sexta-feira, 21 de março de 2025

[Aparecido rasga o verbo] Vazios eles são como filetes de sangue em feridas abertas ao sabor de águas revoltas. Atraem tubarões monstruosos. Eles quem??!!

Aparecido Raimundo de Souza 

CONHECI, OUTRO DIA, um sujeito que decidiu virar militante, grosso modo, membro ativo de uma causa justa.  Isso mesmo. Depois de tanto tempo sendo ignorado, a criatura resolveu que precisava se fazer ouvir. E o mais rápido possível. Todavia, se fazer ouvir como? Pensou daqui, matutou dali, e então, a brecha que esperava surgiu em cena. Por acaso, através de um fofoqueiro de plantão, tomou conhecimento que antes do horário do almoço haveria uma na empresa onde ele trabalhava uma reunião importantíssima. Esse ser magnânimo labutava na fábrica de dentaduras para girafas e orangotangos banguelas. Acontecesse ou não o que supostamente estaria em pauta, ele se faria ouvir, ainda que as suas palavras não tivessem relação com o tema que seria trazido. Assim foi. No meio do tal encontro, descobriu que a correria se faria e se daria por conta das refeições servidas. De pronto, nosso herói resolveu pôr as unhas de fora. Começou com a única arma que naquele momento tinha em mãos. O clássico “ronco discreto”. Ele sabia que aquele som perverso dava para fingir que viera, ou fora produzido por uma cadeira rangendo os maxilares. Nesse quadro, a coisa toda atonou. 

O Estômago, essa é a figura emblemática que conheci. Ele iria botar lenha na fogueira. Vale deixar claro —, o nosso Estômago. Essa pessoa, se fez pelos reveses da vida, um ser inteligente. Entretanto, apesar de sua sapiência, desde sempre foi severamente injustiçado. Por conta desse ultraje, iria naquele ajuntamento para começar a mudar o jogo, ou seja, traria à flor da pele, uma guerra fulminante e, de antemão, tinha consciência, não poderia parar no meio do caminho. Assim que entrou na sala superlotada, onde a batata esquentaria, começou a criar tumulto, ou seja, a dar uma de João sem braço. Aos poucos, passou a emitir uns “roncos discretos”, umas presepadas que foi subindo de tom, aumentando gradativamente essas inflexões até alcançar o nível de vibrações mecânicas impertinentes e maldosas, que ele cognominou de “trovões tropicais em dias de enormes tempestades famélicas”. A essa altura, não havia barulho, por mais balburdioso e apoquentado que fosse, ou por mais arruaçante e desordenado que conseguisse abafar o que ele colocara em polvorosa tonalidade. 

Seus colegas de trabalho, sem entender patavina do que acontecia (a maioria deles “dogabobados” de pai e mãe, ou abestalhados e matutos) em face daqueles transtornos incompreensíveis, em questão de segundos, fecharam os rostos, se entreolharam espantados e atônitos. Por fim, trancaram seus medos mais impertinentes em armários internos, pegaram as chaves e enfiaram no rabo de uma loirinha que comandava a segurança interna. O cu dessa criatura ficou como guardião dos cadeados meio que na marra. Na verdade, a turba estava confundida, embriagada pela ingerição de uma espécie de bebida nunca antes provada, o que culminou com a raia miúda, em peso, fulminada com aquele cariz de babaca abestalhado e uma indagação sem contradita, tipo “quem soltou o ladrão da cadeia onde o desgraçado amargava a sua sandice famigerada e o fez dar as caras logo aqui “dentro?””. 

A contestação a esse quesito, no entanto, ficou sem uma certeza honesta, e por mais que se procurasse um esclarecimento à altura, o abalo sempre voltava ao ponto de partida: “Agora não dá! Depois a gente come alguma coisa”. Mas o que o autor dessas palavras não sabia, ou se sabia, não queria dar o braço a torcer, nem por reza braba, é que o tal “depois” se consubstanciara numa palavra estritamente perigosa. “DEPOIS”, tanto poderia ser dali a pouco, ou cinco ou seis horas à frente, ou seja, longe demais para pobres e desnutridos estômagos aos calcanhares do “para lá de cavalos, bodes e cabras famintos.’ O ápice da revolta aconteceu justamente na hora em que deveria estar sendo servido o bendito almoço, ou melhor, a comunicação à massa comprimida presente da falta dele. Ao ouvir o gerente do restaurante murmurar algo sobre “pular a refeição”, o Estômago criador de caso se revoltou mais e se triplicou na fúria da insegurança de ficar sabe-se por quanto tempo, de bucho vazio. Esse tapa na cara imprevisto lhe fez perder a cor rosa da paciência. 

De roldão, foi junto, no pacote o esfriamento da esportiva. A merda quente se rebelou de vez. O Estômago virou bicho. Se fez fera ferida. Embrabecido, começou a duplicar anormalmente (fora do normal), os sons e zumbidos estranhos. Do nada, uns bulícios e umas insídias engatadas em rumores e audições que mais pareciam uma orquestra de bois malucos completamente desafinada com um maestro debilóide e, como último recurso, a patacoada culminou num disparo atroado interligado a uma sensação de tontura acompanhada, de contrapeso, de um leve desespero geral. Afinal, pensou ele com seus botões, um Estômago faminto tem sempre que partir para a improvisação. Foi só aí, depois de muitas lutas e embaraços, e em vista de uma peleja que se avolumava terminar num bafafá disturbioso, que o dono do restaurante se mancou, tomou uma caneca de juízo e entendeu o recado. Levantou apressado, coçou a bunda, e ofegante, temeroso e derrotado, foi em busca de uns lanches à guisa de uma fuga para evitar um mal maior. 

