Gazeta do Povo
Impedidos de falar com a imprensa, de acessar as redes sociais, de receber visitas de amigos e conhecidos, forçados a não poder contar sua própria história, excluídos do debate público, condenados à morte social. O silenciamento forçado imposto por determinação do ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, tem sido a realidade dos presos do 8 de janeiro – mesmo daqueles que cumprem prisão domiciliar ou que sequer passaram por julgamento. Qual seria a lógica distorcida capaz de justificar tal medida? Apenas um desprezo absoluto pelo princípio fundamental da liberdade de expressão, garantido na Constituição brasileira e na legislação internacional, poderia justificar tal arbitrariedade.
Impor o silêncio a quem quer que seja, mesmo no caso de presos, é de uma crueldade atroz – não há previsão de uma pena assim na nossa legislação. Para que a Justiça estabeleça uma medida dessa gravidade, seria preciso demonstrar que uma entrevista a um veículo de comunicação ou o acesso às redes sociais poderia representar uma ameaça à ordem interna da prisão ou à ordem pública – e, as decisões do ministro Alexandre de Moraes que impõem tais restrições aos presos do 8 de janeiro, não trazem essa fundamentação. Pelo contrário: várias das ordens judiciais dirigidas aos diferentes presos são genéricas, repetindo os mesmos textos e determinações, sem individualizar as motivações para as medidas impostas.
Proibir os presos do 8 de
janeiro de dar entrevistas ou acessarem as redes sociais é um arbítrio tão
flagrante ao ordenamento jurídico – e também ao bom senso – que causa espanto o
quase absoluto silêncio da sociedade e das entidades que deveriam atuar pela
salvaguarda dos direitos fundamentais de todos os cidadãos
Um exemplo é Filipe Martins, ex-assessor da Presidência durante o mandato de Jair Bolsonaro, em prisão domiciliar desde agosto de 2024, proibido por Moraes de dar entrevistas “a qualquer meio de comunicação, incluindo jornais, revistas, portais de notícias, sites, blogs, podcasts e outros, sejam eles nacionais ou internacionais”, salvo expressa autorização do STF. Também consta a proibição ao uso de redes sociais. A Gazeta do Povo tem protocolado, há meses e sem sucesso, pedidos formais ao Supremo para entrevistar Martins e outros presos, mas a Corte, até o momento, não respondeu nenhum deles.
Imposições praticamente idênticas foram aplicadas aos demais presos do 8 de janeiro – famosos ou não – como Eliene Amorim de Jesus, uma manicure maranhense que obteve o direito à prisão domiciliar em abril deste ano, após dois anos detida na Unidade Prisional de Ressocialização Feminina (UPFEM), em São Luís (MA). Apoiadora de Bolsonaro e estudante de Psicologia, ela costumava frequentar atos de apoio ao ex-presidente com o objetivo de escrever um livro que, sob a ótica da Psicologia, explicaria as razões que motivavam a reunião de tantos desconhecidos por uma afinidade política. Após sua prisão, a Polícia Federal apreendeu seu celular e confirmou sua versão ao identificar rascunhos sobre o livro no bloco de notas do aparelho.
Os policiais não identificaram nenhuma evidência concreta de vandalismo cometido por Eliene no 8 de janeiro, mas, ainda assim, ela foi indiciada. Mesmo sem provas de violência, seu alvará de soltura inclui diversas medidas cautelares, como uso de tornozeleira eletrônica, proibição de receber visitas (com exceção de pais, irmãos e advogados) e as já tradicionais restrições à comunicação, tanto para entrevistas quanto para o uso de redes sociais. A Gazeta também enviou pedidos ao STF para entrevistá-la, mas, assim como nos pedidos referentes a Filipe Martins, não obteve resposta da Corte.
Essa conduta, de não permitir que presos concedam entrevistas, contrasta com a postura historicamente mais liberal do Judiciário em casos análogos – inclusive envolvendo detentos de altíssima periculosidade, como homicidas e traficantes. Criminosos célebres como Fernandinho Beira-Mar, Marcinho VP, Suzane von Richthofen e até mesmo “Pedrinho Matador” tiveram a oportunidade de se manifestar publicamente por meio da imprensa – e nada disso fere a lei: a Constituição Federal assegura a liberdade de expressão, a proibição de censura prévia e a liberdade de imprensa, e presos não perdem esses direitos automaticamente. Ainda assim, os presos do 8 de janeiro – muitos deles ainda sem sentença condenatória definitiva – continuam silenciados por determinação do ministro Moraes.
O contraste torna-se ainda mais eloquente diante do precedente estabelecido em 2018, quando o então ministro Ricardo Lewandowski, hoje ministro da Justiça, autorizou que o ex-presidente Lula, preso por corrupção e lavagem de dinheiro, concedesse entrevistas. Na ocasião, Lewandowski afirmou com clareza que impedir a manifestação de um preso seria instaurar censura e negar à sociedade o direito de ouvir sua versão dos fatos. O mesmo princípio deveria se aplicar aos réus do 8 de janeiro, que também têm o direito de narrar sua história – e a sociedade, o direito de ouvi-los e conhecer seu ponto de vista sobre a suposta tentativa de golpe de Estado ocorrida naquela data. Condenar alguém ao silêncio é uma prática comum apenas em países onde o Estado Democrático de Direito foi abolido e os direitos mais fundamentais se transformaram em letra morta, como nas ditaduras e regimes onde o autoritarismo é extremo.
Contar a própria história,
defender seu ponto de vista, ter direito à liberdade de expressão – ter voz –
não pode ser tratado como uma concessão, passível de revogação a qualquer
momento e sem qualquer justificativa. Proibir os presos do 8 de janeiro de dar
entrevistas ou acessarem as redes sociais é um arbítrio tão flagrante ao
ordenamento jurídico – e também ao bom senso – que causa espanto o quase
absoluto silêncio da sociedade e das entidades que deveriam atuar pela
salvaguarda dos direitos fundamentais de todos os cidadãos. Dar as costas a
mais esse absurdo, fingindo que se trata de uma medida proporcional e adequada,
ignorando a gravíssima violação ao direito fundamental da liberdade de
expressão, não é apenas omissão – é aceitação de que o Estado de Direito já não
existe no Brasil.
Título e Texto: Editorial, Gazeta do Povo, 31-5-2025, 19h
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É... o tempo passa, parece que agora vão sentar na bananinha...
Roubaram pelo menos R$ 6,3 bilhões dos aposentados. Quem foi preso? Ah, mas tem o “golpe” dos velhinhos do 8 de janeiro. Prendam os velhinhos!
ResponderExcluirVivemos o magnífico e majestoso, o respeitado e acima de tudo insofismável, coerente, infalível e transparente Estrado Demoniacrático de Direito. Nossa Desconstituição Fedemal é soberana, nossos ministros, estão acima de qualquer suspeita. Reclamar do quê?! Viva o brazzzzzzil...
ResponderExcluirAparecido Raimundo de Souza, de São Paulo, capital.