quarta-feira, 22 de outubro de 2025

O Caso que nos julga


Rafael Nogueira

Não é “mais um caso”. É O Caso. E não por falta de material, mas por excesso de despropósito. Filipe, jovem inteligente, conselheiro do presidente (sem poder de decisão), virou peça de uma máquina que, em nome da democracia, desaprendeu o ABC da lei e do respeito ao indivíduo. O leitor faça a bondade de trocar o nome pelo de alguém próximo: filho, amigo, noivo, neto. Se não mexe com você, o problema deixou de ser jurídico. É de consciência.

A prisão preventiva nem deveria ter sido cogitada. O tal “risco de fuga” que lhe daria justificativa está baseado numa viagem que não houve. Quando ele já estava preso, brotaram registros migratórios nos EUA — todos falsos — para mantê-lo por mais de 185 dias no cárcere. Contagem de hoje. Vai saber onde isso vai parar? A história agora viaja, ora ora, para uma investigação nos EUA.

No mérito, tudo se baseia numa delação de terceiro, aquela da suposta reunião antecipatória de “golpe”. Delação não é prova. É buzina para chamar a prova. Daí veio o depoimento de um general e uma caderneta de entradas no Alvorada. Depois, por escrito, o general avisou que não podia cravar presença nenhuma, e um “possivelmente” foi promovido a “esteve lá”, por força mesmo.

A defesa trouxe geolocalização, corridas de aplicativo e versões oficiais anteriores, via Lei de Acesso à Informação, que desmentiam viagens e quaisquer papéis da vez. Encerrada a instrução, surgem cópias reprográficas do nada. Ao olhar de perto: rasuras, caligrafias que trocam de mão, assinaturas com humor variável. Erguem andares e mais andares sobre a lama da confusão e/ou da mentira. Uma hora dá bode.

E que tal o agravante do momento? Em ofício ao STF, o delegado tenta converter crítica pública em crime: “milícia digital” é o de novo o espantalho da semana, levando advocacia, imprensa e cidadãos questionadores para o rol dos criminosos. Na mesma peça, há uma confissão involuntária de que se pode prender sem atentar ao básico. Nada de checar cadastros, companhias aéreas, bancos, bases públicas, Diário Oficial. Bastaria o mínimo: voo doméstico posterior, residência em Ponta Grossa, cartões passando, listas de passageiros sem o nome do sujeito desde janeiro de 2023. Desde outubro de 2023, a geolocalização monitorada dizia: no Brasil. Mesmo assim, mantém-se o cárcere.

A Constituição protege a advocacia e a imprensa. A Democracia repousa na liberdade de expressão. A defesa chamou o conjunto de “conduta ultrajante” e pediu a anulação do inquérito, a limpeza dos ataques a advogados e jornalistas, a apuração disciplinar, a produção das provas suprimidas e as devidas representações a órgãos de controle daqui e de lá.

Não é só Filipe. O caso o transcende. Hoje é ele; amanhã, qualquer CPF. Quando o papel dos burocratas é ignorar dúvidas públicas mais que razoáveis e submeter cidadãos por serem opositores ao regime do momento, quando a conveniência dos poderosos manda na probidade processual, esquerda e direita já não importam mais. O vocabulário perdeu o sentido. Porque Direito não tem lado. Direito tem processo, limite e equidade. O que sobra chama-se humanidade.

Se aceitamos o padrão, assinamos cheque em branco. E o caso nos devolve a pergunta: quando for conosco, preferiremos a frieza da lei ou um direito conforme a torcida?

Ano que vem, na urna, façamos o mínimo: vamos prestigiar quem não foi negligente com Filipe e com os presos de 8 de janeiro. Vamos negar o voto a quem, por oportunismo ou irresponsabilidade, empurrou gente comum para o rótulo de “perigosa”. Se a soberania é do povo, não de grupos infiltrados no Estado, nem de elites que se julgam donas do país, voltemos aos fatos, e me responda, por gentileza: com esses elementos, você condenaria alguém? E, se não, tolera que condenem em seu nome?

Título e Texto: Rafael Nogueira, O Dia, 22-10-2025; Arte: Paulo Márcio

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