terça-feira, 11 de março de 2025

[Aparecido rasga o verbo] Rito pagão

Aparecido Raimundo de Souza 

ME VEJO, neste momento, como se estivesse deslumbrantemente perdido num jardim tipo o de Epicuro. Não estou só. No vai e vem do imenso florido, dois corações dançam ao ritmo de um pêndulo magnânimo.  Eu e Tata. Essa jovem é aquela menina linda cujo perfil é idêntico ao da garrafinha de iogurte sabor morango. Morango é a minha fruta preferida. Como duas partículas perdidas em um universo só nosso, fomos atraídos um pelo outro não como o Roberto Carlos de 83 pela Tamara Angel de 28. Tatá não me vê como o rei.  Não sou rico, nem moro na Avenida Portugal, na Urca. Tatá é humilde como seu bairro simples de Santa Cruz, na zona oeste do Rio. Eu, 71 e ela 25, dividimos um momento especial, um instante mavioso e lisonjeiro, um quadrado “imedível”, só nosso, e juro por tudo quanto é sagrado: não vivemos em um tresloucado incessante de aproximação e afastamento. 

Tatá é magra como minha conta bancária. Seus olhos fartos e verdes, profundos como um oceano infinito. Seu rosto de boneca e seu sorriso encantam a minha alma até os cafundós de um universo perdido em distancias milenares. Seu sorriso tímido, me leva a loucura, uma espécie de doidaria tão desvairada e enlouquecida, que quando seu corpo me abraça, ou me agarra, me sinto como descreveu Apuleio, em seu “Asno de Ouro,” com a diferença que na “Metamorfose” desse escritor nascido em Madoura, hoje colônia romana da Numidia, o animal  principal, não ia além de um minotauro que se relaciona com uma  mulher. Na minha história, a beldade-princesa se assemelha a uma joia de raro valor, tipo a Paolla Oliveira, e eu, como disse e repito, não um monstro cretense, tampouco um jumento, mas a bem da verdade, no fundo, um cavalo manga larga marchador tipo o Diogo Nogueira. 

Tatá me vivifica com um alento velado, uma paz inquietante que me faz questionar os próprios anseios que me assaltam. Ela, além de bela e encantadora, é uma centelha de luz em meio às sombras que tento desvendar quando ela não está por perto. Nos conhecemos coisa de uns cinco meses, numa churrascaria. Foi amor ao primeiro gole de uma coca cola bem gelada. Como o pêndulo que nunca encontra descanso, nossos corações oscilaram entre a paixão avassaladora e o medo mórbido do desconhecido. Ela estava com umas amigas e, de repente, se levantou, e partiu para o abate, digo, para o ataque. Nosso primeiro esbarrão se deu em direção às toaletes. Antes de entrar, joguei nas mãos dela o meu cartão e meia dúzia de palavras: “Vou te esperar lá fora, em frente à farmácia. Estarei disfarçado de bebê chorão”. Ela riu. Completei: “Venha se encontrar comigo e vamos ver no que dá”. 

Vinte minutos depois, lá fora, no albor das vinte horas, sob o céu de lua afogueada, um calor que molhava o coração e inundava a alma, nos esbarramos “enfim sós”. Caminhamos de mãos dadas até a praça repletada de crianças, cachorros, gritos, risadas, moradores de rua, e barraquinhas diversificadas vendendo os mais engordantes tipos de comes e bebes. Quando nos sentamos num banco de cimento, meu relógio marcava o tempo de maneira imprecisa, quase zombeteiro. Ficamos um tempo sem dizer nada, colados, um no outro. O silêncio, entre nós se fazia confortante. Apesar do calor, de repente nos envolvemos num abraço silencioso que dizia mais do que mil palavras poderiam expressar. Ela me disse seu nome e eu o meu. “Vou lhe chamar de Tatá.”  Com um sorriso doce, cinco minutos depois o silêncio se viu totalmente quebrado. 

