Rafael Nogueira
Donald Trump, ao que parece, decidiu trocar de amigos. Ontem era Bolsonaro; hoje, Lula. Antes, falava como um vingador; agora, como um diplomata. Terá desistido de sua devoção aos aliados de primeira hora?
Como escrevi semanas atrás,
Trump está preocupado com o seu povo, não conosco. Pensa no seu país, no seu
nome e no seu legado. Quer figurar nos livros de história, não apenas nos
memes. E quem sabe, se continuar encerrando guerras e distribuindo apertos de
mão a quem antes insultava, acabe indicado ao Nobel da Paz. O mundo já viu
coisa assim.
A política internacional é
feita de muitos atores, tipo lobistas discretos e milionários inquietos. Gente
que investe nos Estados Unidos, mas encontra tempo para sussurrar em Brasília
(e logo depois em Washington), ora maldizendo os interlocutores que antes
colocavam Trump contra o Brasil, ora louvando a boa parceria que, dizem, deve
ser vitaminada. O resultado é previsível: a grande potência reage conforme lhe
convém. Não desdenho da crença de que os EUA possam agir por idealismo, afinal,
a França o fez outrora pelos americanos, mas nenhum império gosta de parecer
fantoche.
Mas mudemos de assunto sem mudar tanto assim. Tenho insistido que as instituições importam. São elas que moldam os incentivos, estabilizam a ordem, impedem o caos. Só que as pessoas importam mais. É comum dizer que “as instituições são feitas por pessoas”, mas quase ninguém distingue as que as desenham, as que as dirigem e as que as vigiam. Os poderes devem se equilibrar entre si, e o povo, quando é digno do nome, deve não só desfrutar das liberdades, mas vigiar todos.
Por isso me interessam certas
figuras. Vejam Pedro II, homem que via na vida um sacrifício contínuo.
Renunciava à privacidade, aos prazeres e até às predileções intelectuais em
nome do dever. Quisera ser professor ou senador, dizia ele, pois ambos pensam e
falam sem precisar governar. Mas coube-lhe tudo: política interna, política
externa, moderação entre os poderes e o exemplo moral do Império.
Pedro II respeitava as
liberdades. Detestava a escravidão — aversão herdada do pai — e tolerava até
seus detratores, afirmando que imprensa se combate com imprensa, não com
censura. Nunca lhe ocorreu prender jornalistas ou mandar calar vozes incômodas.
Soube exercer o poder moderador com prudência: dissolvia Câmaras desviadas,
recompunha ministérios, reconduzia o governo ao eixo do povo. Num país como o
nosso, onde hoje se exercem poderes ocultos em concorrência com o texto da
Constituição, é difícil não sentir saudade dessa autoridade comedida e serena.
Pedro II falava pouco.
Silêncio e compostura eram parte de seu ofício. E talvez esteja aí a lição
final: falar tudo o que se pensa, como se faz toda hora nas redes sociais, é
uma tentação irresistível, mas que se deve evitar como à peste, sobretudo por quem
responde pela coisa pública. Vivemos um striptease moral: o sujeito despe a
alma no X, no Instagram, no TikTok, e entrega aos inimigos o mapa de seus
afetos e fraquezas.
Há uma pergunta que sempre me
fazem: por que Dom Pedro II se deixou expulsar? Por que caiu sem lutar, sem
convocar a Marinha, sem resistir à conspiração republicana?
Olha, eu não sei, mas acho que
ele sabia que a pior das guerras é a guerra civil. Nenhum povo se recupera
totalmente dela. Em guerras externas, morrem soldados, mas em guerras civis,
morre a nação. São irmãos contra irmãos, primos contra primos, vizinhos contra
vizinhos. Ao abdicar sem sangue, deixou o aviso: o país sobreviveria, mas
sofreria a falta de um poder que contivesse os excessos e as vaidades da
política.
E aqui estamos, com poderes
competindo para ver quem é o moderador de quem, e nenhum disposto a moderar a
si mesmo. Resta saber se ainda somos capazes de evitar o destino que ele temia.
Se saberemos conter os impulsos de ódio, moderar nossas instituições, escolher,
nas eleições que vêm aí, não os que se parecem conosco, mas os que são melhores
do que nós.
São perguntas que deixo aos
leitores, com a esperança de que ainda sejamos dignos de respondê-las antes de
soar o primeiro tiro.
Título e Texto: Rafael
Nogueira, O Dia, 8-10-2025
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