sábado, 25 de outubro de 2025

É só um cão, não é uma pessoa!

Aproveitar a oportunidade de alguém estar a sofrer para a educar acerca de dimensões e proporções de dor é a melhor definição da antítese da empatia

Ana Moniz

Empatia é uma daquelas palavras que de tão repetida já toda a gente se cansou de ouvir. Infelizmente cansámo-nos muito antes de a integrarmos no nosso modo de estarmos uns com os outros. Gostamos de pensar em nós como “muito empáticos”, mas parece-me talvez das palavras cujo significado e modo de operacionalizar mais permanecem obscuros. E é uma daquelas expressões que perdem o valor quando é o próprio a dizer, tal como perderia o valor alguém dizer de si próprio «Sou um líder carismático!» ou «Eu sou uma pessoa muito empática!». A empatia é reconhecida pelos outros, sobretudo os que são diferentes de nós e a quem, apesar das diferenças, nos conseguimos ligar. Quando trabalho a empatia nos cursos que dou costumo pedir as definições dos participantes e aparecem expressões como «calçar os sapatos do outro»; «compreender a outra pessoa…»; «não fazer juízos de valor…». Avançamos então para a prática, peço para imaginarem uma conversa com alguém que eles conhecem e, perante o que a pessoa lhes diz, o objetivo é responderem com empatia. Em seguida projeto uma frase, costumo usar bastante esta:

– «Desde que o meu cão morreu que não consigo sair de casa…»

E começam a aparecer as respostas que de tão familiares até parecem empáticas:

– «Eu percebo, gostavas muito dele, mas a vida continua!»

– «Precisas é de ir viajar!»

Há quem abdique de lamechices e opte por dar uma ajuda prática sugerindo:

– «Porque é que não arranjas outro?»

E por vezes aparece:

– «É só um cão, não é uma pessoa!»

Aproveitar a oportunidade de alguém estar a sofrer para a educar acerca de dimensões e proporções de dor é a melhor definição da antítese da empatia. E aqui está a nossa maior dificuldade: somos próximos uns dos outros, mas somos intrusivos, emaranhados e intrincados. Temos muitas opiniões e gostamos de as fazer saber. Em vez da tal experiência de calçar os sapatos e ver da perspectiva do outro, calçamos-lhes uns sapatos à força e arrastamo-los para verem da nossa perspectiva e fazer o que “é óbvio” que está certo.

Viktor Frankl, psiquiatra, psicoterapeuta e sobrevivente do Holocausto, escreveu no seu livro O homem em busca de um sentido:

«O sofrimento de um homem é semelhante ao comportamento do gás. Se uma certa quantidade de gás for bombeada para uma câmara vazia, ela preencherá a câmara completa e uniformemente, não importa o tamanho da câmara. Assim, o sofrimento preenche completamente a alma humana e a mente consciente, não importa se o sofrimento é grande ou pequeno. Por isso o “tamanho” do sofrimento humano é absolutamente relativo». E por isso, sobretudo nos nossos tempos e nas grandes cidades existe dor e luto independentemente de ser por uma pessoa ou um chihuahua.

Mas o que fazer às nossas opiniões e juízos de valor? É que temos tantos sobre tanta coisa.

A minha sugestão seria: não diga assim e não diga agora. É que a confiança em alguém vem de, nos momentos de maior sofrimento, podermos estar só a contar o que se passa conosco, sem críticas nem receitas para a vida.

Título e Texto: Ana Moniz, SOL, 24-10-2025, 9h30 

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