Carina Bratt
‘Não
deixe que nada lhe tire a visão do amanhã, por mais triste que o dia amanheça,
ainda que o destino tenha se esquecido de endereçar um mero sorriso para
alegrar você’.
(Do romance ‘Médico e Amante’ de Frank G.
Slaughter, com tradução impecável de Nelson Rodrigues edição Distribuidora
Record ano de 1952).
HOJE
EUZINHA acordei com a ideia de que
há um vazio que ecoa entre os meus desejos e a minha realidade. É tudo o que eu
não tenho e precisava, tipo assim um abraço que não veio, uma palavra amiga que
não foi dita, o tempo que se esvaiu e não voltou. Para variar, me flagro
distanciada de sonhos, de muitos sonhos que não couberam no meu kit de
maquiagem que trago sempre dentro da minha bolsa, tipo assim, o batom, o pó
facial, o lápis de olho, e o perfume que jamais deixo distanciado de mim.
Parece que por algum motivo inexplicável todas essas coisas, quando acordei ficaram presos em algum lugar aqui dentro do apartamento, qual seja, em algum desvão que não espiei direito, ou um escondidinho entremeado a outras vontades que acredito também tenham se perdido no caminho onde fica a minha penteadeira com um espelho maior que eu. Engraçado, que o que nesta manhã eu não tenho, ou sei lá, me falta, me move e ao mesmo tempo me desafia. Não tenho certezas, mas enquanto tomo meu dejejum espio da varanda a vida bonita, ao tempo em que me afogam os pensamentos com um amontoado de indagações.
Não tenho tudo o que eu gostaria, nesta manhã de sábado. Lá embaixo, a Borges de Medeiros me parece vazia. Não está, mas me parece. A Lagoa Rodrigo de Freitas, se faz sem o sorriso grandioso do sol, sem a presença das pessoas que caminham toda as manhãs, de um lado para outro, da galera que voa desesperada com suas bicicletas. Até o Cristo, imaginem, minhas caras amigas, até o Cristo lá do alto do morro do Corcovado parece meio cansado. Pois é. Não tenho nesta manhã, tudo o que gostaria, mas me socorre o bastante do cotidiano para continuar.
Acredito que não tenha o que queria, mas
talvez me sobre, de alguma forma, o que não preciso. Entendo, ou pelo menos
tento, que o que eu não tenho, ou o que eu acho que me falta, me ensina a
valorizar o que há, o que me faz correr atrás do que me falta, e me lembra que
a ausência de algumas coisas faltosas é também a presença, ou seja, a presença
da esperança, da continuidade da luta e da transformação. Volto à cozinha.
Renovo meu café. Faço um novo misto quente e nessa hora, me dou conta de que
pôr hoje, é tudo o que eu não tenho… mas ainda assim posso conquistar.
Volto à varanda e me dou conta que acordei
meio triste, ‘macambuziada como diria o Aparecido’, com aquela sensação
estranha de que faltava alguma coisa. Mas raios, o quê?! Não era o café, nem o
celular esquecido na sala, em cima do piano. Ou o livro que estou lendo e
deixei na minha mesinha do quarto onde trabalho conversando com o Galaxy Book
ligado. Era outra ausência. Uma falta mais sorumbática e silenciosa. Sei que às
vezes não tenho a coragem que invejo nos outros. Não tenho o tempo que escorre
pelos meus dedos enquanto olho para o tudo e os ponteiros não me dizem nada.
Não tenho aquela paz que parece morar nos
sorrisos alheios. E, às vezes, só às vezes, não tenho nem palavras para
explicar o que me falta. Mas é curioso, queridas amigas que acompanham as
minhas ‘Danações’ de todos os domingos, aqui na ‘Cão que Fuma’, o que eu penso,
ou acho que nesse momento me falta, é igualmente o que me constrói. A falta de
alguma coisa, por certo, desenha contornos poderosos. Cria espaços grandiosos,
abre caminhos ainda não percorridos.
O que eu não tenho me empurra para a frente e
me faz desejar, sonhar, buscar... buscar... buscar... Lembro de quando mais
jovem, aí pelos dezenove, queria ter tudo, notadamente todas as respostas,
todos os amores, todos os planos. Um emprego que garantisse a minha
sobrevivência. Hoje, aos 36, olhando aqui da minha varanda, entendo que o vazio
ou o algo que me falta também é parte do que construí. Que o silêncio do que
acho que não tenho também fala. Que o que eu não tenho me atiça, me move em
busca constante e me ensina sobre o que realmente me importa.
Talvez eu nunca tenha tudo. Talvez ninguém
tenha tudo. Mas enquanto tomo meu café de frente para o Cristo de braços
abertos, tomo consciência e faço isso plenamente, imaginando que entre essas
pequenas ausências e desesperanças, percebo que há uma beleza magistral no meu
incompleto. Que, às vezes, o que eu não tenho… é exatamente, percebam que
loucura, que ‘piração endoidecida’, é exatamente o que me move. A ausência de
meu Pai Francisco, em compensação graças ao Altíssimo tenho com saúde a minha
mãe Marcela (minha primeira professorinha) ainda está bem e está lá no Espírito
Santo, em Vila Velha, e sei que está sempre, haja o que houver, orando por mim.
Concluindo, talvez eu não tenha tudo. Porém
tenho saúde, tenho vida, esperança, vontade de viver, de viver, de viver e ser
feliz. Tenho o Aparecido, dois andares acima do meu (ainda não me ligou hoje...
nem me convidou para o café. Juro que aperto o pescoço dele quando me
interfonar). Entre tapas e beijos, penso
que ‘não estamos na obra do mundo para aniquilar o que é imperfeito, mas para
completar o que se encontra inacabado’. Esta frase está inserida no livro ‘Vinha
de Luz’, pelo espírito de Emmanuel, capítulo 32, psicografado por Francisco
Candido Xavier.
Título e Texto: Carina Bratt, da Lagoa
Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro, 2-11-2025
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