domingo, 30 de novembro de 2025

[As danações de Carina] Dos males, a melhor saída para os objetos ‘esquecidos’

Carina Bratt

O ‘TIM MAIA’, apelido carinhoso do senhor Beltioga, apesar de ser um sessentão nos triques, de repente começou a perder as coisas de forma absurda: meias, a chave de casa, os documentos, o dinheiro, as cuecas, as moedinhas de um real, os cigarros, e até onde deixara a geladeira. Bem recentemente, não soube explicar onde colocara um saboroso sanduíche de picanha que estava comendo ao sabor de um refrigerante estupidamente gelado. Com ele, de roldão, a chave se seu automóvel.  

Por mero acaso, coisa de quinze dias depois deste incidente, um telefonema salvador. Descobriu que todos os objetos considerados ‘esquecidos ou perdidos’ se faziam estocados nas dependências de um hospital conhecido como Ronaldo Gazolla, um super centro carioca em cirurgias e esta preciosidade ficava na Avenida Pastor Martin Luther King Jr, em Acari, Rio de Janeiro.

Informaram também que estes objetos dados como perdidos ou abandonados, se juntaram e fundaram um sindicato para servir como apoio e proteção. Por motivos óbvios, os ‘enjeitados’ exigiam melhores condições de desaparecimento, tipo: menos culpa, mais reconhecimento, e direito à aposentadoria após dois anos de sumiço. 

‘Tim Maia’, o (Beltioga) na verdade um protagonista confuso ao ser sabedor desse sindicato, e com ele a boa notícia do aparecimento da bendita chave de seu fusca, dia seguinte, logo cedo, após ter confirmado como verdadeiro o auspicioso telefonema se mandou para a localidade. Alguém achara a sua chave. Endereço nas mãos, se pôs em marcha. Deu as caras no local indicado fazendo esse trajeto de taxi.

Foi aí que teve início um inesperado entrave.  Para reaver seu objeto, precisava negociar com o presidente, este desgraçado conhecido entre as bugigangas como Presidente Camisa do Vasco. O tal Camisa do Vasco, a bem da verdade, se rotulara líder sindical. Camarada dramático e além de dramático, chato e pegajoso até dizer chega.

Seu braço direito e também o esquerdo, uma Carteira Revolucionária, de traços perfeitos que fugiu de seu dono por não aguentar mais ser esquecida em bares e casas de prostituição. Outro do grupo, o esquentado Isqueiro Sem Pedra. O infeliz só aparecia quando alguém estava furioso querendo acender uma ‘bituca’ de cigarro apagado.

‘Tim Maia’ se entrevistou também com a gostosa e charmosa Chave do Centro Espírita da Maria Macumbeira. Esta cidadã, vestida em sua blusinha transparente e uma sainha jeans curta demais, mostrava escancaradamente a calcinha. A distinta só se manifestava quando ninguém precisava dela. Na mesma chapa, o Sanduíche de Porco Existencialista, que deu o fora da lanchonete onde junto com seus pares não queria ser mastigado por clientes com dentes careados em bocas malcheirosas.

Pois bem! O ‘Tim Maia’ (ou o Beltioga) queria recuperar o mais depressa possível o seu objeto, a saber, a chave de seu carrinho, um fusca 1996, bonitão e sem um arranhão, com motor 1.600. Entretanto, precisava passar por uma assembleia sindical reunida às carreiras, onde cada item-membro votaria se a coisa perdida desejava voltar realmente ou permanecer em paz.

A Escova de Cabelos votou contra, alegando que descobriu em conversa particular com a chave, fora maltratada pelo sujeito. O Controle Remoto exigiu terapia antes de declarar seu voto. Uma bola de sinuca, fez cara feia, enquanto uma caneta azul alcunhada de ‘Lixandri’, tentava espetar, a torto e a direito, quem dela se aproximava. ‘Foi ele quem pintou a bunda do cavalo de Dom Pedro I na Praça Tiradentes’.

Durante a votação, o Sanduíche de Porco Existencialista pediu a palavra, atropelou um par de Chinelos metidos a besta, e aos berros discursou sobre o direito dos objetos escolherem os seus futuros destinos. ‘Tim Maia’, emocionado, aceitou a ideia de que algumas perdas se faziam eternas — e que talvez, ele mesmo, estivesse meio confuso em meio aos seus parafusos.

Final das contas, a Lata de Lixo, com cara de Sanja se apresentou como advogada e requereu fosse o caso de ‘Tim Maia’ retornado à pauta. Deu certo. Todo mundo aceitou. ‘Tim Maia’ foi novamente ouvido, e ‘reouvido’, aplaudido e a sentença final se fez lida em alto e bom som pelo Cachorro Lula, um desses animais cheios de pulgas e carrapatos que vivia farejando restos de comidas podres nas ruas adjacentes da Feira de Acari.

‘Tim Maia’, apesar dos pesares e dos votos a seu favor, não conseguiu que a chave de seu carro (achada dentro de um banco de trem vindo de Japeri, encontrada por uma boa senhora que viera se consultar com um ginecologista voltasse com ele). Queria ficar mais um dia com seus novos amigos. ‘Tim Maia’, diante desse inesperado, concordou. ‘Um dia a mais, ou a menos...’

Apesar de naquele momento ter se negado a voltar com ele, a chave de seu Fusca prometeu, de pés juntos, que o faria dia seguinte.   Sorrindo de canto a canto, o Beltioga, (só lembrando, o ‘Tim Maia’) passou, sem mais delongas, a mão na ilustre Lata de Lixo, a advogada que intercedeu em seu caso. De braços dados com a esfuziante, partiu com a saborosa aconchegados num Uber chamado meio que as pressas. 

Fim de noite, ambos na casa dele, em Bonsucesso, ‘Tim Maia’ tomou aquele banho demorado, entrelaçado com a sua recém conquistada Lata de Lixo. Em seguida, como final de noite, não poderia inventar melhor programa. Levou a sua preciosa conquista para jantar ao tempo em que xavecava um rol de baboseiras em seus escutadores de novelas.

Título e Texto: Carina Bratt, de Atafona, Distrito de São João da Barra, região norte do Rio de Janeiro, 30-11-2025

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