Walter Biancardine
Não há outra forma de escrever
este artigo que não seja em tom pessoal, pois uso a mim mesmo como personagem
para, quem sabe, servir de espelho para mais alguns outros e poucos exauridos,
como eu.
Desde o já longínquo ano de
1979 protestava eu contra a anistia, exigida pelo assim chamado “povo” – que se
resumia a artistas esquerdistas coordenados pela ampla cobertura da Rede Globo
– e tentava, inutilmente, publicar meus impropérios contra tal medida em
jornais de bairro ou até como carta, dirigida às redações dos grandes jornais.
Obviamente eu não era ainda
jornalista. Tratava-se apenas de um adolescente furioso que, na falta de
mulheres dispostas a conceder atenções a um esquisitão, derivava suas
frustrações na escrita de protestos inócuos. Mas, libido à parte, eu realmente
acreditava naquilo que escrevia – e este foi o erro que me acompanharia por
toda a vida: jamais ter escrito uma só linha a qual não cresse piamente, ainda
que depois viesse a me arrepender.
Anos depois, já um profissional da escrita, mergulhei de corpo e alma na restauração dos antigos valores brasileiros, que teve como início o famoso protesto contra o aumento das passagens de ônibus – “Não é pelos 20 centavos!” - no governo Dilma Roussef, em 2013. E essa, talvez, tenha sido a eclosão da doença que pode me tirar da luta neste momento: como disse, jamais escrevi uma só linha que não acreditasse e, imbuído desta crença feroz (valores, princípios, norte moral), pus minha cara a tapa e mergulhei de cabeça na luta. Fui censurado, tive inúmeras contas extintas (Twitter, Telegram), YouTube excluiu 28 vídeos meus e desmonetizou-me por completo, impedindo inclusive que eu monetizasse minha página pessoal (também do Google), tive mesmo um artigo excluído de minha própria página (!) e fui amplamente xingado e odiado por conhecidos, desconhecidos, parentes, amigos ou não tão amigos assim. As portas do mercado de trabalho se fecharam para mim e fui reduzido a um “escrevinhador de artigos”, os quais são ainda publicados, graciosamente, apenas pela boa vontade e misericórdia de meus editores.
Ainda assim não abaixei a cabeça. Atravessei o pior pesadelo que um ser humano normal poderia imaginar – do dia para a noite me vi sem casa, sem emprego, sem família, sem parentes, sem amigos, sem mulher, sem raízes, referências, comida e teto. Gastei estes anos terríveis isolado no meio do mato, sofrendo privações e uma solidão absurda, em uma cabana concedida por favor e distante de qualquer alma viva, mas não desisti: escrevi livros, publiquei artigos, persisti na luta e meus ideais me mantiveram vivo.
Tive momentos de fraqueza,
vacilos, desânimos, mas sempre voltei, ainda que fosse para apanhar mais ainda
ou para desencantar-me com a frouxidão daqueles em quem depositava minha maior
esperança: povo e líderes.
Mas tudo tem um limite, um
limite humano, psicológico, quase questão de vergonha na cara, e este parece
estar em vias de chegar.
Em uma tentativa desesperada
de postergar, ou enganar o inevitável, confesso que me desviei dos assuntos
habituais e, ultimamente, andei publicando arremedos de ensaios filosóficos –
coisa que jamais havia feito, por questões de consciência de minha ignorância.
Mas era impossível enganar a sanha de poder da atual ditadura que, sem mais
delongas, sempre nos presenteava com novos absurdos e ilegalidades, fazendo com
que novamente eu obedecesse a meus impulsos e voltasse aos eternos, incessantes
(e inócuos) protestos em forma de artigos jornalísticos.
Quem tem o (mau) hábito de ler
o que escrevo certamente está farto de aturar as inconveniências e impropérios
que dirijo ao próprio leitor – batizado por mim de “povo inerme, preguiçoso,
fútil, omisso e covarde” – e, igualmente, ao próprio Jair Bolsonaro, a quem
atribuo idênticas deficiências. Cansei de escrever que “se Moisés obedecesse às
ordens do Faraó, não teria libertado os judeus do Egito”, que eleições ou novas
leis não derrubam ditaduras, ou mesmo que “não se luta contra demônios usando
as armas de anjos”, mas o alcance do que escrevo não ultrapassa a eterna meia
dúzia de gatos pingados (e ofendidos) de sempre.