“Sabe — observou ela — às vezes me sinto como um pêndulo, oscilando entre a certeza de querer você por perto e o medo de perder a mim mesma no processo de te conhecer.” Interessante — falei pressuroso — “eu também estava com esse mesmo pêndulo na cabeça.” Segurei a mão dela com delicadeza, e respondi: “Talvez o segredo esteja em encontrarmos nosso próprio ritmo, sem pressa, sem medo. Deixemos o Foucault oscilar, e façamos do nosso amor um refúgio, um lugar onde o tempo parece, assim do nada, estancar.” Nesse primeiro dia, não fomos além de beijos e abraços. Os dias seguintes passaram, e continuamos a dançar ao som de conversas triviais, beijos, abraços, batatas fritas, refri e pizzas. Algumas vezes, o acaso nos aproximava com fervor, compartilhando sonhos e confidências. Outras vezes, medrados, nos afastávamos nos perdendo em nossas próprias incertezas. 

Pois bem! Entre tapas e beijos, percebi, nesse interregno de tempo, e aqui, de novo, voltando ao pêndulo, sempre que ele oscilava de retorno, a gente se encontrava novamente, e o mais engraçado, nos sentíamos mais fortes, mais certos de que o amor, mesmo com seus altos e baixos, usque suas oscilações, a meu entender, o fio tênue do nosso gostar se fortalecia num elo inquebrantável que nos mantinha vivos. No fim, coisa de três semanas depois, descobrimos que o amor não precisava ser linear, ou se mover de maneira constante. Ele podia realmente, se apresentar como aquela peça móvel formada por um corpo pesado suspenso em um ponto fixo, e que, sob a ação da própria esquisitice realizava movimentos isócronos de vaivém, ou aquele mecanismo que oscilava de um lado para o outro, entretanto, nunca deixava de regressar ao ponto de onde partiu. 

Concluí também que nesse balanço, encontramos um ritmo que havia nascido de nós, ou dito de forma mais sucinta: um compasso que nos guiaria para um “sempre-pronto” que estava ali, apenas alguns passos adiante. No vai e vem do tempo, assim do nada, nossos corações passaram a dançar ao ritmo de um objeto ocioso. Nós dois nos tornamos duas partículas perdidas em um universo caótico, atraídas, todavia, um pelo outro em um movimento incessante de aproximação e desaceleramento. Tatá, com seus olhos profundos e sorrisos tímidos, encontrava em meu “eu” um alento, uma paz inquietante que a fazia questionar os próprios anseios. Por minha vez, via em Tatá, uma centelha de luz em meio às sombras que necessitava desvendar. Resumindo a nossa historinha, nós sabíamos um do outro desde sempre, ou pelo menos assim, tudo para nós parecia surreal. 

Como o pêndulo que nunca encontrava descanso, oscilavam incansavelmente a paixão avassaladora e o medo do desconhecido. Os meses passaram, e continuamos a dançar ao som do fabuloso objeto. Algumas vezes, a gente se aproximava com fervor, compartilhando sonhos e confidências. Noutras nos afastávamos perdendo um tempo enorme em nossas próprias incertezas. Sempre que o pêndulo oscilava de volta, a gente se encontrava novamente, mais fortes, mais certos de que o amor, mesmo com seus altos e baixos, culminava no ponto nevrálgico que nos mantinha vivos. A paixão entre nós dois cresceu como uma chama ardente, alimentada pelos momentos de desejo e saudade. Cada encontro um reencontro, um redescobrimento do que sabíamos: fomos feitos um para o outro. Nas noites em que nos víamos, o mundo ao redor deixava de existir. 

Os beijos, os abraços, as noites dormindo juntos, de conchinha, se tornavam mais intensas, obviamente, os toques e carícias mais urgentes e necessários. Por fim, entregamos nossos medos e receios de espírito e alma ao “seja o que Deus quiser”, permitindo, com isso, que o amor, o nosso amor fluísse como um rio de sensações imorredouras. E o pêndulo, como ficou? Serviu de ponto de partida. Introduziu com sucesso a sua munição total dentro da nossa fortaleza. Se tornou um símbolo de estreita relação. Ora suave e romântico, ora selvagem e apaixonado. Mas indestrutível. Tatá aprendeu que, mesmo nos momentos de incerteza, seu amor se agitava de maneira mais constante e isso se consubstanciava no segredo que nos mantinha juntos. E na pulsação desse pêndulo, ainda que imaginário, encontramos não apenas a paz; também a excitação de viver um amor que balouçava, mas nunca se apagava. Ou melhor, nunca se extinguiu. 

Título e Texto: Aparecido Raimundo de Souza, de Vila Velha, no Espírito Santo, 11-3-2025 

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