Em poucos segundos, uma leva grandiosa de mistos quentes, hot dogs, pasteis e pizzas de rap10 e muitas garrafas de refrigerantes pintaram no ambiente, o que, num piscar de olhos, ao menos serviu de restauro momentâneo para a paz desarranjada. A presente crônica traz embutida uma moral. E qual seria a dita? Nunca subestime a capacidade de um estômago prestes a uma inânia severa. Ele pode ser pequeno, mas tem uma força revolucionária pior que a mentirosa invasão, “entre aspas”, acontecida no fatídico 8 de janeiro a uma pocilga, melhor dito —, a um puteiro que os “palhaços de plantão” da cagada Desconstituição Fedemal cognominaram de “violência contra o Estado Demoniacrático do Direito,” — aliás, uma irrupção, porca, cafajesteada de um devassamento que até ontem ninguém de peito, coragem ou,  piormente, senhores tidos  como machos e de dois colhões no meio das pernas, deu as caras porcas para provar a veracidade. 

Voltando ao sabor do presente artigo, o Estômago, com a sua sagacidade (conforme se depreende do latim, obreptícius), fez o que todo estrategista com sangue nas ventas teria em mente: encontrou aliados! A princípio gatos pingados. Em passo adiante, Estômago convocou uma tropa de choque intercalada com sinais inconfundíveis — tonturas, fraquezas e aqueles clássicos roncos turbinados que pareciam ecoar pelos confins do universo. Foi uma verdadeira campanha para atrair a atenção do dono. Além disso, em paralelo, o Estômago acionou o “modo memória emocional”. De repente, imagens de pratos suculentos começaram a invadir as mentes: junte se a essas guloseimas, aquele cheiro irresistível de pão recém-saído do forno, a lembrança do estrogonofe da vovó e até mesmo o feijão com arroz do dia a dia, pareciam dignos de um banquete real. 

Tudo para ligar a ignição e despertar nos motores inoperantes, um sentimento de urgência culinária acima de quaisquer mi-mi-mis e bla-bla-blas suspeitosos. No fim, o Estômago deixou provado que, quando a dor da fome se precipita, ele é o mestre em promover distúrbios desordenados, fazendo barulho — anarquizando os ouvidos no sentido literal e figurado. Com a sua persistência e engenhosidade, Estômago garantiu que o dono se rendesse e fosse em busca de algo para todos os presentes mandarem para dentro e saciarem a fome negra que devorava as suas barrigas. Essa história tem uma outra moral. E qual seria? “Nunca subestime a criatividade de um Estômago injuriado pelo fato dele estar afoitamente mastigando vento encanado ao invés de alguma coisa palpável. Pois bem! E o que o dono do restaurante fez para evitar uma pancadaria maior? Ao perceber o início de uma crise revolucionária, agiu rápido para evitar um desastre! 

Primeiro, reforçou o cardápio com pratos de preparação rápida, sabia, de antemão, que uma cambada de estômagos solapados não é muito paciente. Sanduíches prontos, salgadinhos fresquinhos e até aquele famoso "PF" com arroz, feijão e bife estavam a postos para salvar o dia. Além para mais, lançou a estratégia do "entretenimento culinário". O que venha ser isso? Enquanto os pratos principais se faziam preparados, ele ofereceria pequenas porções de petiscos — como pães de alho ou mandiocas fritas, bolinhos de carne, nacadas de salaminhos — batatas fritas, baratas ao molho pardo, pulgas à milanesa, para acalmar o exército de insurgentes. De pronto, uma plêiade de funcionários de barrigas vazias poderia se transformar em seres melindrados, figuras apocalípticas que revoltadas enfezariam o “quero comer” e obviamente ingressariam na esteira de um colapso cavernoso a qualquer momento. 

Mas o golpe de mestre foi sem dúvida alguma, o sorriso. Sim, porque, mesmo sob pressão, o proprietário sabia que umas gracinhas amigáveis e um “já vai sair o grude, tá ficando uma delícia! ”, podiam ser tão convincentes e suasórios quanto o mais suculento dos pratos. E assim, ele de forma polida garantiu que todo mundo voltasse ao trabalho feliz e, acima de fofoquinhas, alimentados. Não caberia, aqui, uma outra moral da história? Mais uma? Moral sempre faz bem quando a coisa toda flui com desenvoltura e o fim acaba no the end de forma organizada e sem atropelos. Está legal. Que venha, então a outra moral para levantar a própria moral. Em tempos de fome, o prato mais urgente é o bom senso, a perspicácia e a paciência, sobretudo a paciência bem temperada! 

Título e Texto: Aparecido Raimundo de Souza, de Vila Velha, no Espírito Santo, 21-3-2025 

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