Do mesmo modo, sempre
amaldiçoei as “passeatas de protestos”, as quais serviam apenas como um bom
“programa de domingo” para as famílias, enroladas em bandeiras do Brasil, a
tirar fotos para o Instagram e partir para a churrascaria comentando seu
“patriotismo”, tão logo as mesmas terminassem. Onde o sangue? Onde a imposição
do medo sobre nossos inimigos?
Alegar um “8 de janeiro” é
estrondosa má-fé, pois duas garotas e três caras (está no vídeo do Didi
Redpill), infiltrados pela ditadura, subiram em um pequeno palco e ordenaram –
sim, é o termo e o gado, bovino, cumpriu – que todos se dirigissem ao Palácio,
quando clamei por semanas que “jamais saíssem dos quartéis”. E deu no que deu.
Agora Bolsonaro é réu,
logicamente será condenado, preso e talvez assassinado na cela. E isso também
foi previsto, não somente por mim, mas por muitos. O que fizemos? Nada. O que
estamos fazendo? Nada. O que faremos, inclusive se o pior acontecer? Nada.
O sistema não quer Lula nem
Bolsonaro, e parece ter escolhido como última opção Tarcísio de Freitas, um bom
homem, mas militar – portanto positivista e, portanto, cego para o comunismo. Por
outro lado, temos Donald Trump e suas sanções, mas nada poderá fazer além
disso. Ele é Presidente dos Estados Unidos, e não do mundo. E agora?
Agora resta-nos esperar o já
sabido veredito, mas ainda falta esclarecer se Bolsonaro será preso
imediatamente ou darão, ainda, alguns dias a ele – que certamente não serão
usados para refugiar-se em nenhuma embaixada pois, como disse, a coragem não é
seu maior atributo. “Mas ele disse que, se for preso, será morto! Isso não é
coragem?”, perguntará o leitor. E eu respondo: auxiliado por um cardume de
toupeiras (vá lá), cegas para o que é o verdadeiro comunismo, Bolsonaro
igualmente não acredita nisso. Mal crê que será preso; morto já está na
categoria de ficção – ele assim diz da garganta para fora.
Infelizmente, pouquíssimos
brasileiros sabem o que é, na verdade, o comunismo – ou não o teriam aceitado,
ainda que “docemente constrangidos”. Trata-se de um bando de assassinos
sociopatas, verdadeiros delinquentes cujo único objetivo é o poder, e para
conquistá-lo e mantê-lo, farão o que for preciso: roubar, mentir, chantagear,
sequestrar e, claro, matar. Alguém lembra de Celso Daniel e de tantos outros?
E logo após virão as
manifestações de 6 de abril. Serão estrondosas? Talvez. Serão intimidadoras?
Nunca, pois somos “conservadores, pacíficos e limpinhos”. E no dia 7, tudo
voltará a ser como dantes, no quartel de Abrantes, aquele melancia.
Este é o ponto onde,
acontecendo como eu prevejo, deverei me retirar da luta.
Escrevi recentemente que
passei toda uma vida defendendo o que acredito, e o que os outros pensam disso
é problema deles, não meu. Mas, maior que o cansaço físico de meus 61 anos, é o
desalento. A absoluta falta de esperanças, a irritante semelhança de pensamentos
com o insuportável Schoppenhauer e seu pessimismo doentio – que, sou forçado a
admitir, não se trata de simples pessimismo: é experiência de vida,
conhecimento das coisas e dos homens.
O círculo se fechou:
parlamentares de oposição perderam seus mandatos ou foram presos, o próprio
Bolsonaro assim o será e, de modo pior, sequer temos um norte moral e
intelectual do infalível Olavo de Carvalho, morto que está. Restou-nos um bando
de youtubers que, tal qual os chicos buarques da vida após o fim do governo
militar, vivem hoje às custas do terror da ditadura: se um dia ela acabar, seus
empregos acabam também – tal qual Chico.
