terça-feira, 7 de outubro de 2025

Dificuldades para a Teoria do Contrato Social

James Rachels

A Teoria do Contrato Social é uma das quatro principais opções na filosofia da moral atual. As outras são o Utilitarismo, o Kantianismo e a Teoria da Virtude. Não é difícil entender o porquê

A teoria explica muita coisa sobre a vida moral de um jeito econômico e sensato. O que pode ser dito contra ela? As duas objeções seguintes parecem ser as de maior peso.

1 – A objeção mais comum tem sido a de que a Teoria do Contrato Social é baseada numa ficção histórica. Pede-se que se imagine que as pessoas uma vez já viveram isoladas umas das outras; e que elas acharam algo de intolerável; então por fim se uniram, concordando em seguir regras sociais de benefício mútuo. Mas nada disso nunca aconteceu. É apenas uma fantasia. Portanto, qual a sua relevância?

Sem dúvida, se as pessoas, tivessem se unido dessa forma, poderíamos explicar suas obrigações umas para com as outras como sugere a teoria: elas seriam obrigadas a seguir as regras porque teriam se comprometido a fazê-lo. Mesmo assim, ainda haveria problemas. Teríamos de enfrentar questões como: O arranjo foi unânime? Em caso negativo, o que fazer com as pessoas que não assinaram – não é exigido que elas ajam moralmente?

E se o contrato foi consumado há muito tempo, deveríamos nos sobrecarregar por causa dos acordoas assumidos por nossos ancestrais? Em caso negativo, como o “contrato” é renovado a cada nova geração?

Suponha que alguém diga “Eu não concordei com esse contrato e não quero participar dele.” Na verdade, nunca houve tal contrato, portanto, nada pode ser inteligentemente explicado apelando-se a isso.

Conforme a observação perspicaz de um crítico, o contrato social “não vale o papel em que não está escrito”

Em resposta, deve ser dito que há um contrato social implícito pelo qual estamos todos interligados. Na verdade, nenhum de nós assinou um contrato “real” – não há uma folha de papel com as assinaturas. Contudo, um acordo social muito parecido com aquele descrito pela Teoria do Contrato Social com certeza existe: há um conjunto de regras ao qual todos reconhecem estar ligados e todos nós nos beneficiamos do fato que essas regras são seguidas.

Cada um de nós aceita os benefícios conferidos por esse acordo e, mais do que isso, esperamos e encorajamos as pessoas a continuarem a observar as regras. Esta é uma descrição do estado atual das coisas, não é ficção. Ao aceitarmos os benefícios deste acordo, deixamos recair em nós mesmos a obrigação de fazer nossa parte para apoiá-lo – em outras  palavras, fazemos o que chamamos de reciprocidade.

O contrato é “implícito” porque nos tornamos parte dele não por meio de nossas palavras, mas de nossas ações, à medida que participamos de instituições sociais e aceitamos os benefícios da vida em sociedade.

Dessa forma, a história do “contrato social” não precisa ter a intenção de descrever eventos históricos. Em vez disso, é uma ferramenta analítica útil, baseada na ideia de que podemos entender nossas obrigações morais como se elas tivessem surgido dessa maneira.

Considere a seguinte situação: suponha que você encontrou um grupo de pessoas jogando um elaborado jogo. Parece divertido, portanto, você se une ao grupo. Após um tempo, contudo, começa a infringir algumas das regras, porque assim parece mais divertido. Os outros protestam: eles dizem que, se quiser jogar, você deve seguir as regras. Você reponde que nunca prometeu aceitar as regras. Eles podem imediatamente responder que isso não é relevante. Talvez ninguém tenha se comprometido explicitamente a obedecer. Entretanto, ao participar do jogo, cada um implicitamente concorda em obedecer às regras que o tornam possível. É como se todos tivessem concordado.

A moralidade também é assim. O jogo é a vida em sociedade. Tiramos benefícios enormes dela e não queremos abandoná-los, mas, para jogar o jogo e conseguir os benefícios, temos de seguir as regras.

Não está claro até que ponto os grandes teóricos do contrato social, tais como Hobbes e Rousseau, aceitariam essa forma de defender suas visões. Mas não importa. Essa resposta parece salvar a teoria de que, de outra forma, seria uma objeção devastadora.

2 – Já observamos que as teorias da moral devem prover uma ajuda para lidar com assuntos morais práticos. As teorias importantes fazem isso, mas muito frequentemente uma teoria que esclarece um assunto apenas deixa o outro confuso. Para cada teoria, existem alguns assuntos nos quais seus pronunciamentos parecem estar exatamente certos, mas problemas aparecem quando, em uma outra questão, as implicações da teoria parecem inaceitáveis.

