Aparecido Raimundo de Souza
A BABÁ VINHA logo atrás da menina que pilotava um carrinho cor de rosa importado, movido a bateria, esses da boneca Barbie, com capacidade para quatro crianças. A pequena condutora era a filha da patroa. Distraída, a motorista tocava o carrinho a seu bel prazer, dirigindo aos trancos e barrancos, sem olhar exatamente onde passar. Com isso, atropelava as pessoas que iam e vinham pelo calçadão da praia, enquanto a babá, grudada no celular, sequer dava a devida atenção por onde a mocinha seguia em guinadas à torto e a direito.
Ao se aproximarem de mim, resolvi fazer uma brincadeira com a jovem. Indaguei, de supetão, o rosto fechado, para dar mais seriedade à abordagem:
— Bom dia, senhorita.
A jovem parou de “futucar” o telefone para me atender:
— Pois não?
— Estou vendo essa mocinha linda e simpática dirigindo esse carrinho. Acaso é sua filha?
— Não senhor. É da minha patroa, dona Elisa.
— A senhorita, por acaso, está com os documentos da futura motorista?
— Sim, a certidão de nascimento, cartão de vacina, autorização dos pais dela para viajar com a pequena para onde for necessário...
— Só?
— Sim. Por qual motivo?
— A senhorita sabe se ela está portando a carteirinha de habilitação profissional para dirigir?
— Meu Deus, moço, agora o senhor me pegou. Eu não trouxe. E dona Elisa não me disse que precisaria... O que faço?
— Calma. Relaxa...
A babá assustada, passou a revirar a bolsa:
— Deixa eu ver.… de repente dona Elisa colocou esse documento no meio das minhas coisas. Não sabia que precisava. Meu Deus, moço. Que atitude devo tomar?
— Vou pedir que a senhorita retire a criança do carrinho...
A babá se abaixou e pegou no colo a pequena de olhos verdes. Num primeiro momento, ela fica zangada. Se abriu em choro copioso, fez pirraça, não querendo deixar a direção:
— Pronto...
— Vou precisar que pergunte a ela se essa fofura tem habilitação para dirigir.
— Não senhorita. Obviamente a mãe dela. Esse tiquinho de gente já sabe falar?
— Claro que não. Poucas coisas. Moço, pelo amor de Deus, eu nem sabia que para dirigir um carrinho de criança carecia de habilitação. Por acaso isso é alguma lei nova?
— Não senhorita...
— E agora, o que faço. Por favor, me dá um minuto. Deixa eu ligar para minha patroa. Qualquer coisa ela vem aqui e traz o documento. O senhor é da polícia?
— Não. Sou do SPC ou melhor dito, do Serviço de Proteção às crianças.
— Minha nossa? SPC?
— Sim, SPC. Por qual motivo o espanto?
— Pensei que o SPC fosse só para quem tem o nome sujo!
— A senhora tem problemas com seu nome? Está no SPC?
— Sim, moço... me ajuda, preciso desse emprego...
— Por qual motivo está figurando no SPC?
— Comprei um telefone celular, estava distraída e fui roubada. Por conta disso, deixei de pagar...
— Pois então. Agora a senhorita figurará também no outro SPC, ou seja, no SPC que eu represento. Falo do Serviço de Proteção às Crianças. Com isso, a senhorita se verá “pendurada” não só pelo celular não pago no Serviço de Proteção ao Crédito e agora, a partir desse momento, no outro SPC, como disse, no Serviço de Proteção às Crianças, por consentir que uma menor inabilitada dirija um carrinho (ainda que de brincadeira) sem a devida habilitação...
— Moço, pelo amor de Deus, como lhe disse, preciso desse emprego. Deixa eu ligar para minha patroa...
— Negativo, moça. Vou confiscar o carrinho e o seu celular...
A babá estava ficando cada vez mais nervosa. Do nada, começou a tremer e a chorar, mais alto que a criança que cuidada, entre aspas:
— Calma, senhorita. Calma. Vamos resolver numa boa. A senhorita tem habilitação?
— Por incrível que pareça, sim.
— Então façamos o seguinte. Vou quebrar seu galho. A senhorita coloca a menina no banco de trás, entra no carrinho, pega a direção e conduza o brinquedo com todo cuidado. Por tudo quanto é sagrado. Não vá me atropelar as pessoas, sejam elas novas ou em idade avançada. Enfim, senhorita, qualquer criatura que esteja indo ou vindo distraída, por esse imenso calçadão. Veja como tem gente aos borbotões. Parece até feira livre.
A babá, ainda em prantos, de fato, guardou na bolsa o celular:
— Mas senhor, eu não caibo nesse carrinho. Olhe para o meu tamanho. Não posso ir empurrando? Levo a menina pela mão. Eu trabalho duas quadras daqui...
— Ok. Então faça isso...
A babá pegou a criança pelo bracinho, ainda chorado e se afastou o mais devagar que conseguiu, ao tempo em que cautelosamente empurrava o carrinho em direção ao condomínio de sua patroa. Eu fiquei onde estava. Parado, pasmado, ao mesmo tempo estático, rindo feito um desmiolado. Falando com meus botões, a certa altura, observei:
— Pelo menos a danada da babá ficou bastante assustada e deixou de brincar no celular e dar mais atenção ao serviço para o qual foi contratada. Irresponsável, essa geração de hoje em dia.
Título e Texto: Aparecido Raimundo de Souza, de Vila Velha, no Espírito Santo, 21-10-2025
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