Para piorar, temos um povo que
mostra claramente que ainda tem muito a ser tomado pela ditadura: a cada
feriado as estradas lotam; os preços sobem, em uma desesperadora escalada
inflacionária, mas limitam-se a reclamar – e comprar, principalmente cerveja. A
irritação contra cada novo arbítrio dura exatos 15 segundos, até que o próximo
vídeo do TikTok entre, com bela morena a rebolar seus glúteos. E sequer a
enfiada de 4 gols, tomada da Argentina no último jogo, teve o condão de
despertar o brasileiro de sua letargia dopada. Tudo se resolve com um celular –
a arma mortal que tínhamos nas mãos, mas a perdemos para um par de bundas,
pacificadoras do povo e normalizadora do “estado democrático de direito”.
E contra isso não posso lutar.
Não há como ajudar quem não quer ser ajudado – ou sequer reconhece que precisa
ser – tanto Bolsonaro, inerme, quanto o povo, hipnotizado, dopado, em estado
vegetativo. Tanto os assessores cegos do “mito” quanto os youtubers
carreiristas, jóqueis da desgraça, que não sobreviveriam em um país normal.
Não é vergonha abandonar uma
luta impossível de, sequer, perder com honra.
Aguardarei até o final de
abril, ainda que seja em infantil esperança de retaliações externas, antes de
retirar-me, e assim o farei após esta data: não mais Carta de Notícias, não
mais ContraCultura, não mais artigos políticos em minha página pessoal ou em
minhas redes sociais.
Me dedicarei exclusivamente a
futilidades, memes, postagens automotivas, arqueológicas e, é claro, meus
livros. Ninguém sentirá falta, e este é meu mais poderoso motor.
Todos têm um limite, espero
que entendam.
Não vale mais a pena lutar.
Não há por quem lutar.
Título, Imagem e Texto: Walter Biancardine, Facebook, 26-3-2025, 20h
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SOBRE O ARTIGO DE ONTEM:
ResponderExcluirAlguns resmungos chegaram a mim sobre o artigo de ontem, onde expus minha frustração para com a passividade omissa do povo brasileiro e as cautelas excessivas de Jair Bolsonaro.
Os mais "intelectualizados" apontaram dedos priápicos contra mim, perguntando em ar de desafio: "Como então um conservador pode pregar o povo nas ruas, a revolução"?
E respondo que não prego nenhuma "revolução" - povo nas ruas sim, sacrifícios sim, enfrentamento sim, mas tudo isso deve ser visto sob a ótica da legítima defesa, pois vivemos em um absurdo estado de guerra, o ataque do governo contra o povo. Onde o "paraíso prometido"? Onde o "futuro melhor" em meus clamores? Não existem, trata-se apenas de defender nossa própria vida, expulsando tais criminosos do poder.
Outros, "constitucionalistas", agarram-se às limitações de nossa doentia Carta Magna - parlamentarista e socialista - excusando Bolsonaro de quaisquer culpas, pela impossíbilidade legal de agir.
Mas quem prega a reação dentro da lei? Quem, em sã consciência, acreditará que "dentro das 4 linhas" - território do inimigo STF - teremos alguma chance de sucesso? Pergunto: Moisés teria libertado os judeus do Egito, se seguisse as leis do Faraó?
E para acabar de broxar dedos priápicos e ostentações constitucionalistas, completo com a seguinte e vital pergunta: em nome de quem as leis são promulgadas? Em nome de quem o poder é concedido? Em nome de quem a autoridade exerce suas funções? Em nome do povo, ora bolas!
O povo é a instância última do poder; em seu nome e sob seu consentimento tudo é feito, o povo é o poder soberano e, vá lá, moderador.
Deste modo, se multidões em fúria agirem teoricamente fora da lei, o mesmo exerce seu poder soberano de "novação" dos termos do contrato, e resta àqueles a quem o povo delegou poderes, acatar.
Onde sou "revolucionário"? Onde prego ideologias? O que defendo é que salvemos nossas próprias vidas, e que este bando de "jóqueis da desgraça", parasitas da aflição alheia, cafetões do sensacionalismo - sim, estou falando com você, youtuber - procurem as migalhas restantes de suas dignidades e usem suas influências para o nosso bem.
Ou que vão, todos, à merda.
Tal como eu, ninguém sentirá falta.
Walter Biancardine, 27-3-2025