sexta-feira, 28 de março de 2025

[Aparecido rasga o verbo] Presente de grego

Aparecido Raimundo de Souza

A BETE, MORADORA do 201, pela décima vez, toca a campainha do apartamento 501, residência de sua amiga Olga. Olga acorre atender. Ao dar de cara com a Bete, se abraçam e se beijam:
— Vamos, não fica aí parada feio uma múmia paralítica. Entra. Fica à vontade, a casa é sua. Vou fazer um café pra nós.
Ambas atravessam o pequeno corredor abraçadas e saem na cozinha. Sentam:
— Olga, precisava mesmo falar com você. Estou à sua procura não é de hoje...
— Diga, minha amiga Bete. Do que se trata?

Bete sorri e começa:
— Você que é umas das moradoras mais antigas aqui do prédio. Deve conhecer todo mundo. Estou certa?
— Sim, claro, Bete – responde Olga. – Do primeiro ao décimo. Alguém especificamente?
— O nosso, digo, o meu vizinho parede–meia do 202?
— Sim. Aliás, uma excelente pessoa. Por que está tão interessada no velhote? Aliás, um paredão, digo, um partidão. Aposentado, viúvo, vive com a filha...
— Deixa de ser burra e pensar em besteira. O meu interesse é mera curiosidade. Só mesmo para saber. Nada demais.
— Bete, conheço muito bem você. Aí tem coisa. Vai, desembucha.

— Ok. Me fale então o nome dele:
— Kamandu...
Bete se espanta ao ouvir o nome do tal morador:
— Como? Camano... no... fiofó?
Olga, antes de responder, em vista do entendimento errôneo do nome do cidadão, cai em estrondosa gargalhada. Bete mostra certo desconforto. Grita:
— Do que está rindo, Bete?
— Do nome que você deu ao cara. Diferente, né? Kamandu, com “K”. Pai da menina Lisbela. Aliás, já que falamos nela, Lisbela tem a idade do seu menino. Se não estiver enganada, Lisbela é mais nova que o Empório, um ano. Cá entre nós. Formam um belo casal...

Olga Fica nervosa. Sua fisionomia é deveras preocupante. Olga interrompe a amiga, meio que bruscamente:
— Deixa de falar besteira, moça. Meu menino nem pelo no saco tem...
— Acredito. Mas não muda de assunto. Vai, desembucha. Por acaso o Empório está de olho nos pubianos da princesinha do seu Kamandu?
— Nada a ver, amiga. Pela idade, meu garoto nem pensa nisso. Ainda é virgem.
— Duvido, Olga. Essa mocidade de hoje, põe a gente no chinelo. Agora me fale. Qual seu problema com a filha do seu Kamandu do 202?

Olga inopinadamente salta da cadeira. As mãos trêmulas. Meio rispidamente responde:
— Bete, quem disse que tenho problemas com a filha?
— Nem mentir você aprendeu, amiga. Vai, abra o jogo. Sabe que pode contar comigo. Se não é com a formosa... começa a cantar a pedra. Você por acaso pegou seu filho mostrando a cenourinha dele para a graciosa? Eles se beijaram? Estou me mordendo de curiosidade. Chega de papo besta. Vomita...
— Bete, pelo amor de Deus. Nada a ver. Olha a água fervendo. Estou doida por uma xícara bem quente.
Bete acorre a preparar os apetrechos para a feitura da bebida. Final da tarefa, serve duas xícaras e regressa de retorno à mesa.

Bete volta à carga. Insiste:
— Agora, Olga, não me deixe com os nervos em frangalhos. O que está rolando?
Olga ainda apreensiva, começa a narrar os fatos:
— Esse seu Kaman... Komon... Komuncu, não importa, o cara não está gostando muito do tambor que meu filho ganhou do pai dele.
— Tambor? Que tambor? Não importa. Não vem ao caso. Como sabe disso?
— Meu filho toca tambor na bandinha da escola. Assim que chega em casa, toma banho, almoça, faz os deveres e depois vai para o quarto treinar. Essa rotina dura, às vezes umas seis horas.

Bete se espanta com essa novidade. Não sabia. Ela realmente desconhecia:
— Seu filho toca tambor? Agora entendi. Que legal! Fico feliz em saber. Parabéns. Mudando de assunto e voltando ao mesmo: o que a faz pensar que o Kamandu não gosta do tal do tambor do Empório? Seria o barulho?
— Pode ser, não sei. Por duas vezes, Bete, o sujeito chamou meu filho num canto...
— E...?
— Na terceira vez lhe deu um baita de um canivete de presente.
— E daí, Olga? O que isso tem a ver? Todo moleque gostaria de ter um presente desses... esquece...
— Não posso, Bete. Pelo derradeiro encontro o velhote perguntou ao meu Empório se ele sabia explicar com detalhes como era o tambor pelo lado de dentro.

Título e Texto: Aparecido Raimundo de Souza, de Vila Velha, no Espírito Santo, 28-3-2025

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