sexta-feira, 10 de outubro de 2025

[Aparecido rasga o verbo] Objeto não identificado

Aparecido Raimundo de Souza

O CASALZINHO, dentro do carro, parado num mirante existente no final daquela rua deserta, namora, de frente para o mar. Entre amassos e beijos, permutam juras de eterna felicidade.

O rapaz: — De quem são esses olhinhos?
A moça: — São seus, meu bem.
O rapaz: — Essa orelhinha?

A moça: — É sua, meu amor.
O rapaz: — De quem são esses lábios vermelhos e saborosos como pedacinhos de abacaxi?
A moça: — São seus, também.

O rapaz: — De quem é esse sorriso que me faz viajar na maionese e me lambuza como uma criança peralta?
A moça: — É seu meu gatinho. É tudo seu, só seu...
O rapaz: — De quem são esses cabelos compridos, lisos, macios e sedosos?

A moça: — São seus, meu príncipe encantado.
O rapaz: — De quem é essa linguinha quentinha dentro dessa boquinha que me acaricia o âmago da alma?
A moça: — É sua, amor, é todinha sua... de mais ninguém...

O rapaz: — E de quem é esse narizinho lindo que quando se esfrega no meu me faz viajar na respiração de mundos desconhecidos?
A moça: — Seu, meu amor. Tudo que é meu é seu....
A seção de agarros continua. Mãozinha boba pra lá, mãozinha boba pra cá.

O rapaz segue cheio de ideias avassaladoras:
— De quem é esse queixinho?
A moça: — E seu, é saiba que eu amo de paixão quando você me morde ele todinho...
O rapaz: — De quem “são todos os demais” beautés rare* que eu não enumerei, mas que falam elegantemente de você?

A moça: — Não sei o que essas palavras significam, mas seja lá o que for, “são todos os demais” seus, meu pedaço de caminho gostoso.
O rapaz: — Ótimo. Folgo em saber... de quem é essa barriquinha?
A moça: — De quem mais poderia ser?

O rapaz: — Quero que você fale. De quem é? De quem?
A moça: — Sua, meu amor, toda sua...
O rapaz: — De quem é essa pintinha maravilhosa que você tem dentro do umbiguinho?

A moça: — É sua meu lindo, é toda sua.
O rapaz: — Agora me diga de quem é essa coisinha quentinha pulsando dentro da calcinha?
A moça, se abrindo trêmula, suando em bicas, quase a ponto de se entregar às voluptuosidades do proibido:
— Estou toda mo... acho que vou... vou...

O rapaz: — Primeiro responda de quem é essa coisinha quentinha? Vamos, fale, minha sem vergonha. Faleeeeeeeeeeeee...
A moça: — Já que... ai... já que você faz questão... primeiro tira seu dedindo daí... eu...
O rapaz: — De quem é? Fale, fale, fale... quero saber...

A moça: — Pre... preciso falar, amor? É sua.... É toda sua. Agora, por favor, esse maldito dedinho maroto vai me fazer...
O rapaz: — Termina o que ia dizer...
A moça: — Estou quase go...

Nisso chega um assaltante a pé, sem que ambos percebam. Antes de anunciar o assalto, o sujeito se prostra escutando a conversa dos pombinhos. Dentro do carro, o rapaz cego pelas bolinações continua querendo matar a sua tara descomedida que parece não ter fim. Prossegue meloso:

— Está quase o quêêêêêê...?

Antes que ela complete, o meliante entra em ação e acaba com a farra. Saca do revólver e encosta na cabeça do namorado curioso que toma um tremendo susto. A garota com essa intromissão indesejada, se recompõem baixando a sainha jeans ocultando o que não deveria estar exposto. Nervosa, começa a chorar. Pouco falta para entrar em pânico. O bandido, sem fazer muito alarde, mostra a que veio:
O intruso, rindo da cena:

— Tudo bem, calma, senhorita. Fica tranquila. Eu ia “arrepiar”, vocês dois, deixar ambos pelados e a pé. Como hoje estou de boa, resolvi quebrar o galho, “tá ligado”? Vou passar batido. Só quero avisar uma coisa, ou melhor, pedir, “tá ligado”? Prestem atenção. Se por acaso encontrarem um guarda-chuva preto perdido por aí, não se esqueçam. É meu. Ganhei de minha falecida mãe. E aí, “tamo entendido”?

Sem esperar resposta, o enjoado, da mesma forma que chegou, guardou a arma, acertou o boné na cabeça e girando sobre si mesmo sumiu na escuridão.

* Beautes rates: termo em francês que significa belezas raras.

Título e Texto: Aparecido Raimundo de Souza, de Vila Velha, ES, 10-10-2025

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