Carina Bratt
Para meu Pai
Francisco, o velho militar seu ‘Chico’ que descia da sua patente e me abraçava
com a ternura de um Pai de verdade e pouco se importava com a autoridade que
seu cargo exigia.
SEMPRE LEMBRO DO MEU PAI. Sempre! Às vezes, do nada, a imagem dele me aparece num repente, se firma num instante inesperado que chega vindo de uma ternura imorredoura e persiste e perdura, tipo um ‘assim do nada’, e que permanece e resiste ao passar do tempo. Nessas horas, fica em mim guardada, ou melhor, resplandece em mim, um tempo saudoso, um ontem que aflora de um lugarzinho especial dentro da minha alma. Um tempo distanciado que colado na minha pele, me traz uma saudade sem pressa de ir embora.
Nessas
horas, é bom que se diga, as suas lembranças, os seus feitos de pai me tiram do
sério. A sua saudade ‘por um sempre’ me deixa vazia, oca por dentro, mas ao
mesmo tempo — como num passe de mágica — me transporta e ainda agora, me faz
viajar saudosa para um mundo incomensurável de recordações imorredouras.
Noutras vezes, a minha saudade se torna uma angústia de rosto comprido,
noutras, de olhos cheios de lágrimas, onde uma dor sem tamanho se achega
sorrateira e me destrói os pilares da menina mulher.
Nesses
instantes, uma aflição tresloucada me tira do prumo e não só isso, persiste em
me fazer voltar aos tempos em que esse general linha dura (naquele tempo nem
general ele era), aquele jovem militar de cara feia, de rosto fechado,
comandava um monte de soldados em formação, ainda na saudosa Curitiba, ou mais
precisamente nas dependências do ‘Forte do Pinheirinho’. Curitiba é a cidade
onde vim ao mundo exatos trinta e seis anos atrás. Lembro que a mãe me levava
no quartel e quando chegávamos, por lá, me recordo que papai muitas vezes
diante de um batalhão formado para instruções, eu fazia a gentileza de me
desvencilhar das mãos da mamãe e sair em correria desembestada. Nossa!
Sapeca, ziguezagueava em meio as fileiras deixando todo mundo em polvorosa. E meu pai, nessas horas, sorria mavioso. Não brigava, e sem deixar a pose da autoridade da farda que usava, saia correndo atrás de mim, gritando para os recrutas, ‘peguem essa mocinha’ e diante dessa ordem, aquela garotada nova ficava sem saber se saia da fila, se largava as armas ou um mais afoito tinha a coragem suficiente de me pegar no colo e me entregar ao meu ‘papito’. O fato é que ele sorria de um canto a outro, sem brigar com ninguém, sem chamar a atenção e sem descer da alta pose do seu cargo.
Bons
tempos que não voltam, a não ser em pequenas tiras de lembranças que ao
aflorarem, me transportam para um tempo de felicidade plena. Tantos depois,
quando ‘assinou um documento’ para que eu viajasse com o Aparecido e as
recomendações. ‘Meu bebê está indo em uma. Se voltar em duas, vou buscar o
senhor debaixo da cama da sua mãe’. Anos
depois, no leito de morte, papai no hospital, dizendo para o Apa: ’Que pena que
o senhor levou a sério as minhas palavras. Minha filha vai continuar viajando
com o senhor e a minha esposa ficará sozinha, sem uma criança peralta como era
a nossa princesinha correndo por toda a casa...’.
São
lembranças perpétuas, que não envelhecem, que não morrem, que ficam no ‘para
sempre’ das nossas recordações. A minha mãe, senhora dona Marcela, ainda está
inteira, sacudida, um pouco magoada e triste pela ausência de papai. Sempre a
pego chorando, no quarto, e nessas horas, o que a faz sorrir de modo tímido, é
uma caixinha que papai deu a ela, no aniversário de casamento. Uma caixinha
onde estão guardadas fotos de antigos janeiros, como eu no colo dos dois,
outras tantas com euzinha correndo pelo quintal imenso da casa do bairro da
Cachoeira, em Curitiba. Outras tantas eu de uniforme nas dependências da escola
Romário Martins...
Papai
não está mais aqui, ou melhor, está sim. Claro que está. Se faz presente no meu
coração. A farda de general ainda está no quarto da mãe, as insígnias,
entrelaçadas a um bocado de fotos por todos os campos e quarteis por onde
passou. Não sei se um dia voltarei a estar com ele. Às vezes, me pergunto se depois que morremos,
em algum lugar especial a gente — melhor dito, os entes queridos voltam a se
encontrar.
Guimarães
Rosa dizia que ‘as pessoas não morrem, ficam encantadas’. Acreditando nessa
verdade, fico me questionando se um dia verei papai de novo, se poderei me
aconchegar em seus braços e dizer, ‘papito, eu te amo’. Em resumo, ‘a gente
morre não é para provar que viveu, ou que passou por aqui, mas para deixar nos
olhos e no coração do Pai Maior, a esperança viva de que um dia — um dia, não
sei quando, todos nós voltaremos a ser aquela grande família unida que um dia
tivemos o prazer de ser quando estivemos de passagem por estas Terras’.
Título e Texto: Carina Bratt, de Vila Velha, no Espírito Santo, 14-12-2025
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