Rafael Nogueira
Manifestação política no
Brasil é igual futebol: todo mundo é técnico, e poucos jogam bem. Domingo passado,
chutaram para fora outra vez. A manifestação pela anistia dos presos políticos,
ocorrida no Rio, andou levando a pecha de "flopada", adjetivo que,
até pouco tempo, só combinaria com filme brasileiro em festival internacional.
Mas vejamos os fatos, essa inconveniência.
O ato foi recebido com desdém
pelo beautiful people. O establishment aprendeu a esnobar e aguardar, na
expectativa de que o tempo dissolva a resistência. Mas o mundo está olhando
para o Brasil só agora. E aquilo que para nós é arroz com feijão, para eles
pode ser a primeira colherada em um prato ainda desconhecido.
Enquanto a esquerda só
consegue hoje juntar meia dúzia de gatos pingados com megafone e palavras de
ordem do século passado, a direita, mesmo mal arrumada, amadora e com discurso
único – e frequentemente monocórdico –, ainda lota ruas e quarteirões. Não como
em 2021 ou 2022, é verdade. Mas alguém aí esperava replay eterno das grandes
multidões? Não sejam inocentes.
Agora, a USP resolveu
contribuir com seu rigor científico: contabilizou míseras 18 mil almas em
Copacabana, número que, pelo mesmo método, reduziria o épico 7 de setembro de
2022 a um grupinho de 64,6 mil cidadãos. Essa calculadora progressista precisa
urgentemente de pilhas novas. Mas isso é apenas detalhe num país em que números
sempre foram questão de opinião.
Houve, claro, problemas típicos do nosso tropicalismo organizacional. A confusão sobre o lugar, a falta de divulgação decente, a absoluta ausência de narrativa convincente. Acrescente a tudo isso a data escolhida: justo no domingo em que Flamengo e Fluminense decidiam o Carioca. Pergunto: de quem foi a brilhante ideia? Com bola rolando no Maracanã, qualquer protesto corre o risco de virar preliminar mal assistida.
Mas atenção, que nem tudo foi
derrota. A qualidade do apoio importa, e muito: governadores como Tarcísio de
Freitas, Jorginho Mello e Cláudio Castro, além do eterno pragmático Gilberto
Kassab, todos deram a bênção ao movimento. É sinal de peso institucional, ainda
que os esnobes de sempre finjam não ver.
A coisa, porém, é mais
complicada. Essa anistia, que me perdoem os idealistas, sugere implicitamente
culpa. A história é mestra: no Brasil, só anistiamos crimes de ditadura, mesmo
aqueles nunca comprovados. O precedente é perigoso, e tão brasileiro quanto a
jabuticaba ou o bolinho de chuva da vovó.
Nesse país surreal em que se
fala de democracia prendendo opositores, Eduardo Bolsonaro decidiu sair de
cena: foi cuidar da vida nos Estados Unidos, juntando-se aos exilados de
ocasião – Allan dos Santos, Oswaldo Eustáquio, Monark, Ludmila Lins Grilo. Pergunto,
com a mão no coração: você ficaria? Arriscaria as grades, os filhos órfãos de
pai vivo, a vida despedaçada atrás de muros que não respeitam inocência?
Exilados voluntários não são
propriamente novidade brasileira. Quem já viveu sob arbítrio conhece o filme.
Mas são sintomas graves, indicadores da saúde periclitante dessa República que
insiste em ser tudo, menos republicana.
A questão central não é falta
de indignação ou relevância, mas inteligência política – artigo raro –,
estratégia organizada – coisa rara – e capacidade de comunicação – raríssima.
Sem esses ingredientes, resta-nos o inevitável declínio rumo à tirania descarada,
já que a velada anda mostrando as garras há bom tempo.
Por fim, lembro Olavo de
Carvalho – aquele homem que dizia as coisas antes de acontecerem. Mudanças de
verdade, ele insistia, começam de fora.
Talvez nossos exilados estejam
melhor que nós, pobres diabos, eternamente presos neste ensaio geral de
democracia. Se o arroz com feijão político ficou intragável, talvez esteja na
hora de admitir: nunca tivemos talento para a cozinha. Nosso prato da casa
sempre foi mesmo essa indigesta feijoada autoritária com farofa de hipocrisia.
Título e Texto: Rafael Nogueira, O Dia, 19-3-2025, 0h
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