, a rir com seus espectros e a se locomover com seus
tropeços. Em dias de agora, o danado segue forte e elegante reinventando o
amor, às vezes no café quente que prepara para si mesmo, noutras ocasiões no
almoço, ou à noite, no jantar, no abraço que distribui sem esperar retorno.
Esse coração se supera nos detalhes: se reinventa no pôr do sol que observa com
olhos marejados, se ri de canto a canto a boca nos livros que lê como quem
procura respostas, nas conversas que escuta como quem deseja ser ouvido.
Vive, sobretudo,
prolonga, goza, alenta... e o faz com a coragem obstinada. Não a flama arrojada
dos heróis que enfrentam dragões, mas a dos que guerreiam abalroando os
próprios reflexos que se mostram catastróficos. Regozija esse coração com a
esperança, não a audácia ingênua, tola e fortuita de que tudo vai dar certo,
mas encara, de peito aberto, a probabilidade madura, séria, objetiva, aquele
crédito que mesmo quando tudo dá errado, ainda vê beleza. Aspira esse simpático
músculo, com a força motriz da dignidade. Porque um coração torturado não é um
coração derrotado. Um coração transtornado, é um coração que escolheu
continuar, que decidiu seguir pelejando quando o mundo à sua periferia parece
dizer “ei, cara bater de frente, se explodir enfurecendo e pior, tomando no
olho do cu, não vale a pena”.
Título e Texto:
Aparecido Raimundo de Souza, de Vila Velha, no Espírito Santo, 23-9-2025
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