James Rachels
A Teoria do Contrato
Social é uma das quatro principais opções na filosofia da moral atual. As
outras são o Utilitarismo, o Kantianismo e a Teoria da Virtude. Não é difícil
entender o porquê
1
– A objeção mais comum tem sido a de que a Teoria do Contrato Social é baseada
numa ficção histórica. Pede-se que se imagine que as pessoas uma vez já viveram
isoladas umas das outras; e que elas acharam algo de intolerável; então por fim
se uniram, concordando em seguir regras sociais de benefício mútuo. Mas nada
disso nunca aconteceu. É apenas uma fantasia. Portanto, qual a sua relevância?
Sem
dúvida, se as pessoas, tivessem se unido dessa forma, poderíamos
explicar suas obrigações umas para com as outras como sugere a teoria: elas
seriam obrigadas a seguir as regras porque teriam se comprometido a fazê-lo.
Mesmo assim, ainda haveria problemas. Teríamos de enfrentar questões como: O arranjo
foi unânime? Em caso negativo, o que fazer com as pessoas que não assinaram –
não é exigido que elas ajam moralmente?
E
se o contrato foi consumado há muito tempo, deveríamos nos sobrecarregar por
causa dos acordoas assumidos por nossos ancestrais? Em caso negativo, como o
“contrato” é renovado a cada nova geração?
Suponha
que alguém diga “Eu não concordei com esse contrato e não quero participar
dele.” Na verdade, nunca houve tal contrato, portanto, nada pode ser
inteligentemente explicado apelando-se a isso.
Conforme
a observação perspicaz de um crítico, o contrato social “não vale o papel em
que não está escrito”
Em
resposta, deve ser dito que há um contrato social implícito pelo qual
estamos todos interligados. Na verdade, nenhum de nós assinou um contrato
“real” – não há uma folha de papel com as assinaturas. Contudo, um acordo
social muito parecido com aquele descrito pela Teoria do Contrato Social com
certeza existe: há um conjunto de regras ao qual todos reconhecem estar ligados
e todos nós nos beneficiamos do fato que essas regras são seguidas.
Cada um de nós aceita os benefícios conferidos por esse acordo e, mais do que isso, esperamos e encorajamos as pessoas a continuarem a observar as regras. Esta é uma descrição do estado atual das coisas, não é ficção. Ao aceitarmos os benefícios deste acordo, deixamos recair em nós mesmos a obrigação de fazer nossa parte para apoiá-lo – em outras palavras, fazemos o que chamamos de reciprocidade.
O
contrato é “implícito” porque nos tornamos parte dele não por meio de nossas
palavras, mas de nossas ações, à medida que participamos de instituições
sociais e aceitamos os benefícios da vida em sociedade.
Dessa
forma, a história do “contrato social” não precisa ter a intenção de descrever
eventos históricos. Em vez disso, é uma ferramenta analítica útil, baseada na
ideia de que podemos entender nossas obrigações morais como se elas tivessem
surgido dessa maneira.
Considere
a seguinte situação: suponha que você encontrou um grupo de pessoas jogando um
elaborado jogo. Parece divertido, portanto, você se une ao grupo. Após um
tempo, contudo, começa a infringir algumas das regras, porque assim parece mais
divertido. Os outros protestam: eles dizem que, se quiser jogar, você deve
seguir as regras. Você reponde que nunca prometeu aceitar as regras. Eles podem
imediatamente responder que isso não é relevante. Talvez ninguém tenha se
comprometido explicitamente a obedecer. Entretanto, ao participar do jogo, cada
um implicitamente concorda em obedecer às regras que o tornam possível. É como se
todos tivessem concordado.
A
moralidade também é assim. O jogo é a vida em sociedade. Tiramos benefícios
enormes dela e não queremos abandoná-los, mas, para jogar o jogo e conseguir os
benefícios, temos de seguir as regras.
Não
está claro até que ponto os grandes teóricos do contrato social, tais como
Hobbes e Rousseau, aceitariam essa forma de defender suas visões. Mas não
importa. Essa resposta parece salvar a teoria de que, de outra forma, seria uma
objeção devastadora.
2
– Já observamos que as teorias da moral devem prover uma ajuda para lidar com
assuntos morais práticos. As teorias importantes fazem isso, mas muito
frequentemente uma teoria que esclarece um assunto apenas deixa o outro
confuso. Para cada teoria, existem alguns assuntos nos quais seus
pronunciamentos parecem estar exatamente certos, mas problemas aparecem quando,
em uma outra questão, as implicações da teoria parecem inaceitáveis.
Quando
consideramos o problema da desobediência civil, a Teoria do Contrato Social
parecia estar certa. Mas, em relação a outras questões, suas implicações são
mais incômodas.
