Aparecido Raimundo de Souza
Laborava, a princesa, de oito da manhã às dez da noite com apenas uma hora de almoço. Mal e porcamente via a luz do sol. O namorado que arranjara a abandonara dois meses depois, até porque passava a maior parte do tempo enfurnada no serviço. Nos dias de folga, aproveitava para cuidar das roupas que usava durante a semana e jaziam amontoadas numa velha cesta num canto do banheiro. Quando terminava os afazeres, altas horas, morta de cansada, caia na cama e dormia feito pedra. Praticamente deixara de viver para se dedicar, de corpo e alma, à labuta do cotidiano. Embora jovem, necessitava tocar a vida adiante. Longe dos pais, carecia de sobreviver. Com o aluguel comendo junto na mesa e outras despesas necessárias, não saia com as amigas da empresa nem para uma balada num barzinho que ficava perto do apartamento que dividia com mais duas colegas.
Até o dia em que Ricardo, um varão boa pinta apareceu com quatro jeans para provar. Entre eles, foi amor à primeira olhadela. Ela se encantou por aquele deus grego, um tremendo “mau caminho saradão,” cheio de tatuagens pelo corpo afora. Ela entregou um número a ele e ficou olhando, perdidamente, até que o charmoso sumiu em um dos cubículos e puxou a cortina. De repente, para espanto dela, dois minutos depois, ele a chamou. A voz grossa de macho, e, ao mesmo tempo gostosa de ser ouvida, vibrou por todo seu corpo. O galã queria uma opinião. Saber dela, se alguma daquelas calças cairiam bem ou necessitava trocar por outros modelos. Andressa, meio acanhada, e informando que não poderia estar ali, se achegou e opinou. De repente, nessa desculpa de declarar a sua manifestação no simples troca-troca, eles se examinaram e se tocaram intimamente.
No instante seguinte, Ricardo já aninhava a presa contra seu peito. Numa troca envolvente de afagos e blandícias, colou a sua boca nos lábios dela. Aconteceu. Foi muito rápido. Naquele dia, só rolou os tais selinhos, aliás, bem calientes. Uma semana depois, ela estava com o vestido levantado e a calcinha arriada até os pés. Ele, afoito, desmiolado, a possuiu como um maluco, fazendo amor como se aquele ato fosse a coisa mais banal do mundo. A partir daí os encontros tomaram uma afeição “mais desproporcionada e jamais imaginada. Escapou aos controles de ambos. Andressa simplesmente passou a transar dia sim, dia não, com o Ricardo, dentro do provador, sem se importar com quem pudesse chegar sem avisar e flagra-los na maior sacanagem da paróquia. O inusitado, a partir da primeira vez, esquentou e passou a pegar fogo todas as vezes que ele dava os ares da graça. E esses “ares” se escancaravam cada vez mais compridos e descontrolados.
Os clangores apimentavam sempre enleados nas alegações dela –, ou seja –, da beldade opinar ao seu “amado,” se tal peça a ser comprada, cairia bem ou não. O assombramento rimbombanciante maior aconteceu e não só trovejou, estardalhaçou meses à frente. Ou mais precisamente, ao completar nove meses. Ricardo havia acabado de entrar na loja e correu ligeiro em direção às cabines. Seria mais uma secção rápida de sexo e depois, sem maiores problemas, regressaria aos afazeres no escritório onde trabalhava, próximo dali, como gerente de uma empresa de telemarketing. Ao chegar na entrada de acesso dos compartimentos, topou com um rostinho diferente no atendimento. Não a sua fogosa e intrépida Andressa. Perguntou por ela e a nova auxiliadora disse que a funcionária anterior, uma tal de Andressa, que ela não conhecia, acabara de ser levada as carreiras para um hospital.
Desesperado, Ricardo saiu a indagar daqui e dali e nada. Foi ao gerente e este, esclareceu o ocorrido. Andressa havia sido internada. Sofrera um acidente grave de moto, quando saíra de casa e se dirigia à empresa. Ricardo entrou em um frenesi exaltado e inquieto. Nada sabia da garota, a não ser que vivia sozinha e morava com amigas. Seus familiares residiam no interior de São Paulo. Em face do fortuito colossal, ninguém aparecera para reclamar qualquer tipo de assistência familiar. A pobre estava no hospital aos reveses da sorte, beneficiada apenas pela companhia de uma das gerentes, que fora colocada em auxílio, e, logicamente, à disposição, caso houvesse algum imprevisto mais fulminante que carecesse de solução imediata. Depois de muita luta e empenho, um dia e meio depois, Ricardo finalmente descobriu o hospital para onde Andressa fora levada.
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O choro de uma simples folha de papel em branco
Nossa juventude perdidamente à sanha do deus-não-dará
A menina dos olhos sem luz
À margem do nada
O escuro alimento
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