Carina Bratt
O ‘TIM MAIA’, apelido carinhoso do senhor Beltioga, apesar de ser um sessentão nos triques, de repente começou a perder as coisas de forma absurda: meias, a chave de casa, os documentos, o dinheiro, as cuecas, as moedinhas de um real, os cigarros, e até onde deixara a geladeira. Bem recentemente, não soube explicar onde colocara um saboroso sanduíche de picanha que estava comendo ao sabor de um refrigerante estupidamente gelado. Com ele, de roldão, a chave se seu automóvel.
Por
mero acaso, coisa de quinze dias depois deste incidente, um telefonema
salvador. Descobriu que todos os objetos considerados ‘esquecidos ou perdidos’
se faziam estocados nas dependências de um hospital conhecido como Ronaldo
Gazolla, um super centro carioca em cirurgias e esta preciosidade ficava na
Avenida Pastor Martin Luther King Jr, em Acari, Rio de Janeiro.
Informaram
também que estes objetos dados como perdidos ou abandonados, se juntaram e
fundaram um sindicato para servir como apoio e proteção. Por motivos óbvios, os
‘enjeitados’ exigiam melhores condições de desaparecimento, tipo: menos culpa,
mais reconhecimento, e direito à aposentadoria após dois anos de sumiço.
‘Tim
Maia’, o (Beltioga) na verdade um protagonista confuso ao ser sabedor desse
sindicato, e com ele a boa notícia do aparecimento da bendita chave de seu
fusca, dia seguinte, logo cedo, após ter confirmado como verdadeiro o
auspicioso telefonema se mandou para a localidade. Alguém achara a sua chave.
Endereço nas mãos, se pôs em marcha. Deu as caras no local indicado fazendo
esse trajeto de taxi.
Foi
aí que teve início um inesperado entrave.
Para reaver seu objeto, precisava negociar com o presidente, este
desgraçado conhecido entre as bugigangas como Presidente Camisa do Vasco. O tal
Camisa do Vasco, a bem da verdade, se rotulara líder sindical. Camarada
dramático e além de dramático, chato e pegajoso até dizer chega.
Seu braço direito e também o esquerdo, uma Carteira Revolucionária, de traços perfeitos que fugiu de seu dono por não aguentar mais ser esquecida em bares e casas de prostituição. Outro do grupo, o esquentado Isqueiro Sem Pedra. O infeliz só aparecia quando alguém estava furioso querendo acender uma ‘bituca’ de cigarro apagado.
‘Tim
Maia’ se entrevistou também com a gostosa e charmosa Chave do Centro Espírita
da Maria Macumbeira. Esta cidadã, vestida em sua blusinha transparente e uma
sainha jeans curta demais, mostrava escancaradamente a calcinha. A distinta só
se manifestava quando ninguém precisava dela. Na mesma chapa, o Sanduíche de
Porco Existencialista, que deu o fora da lanchonete onde junto com seus pares
não queria ser mastigado por clientes com dentes careados em bocas
malcheirosas.
Pois
bem! O ‘Tim Maia’ (ou o Beltioga) queria recuperar o mais depressa possível o
seu objeto, a saber, a chave de seu carrinho, um fusca 1996, bonitão e sem um
arranhão, com motor 1.600. Entretanto, precisava passar por uma assembleia
sindical reunida às carreiras, onde cada item-membro votaria se a coisa perdida
desejava voltar realmente ou permanecer em paz.
A
Escova de Cabelos votou contra, alegando que descobriu em conversa particular
com a chave, fora maltratada pelo sujeito. O Controle Remoto exigiu terapia
antes de declarar seu voto. Uma bola de sinuca, fez cara feia, enquanto uma
caneta azul alcunhada de ‘Lixandri’, tentava espetar, a torto e a direito, quem
dela se aproximava. ‘Foi ele quem pintou a bunda do cavalo de Dom Pedro I na
Praça Tiradentes’.
Durante
a votação, o Sanduíche de Porco Existencialista pediu a palavra, atropelou um
par de Chinelos metidos a besta, e aos berros discursou sobre o direito dos
objetos escolherem os seus futuros destinos. ‘Tim Maia’, emocionado, aceitou a
ideia de que algumas perdas se faziam eternas — e que talvez, ele mesmo,
estivesse meio confuso em meio aos seus parafusos.
Final
das contas, a Lata de Lixo, com cara de Sanja se apresentou como advogada e
requereu fosse o caso de ‘Tim Maia’ retornado à pauta. Deu certo. Todo mundo
aceitou. ‘Tim Maia’ foi novamente ouvido, e ‘reouvido’, aplaudido e a sentença
final se fez lida em alto e bom som pelo Cachorro Lula, um desses animais
cheios de pulgas e carrapatos que vivia farejando restos de comidas podres nas
ruas adjacentes da Feira de Acari.
‘Tim
Maia’, apesar dos pesares e dos votos a seu favor, não conseguiu que a chave de
seu carro (achada dentro de um banco de trem vindo de Japeri, encontrada por
uma boa senhora que viera se consultar com um ginecologista voltasse com ele).
Queria ficar mais um dia com seus novos amigos. ‘Tim Maia’, diante desse
inesperado, concordou. ‘Um dia a mais, ou a menos...’
Apesar
de naquele momento ter se negado a voltar com ele, a chave de seu Fusca
prometeu, de pés juntos, que o faria dia seguinte. Sorrindo de canto a canto, o Beltioga, (só
lembrando, o ‘Tim Maia’) passou, sem mais delongas, a mão na ilustre Lata de
Lixo, a advogada que intercedeu em seu caso. De braços dados com a esfuziante,
partiu com a saborosa aconchegados num Uber chamado meio que as pressas.
Fim
de noite, ambos na casa dele, em Bonsucesso, ‘Tim Maia’ tomou aquele banho
demorado, entrelaçado com a sua recém conquistada Lata de Lixo. Em seguida,
como final de noite, não poderia inventar melhor programa. Levou a sua preciosa
conquista para jantar ao tempo em que xavecava um rol de baboseiras em seus
escutadores de novelas.
Título
e Texto: Carina Bratt, de Atafona, Distrito de São João da Barra, região norte
do Rio de Janeiro, 30-11-2025
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