A
segunda objeção contra a Teoria do Contrato Social, que para mim parece ser
mais poderosa do que a primeira, diz respeito a suas implicações para a nossa
obrigação em relação aos seres que não são capazes de participar do contrato.
Os
animais não humanos, por exemplo, não têm a capacidade necessária para entrar
em qualquer tipo de acordo conosco, não importa se explícito ou implícito.
Assim, parece impossível incluí-los em quaisquer “regras de benefício mútuo”
estabelecidas em tais acordos. Todavia, não é moralmente errado torturar um
animal quando não há uma boa razão para fazê-lo? Não é errado agir dessa forma
em razão da dor causada ao próprio animal?
Mas
a ideia da obrigação moral a respeito dos seres que não são parte do
contrato parece contrária à ideia mais básica que está por trás da teoria.
Assim, esta parece falha.
Hobbes
estava ciente de que, segundo sua visão, os animais estão excluídos das
considerações morais. Ele escreveu que “fazer pactos com animais ferozes é
impossível”. Aparentemente, isso não o preocupou. Os animais nunca foram bem
tratados pelos humanos, mas, na época de Hobbes, eles foram especialmente pouco
considerados.
Descartes
e Malebranche, dois contemporâneos de Hobbes, popularizaram a ideia de que os
animais não eram sequer capazes de sentir dor. Para Descartes isso era
decorrência de serem os corpos dos animais meras máquinas, pois não tinham
almas; para Malebranche, era necessário para a razão teológicas que o
sofrimento fosse uma consequência do pecado cometido por Adão, e os animais não
são descendentes de Adão.
Independentemente
da razão, entretanto, a visão deles era que os animais não podiam sofrer, portanto,
estavam além do alcance das considerações morais. Isso capacitou os cientistas
do século XVII a fazer experimentos em animais sem se preocupar com seus
“sentimentos” não existentes.
Nicholas
Fontaine, uma testemunha ocular, descreveu uma visita a um desses laboratórios
em sua autobiografia, publicada em 1738:
Eles batiam nos cachorros com total indiferença e zombavam
daqueles que tinham piedade dos animais, como se eles sentissem dor. Eles
diziam que os animais eram relógios, que os gritos que eles emitiam quando
recebiam uma pancada eram apenas os sons de uma pequena mola que havia sido
tocada, mas que o corpo como um todo não sentia dor. Eles pregavam os pobres
animais pelas quatro patas em cima de bancadas para dissecá-los e ver a
circulação do sangue que era um grande assunto para discussão.
Se
nós temos alguma obrigação de não causar sofrimento desnecessário aos animais,
é difícil ver como essa obrigação poderia ser acomodada na Teoria do Contrato
Social. Contudo, muitas pessoas, como Hobbes, podem não achar isso muito
preocupante, pois não consideram a questão da obrigação a meros animais tão
urgente. No entanto, há uma dificuldade adicional, de um tipo similar, que
talvez faça-os parar.
Muitos
humanos são mentalmente debilitados a ponto de não poderem participar do tipo
de acordo previsto pela Teoria do Contrato Social. Certamente, eles são capazes
de sofrer e mesmo de viver uma vida humana simples. Porém, eles não têm
discernimento suficiente para entender as consequências de suas ações. Talvez
nem saibam quando estão machucando outra pessoa. Assim, não podemos
responsabilizá-los pelas suas condutas.
Esses
humanos apresentam exatamente o mesmo problema apresentado na teoria que os
animais não humanos. Uma vez que não podem participar do acordo que, segundo a
teoria, eleva as obrigações morais, eles estão fora do reino das considerações
morais.
Entretanto,
com certeza pensamos que temos obrigações morais em relação a eles. Ademias,
nossas obrigações em relação a eles geralmente estão baseadas exatamente nas
mesmas razões das nossas obrigações em relação aos humanos normais – a razão
principal para não torturar pessoas normais, por exemplo, é a dor terrível
causada a elas.
É
exatamente por essa razão que não devemos torturar as pessoas mentalmente
debilitadas. A Teoria do Contrato Social pode explicar nossa obrigação num
caso, mas não no outro.
Esse
problema não diz respeito a alguns aspectos secundários da teoria; ela vai
diretamente ao núcleo desta. Portanto, a menos que se encontre algum modo de
remediar essa dificuldade, o veredicto deve ser que a ideia básica da teoria é
falha.
Título
e Texto: James Rachels, in “Os Elementos da Filosofia da Moral”,
páginas 157 a 161; Digitação: JP, 7-10-2025
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[Livros
& Leituras] Os Elementos da Filosofia da Moral
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