domingo, 29 de junho de 2025

STF cala 213 milhões de "pequenos tiranos"


Leandro Ruschel

Em 1215, quando a altiva nobreza inglesa empunhou a espada da liberdade contra o arbítrio real, nasceu a Carta Magna — primeira pedra fundamental dos direitos individuais e do princípio de que nem mesmo o monarca está acima da lei. 

Dali em diante, o Ocidente percorreu uma longa trilha de aperfeiçoamento institucional que culminou nos ideais eternizados na Declaração de Independência dos Estados Unidos: vida, liberdade e busca da felicidade. Esses ideais seriam selados nas palavras inaugurais da Constituição americana — We The People, “Nós, o Povo” — inequívoca afirmação de que todo poder emana dos indivíduos e apenas por concessão é confiado ao Estado. Numa ordem verdadeiramente liberal, a autoridade não repousa em reis, presidentes ou juízes, mas nos cidadãos que compõem a nação. 

É precisamente essa lógica que a ministra Cármen Lúcia intenta subverter ao proclamar: 

“Censura é proibida constitucionalmente, eticamente, moralmente, eu diria até espiritualmente. Mas não podemos permitir uma ágora em que haja 213 milhões de pequenos tiranos soberanos. Soberano é o Brasil, soberano é o Direito brasileiro.” 

A declaração beira o surreal. Tirania exige concentração de poder; poder, em última análise, é a faculdade de impor obediência pela coerção. O cidadão comum — carente de instrumentos coercitivos — jamais poderia ser chamado de tirano. Já os ministros do Supremo, apenas onze, detêm poder concreto e o dever precípuo de resguardar a Constituição, zelando pelas leis e pelos direitos fundamentais. É daí, e não do povo, que emana o risco autoritário. 

Por essa razão, a liberdade de expressão ergue-se como pilar da civilização ocidental: é o contrapeso que permite criticar e responsabilizar os poderosos. Regimes livres autênticos somam a esse pilar a separação entre Executivo, Legislativo e Judiciário, fragmentando o poder para impedir abusos. 

Contudo, num só golpe batizado de “regulação das redes”, o Supremo usurpou a competência legislativa de criar leis e, simultaneamente, feriu a liberdade de expressão ao compelir plataformas digitais a remover, sob ameaça, conteúdos rotulados de “antidemocráticos” — eufemismo transparente para opiniões críticas ao próprio tribunal e seus integrantes. 

Restam duas hipóteses, ambas inquietantes: ou a ministra desconhece o real significado de liberdade, ou engendra um pretexto para soterrar o alicerce de qualquer sociedade livre. Em qualquer caso, o Brasil avança mais um passo rumo ao arbítrio — não o arbítrio fictício de 213 milhões de “pequenos tiranos”, mas o de um punhado de autoridades. E outro ministro, sem pejo, já revelou de onde vem a inspiração: “somos admiradores do regime chinês.” 

Eis, pois, o perigoso retrato do momento: um tribunal constitucional que, em nome de combater tiranos imaginários, segue abertamente modelos autoritários bem reais.

Título e Texto: Leandro Ruschel, X, 28-6-2025 

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