Quando consideramos o problema da desobediência civil, a Teoria do Contrato Social parecia estar certa. Mas, em relação a outras questões, suas implicações são mais incômodas.

A segunda objeção contra a Teoria do Contrato Social, que para mim parece ser mais poderosa do que a primeira, diz respeito a suas implicações para a nossa obrigação em relação aos seres que não são capazes de participar do contrato.

Os animais não humanos, por exemplo, não têm a capacidade necessária para entrar em qualquer tipo de acordo conosco, não importa se explícito ou implícito. Assim, parece impossível incluí-los em quaisquer “regras de benefício mútuo” estabelecidas em tais acordos. Todavia, não é moralmente errado torturar um animal quando não há uma boa razão para fazê-lo? Não é errado agir dessa forma em razão da dor causada ao próprio animal?

Mas a ideia da obrigação moral a respeito dos seres que não são parte do contrato parece contrária à ideia mais básica que está por trás da teoria. Assim, esta parece falha.

Hobbes estava ciente de que, segundo sua visão, os animais estão excluídos das considerações morais. Ele escreveu que “fazer pactos com animais ferozes é impossível”. Aparentemente, isso não o preocupou. Os animais nunca foram bem tratados pelos humanos, mas, na época de Hobbes, eles foram especialmente pouco considerados.

Descartes e Malebranche, dois contemporâneos de Hobbes, popularizaram a ideia de que os animais não eram sequer capazes de sentir dor. Para Descartes isso era decorrência de serem os corpos dos animais meras máquinas, pois não tinham almas; para Malebranche, era necessário para a razão teológicas que o sofrimento fosse uma consequência do pecado cometido por Adão, e os animais não são descendentes de Adão.

Independentemente da razão, entretanto, a visão deles era que os animais não podiam sofrer, portanto, estavam além do alcance das considerações morais. Isso capacitou os cientistas do século XVII a fazer experimentos em animais sem se preocupar com seus “sentimentos” não existentes.

Nicholas Fontaine, uma testemunha ocular, descreveu uma visita a um desses laboratórios em sua autobiografia, publicada em 1738:

Eles batiam nos cachorros com total indiferença e zombavam daqueles que tinham piedade dos animais, como se eles sentissem dor. Eles diziam que os animais eram relógios, que os gritos que eles emitiam quando recebiam uma pancada eram apenas os sons de uma pequena mola que havia sido tocada, mas que o corpo como um todo não sentia dor. Eles pregavam os pobres animais pelas quatro patas em cima de bancadas para dissecá-los e ver a circulação do sangue que era um grande assunto para discussão.

Se nós temos alguma obrigação de não causar sofrimento desnecessário aos animais, é difícil ver como essa obrigação poderia ser acomodada na Teoria do Contrato Social. Contudo, muitas pessoas, como Hobbes, podem não achar isso muito preocupante, pois não consideram a questão da obrigação a meros animais tão urgente. No entanto, há uma dificuldade adicional, de um tipo similar, que talvez faça-os parar.

Muitos humanos são mentalmente debilitados a ponto de não poderem participar do tipo de acordo previsto pela Teoria do Contrato Social. Certamente, eles são capazes de sofrer e mesmo de viver uma vida humana simples. Porém, eles não têm discernimento suficiente para entender as consequências de suas ações. Talvez nem saibam quando estão machucando outra pessoa. Assim, não podemos responsabilizá-los pelas suas condutas.

Esses humanos apresentam exatamente o mesmo problema apresentado na teoria que os animais não humanos. Uma vez que não podem participar do acordo que, segundo a teoria, eleva as obrigações morais, eles estão fora do reino das considerações morais.

Entretanto, com certeza pensamos que temos obrigações morais em relação a eles. Ademias, nossas obrigações em relação a eles geralmente estão baseadas exatamente nas mesmas razões das nossas obrigações em relação aos humanos normais – a razão principal para não torturar pessoas normais, por exemplo, é a dor terrível causada a elas.

É exatamente por essa razão que não devemos torturar as pessoas mentalmente debilitadas. A Teoria do Contrato Social pode explicar nossa obrigação num caso, mas não no outro.

Esse problema não diz respeito a alguns aspectos secundários da teoria; ela vai diretamente ao núcleo desta. Portanto, a menos que se encontre algum modo de remediar essa dificuldade, o veredicto deve ser que a ideia básica da teoria é falha.

Título e Texto: James Rachels, in “Os Elementos da Filosofia da Moral”, páginas 157 a 161; Digitação: JP, 7-10-2025

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