sexta-feira, 3 de outubro de 2025

[Aparecido rasga o verbo] O Sofrimento da Alma. Será que ele é eterno?

 Aparecido Raimundo de Souza

HÁ DORES que não se veem. Elas não deixam marcas na pele, não sangram, não gritam. Mas estão lá, silenciosas, persistentes, alojadas no fundo mais profundo da alma. O sofrimento da alma é aquele que nasce da perda, da ausência, da solidão, da incompreensão. É o vazio imenso que se instala quando os sonhos se desfazem, quando o amor não encontra abrigo, quando a esperança parece ter se perdido no caminho.

É uma dor que não se cura com analgésicos, que não se explica com palavras simples. Ela exige escuta, tempo, acolhimento. Às vezes, tudo o que a alma precisa é de um olhar que compreenda, de um abraço que não julgue, de um silêncio que respeite. Mas há também beleza nesse sofrimento. Porque é nele que a alma se revela, se transforma, se fortalece. É na travessia da dor que descobrimos quem somos, o que importa, o que nos move. A alma sofre, mas também aprende, cresce e renasce.

Que possamos cuidar da nossa alma com a mesma atenção que damos ao corpo. Que possamos igualmente reconhecer nossas dores, sem vergonha, sem medo, sem atropelos. Porque toda alma que sofre carrega em si a semente da cura. O sofrimento da alma é uma espécie de campo vasto e pode ser explorado sob diferentes perspectivas. Aqui estão em rápidas pinceladas, algumas reflexões que podem enriquecer o presente texto:

A alma sofre em silêncio? Sim. Sofre. Não por falta de voz, mas porque a sua dor é sutil, invisível, muitas vezes incompreendida. É o tipo de sofrimento que não se explica com palavras, pois nasce de sentimentos profundos: saudade, culpa, vazio, angústia. É como uma tempestade interna que não molha a pele, mas afoga o espírito. Literalmente.

Segundo o filósofo Nilo Deyson Monteiro Pessanha, “o sofrimento pode ser um espelho que nos obriga a encarar o ego, a refletir sobre nossas escolhas, crenças e valores”. Nesse tom, ele propõe que a dor seja vista como um convite à crítica e ao autoconhecimento, e não como uma espécie de punição.

Para muitos pensadores espirituais, o sofrimento é um portal. Ele rasga o véu das ilusões e nos empurra para dentro, para uma jornada de despertar. É no colapso, ou seja, na perda, na doença, na ruptura que a alma se rende e começa a buscar o verdadeiro sentido. Essa busca pode levar ao reencontro com o Sagrado, com o propósito, e também, com a essência.

Na doutrina espírita, por exemplo, o sofrimento é visto como uma oportunidade de evolução. Muitas dores são reflexos de escolhas passadas, e outras são instrumentos de aprendizado. A dor moral, pode ser terapêutica. Ela nos tira da zona de conforto e nos obriga a mudar, a reparar, a perdoar.

A alma que sofre também pode iluminar. Quando a dor é acolhida, compreendida e “ressignificada” (guardem bem essa palavra), ela se transforma em força, em compaixão, em sabedoria. O sofrimento não precisa ser fim. Pode ser começo. Pode ser, e de fato é, o solo fértil onde brota a cura, onde predomina a arte, e sobretudo, onde se vivifica grandemente a FÉ.

Darei “uma palhinha” rápida sobre Fernando Pessoa e Clarice Lispector. Dois gigantes da literatura que mergulharam fundo na alma humana, cada um à sua maneira, com estilos distintos, mas igualmente intensos. Suas reflexões atravessaram temas como identidade, solidão, sentido da existência e o mistério do ser.

Fernando Pessoa, no dizer de Luiz Fernando Veríssimo, “não era apenas um poeta, era muitos”. Criou heterônimos como Alberto Caeiro, Álvaro de Campos e Ricardo Reis, cada um com uma visão de mundo própria. Sua obra é marcada por “Fragmentação do eu” “Tenho em mim todos os sonhos do mundo”, diz ele em “o Livro do Desassossego”, revelando um sujeito dividido, múltiplo, em busca de sentido.

“O Livro do Desassossego” é uma obra de introspecção radical, onde o autor assevera que “A heteronímia é como uma resposta à complexidade. Pois bem. Fernando Pessoa não se contentava com uma só voz, pelo contrário, ele se “outrava”, ou dito de forma mais simples, criava personagens que pensavam diferente dele.

Clarice Lispector escrevia como quem escava a alma. Ia fundo. Seus textos são densos, líricos, e muitas vezes desconcertantes. Ela nos convida a sentir antes de entender a busca do eu. Em “A Paixão Segundo G.H”, a protagonista vive uma epifania ao encarar uma barata, um mergulho profundo e quase sem volta no abismo do ser.

Voltando a Fernando Pessoa, segundo estudos comparativos, ambos problematizavam a identidade e o “eu” moderno. Nessa senda, Fernando Pessoa fragmentou o sujeito em múltiplas vozes, ao passo que Clarice dissolveu a criatura em sensações e silêncios. Ambos, no geral, revelaram que “o ser humano é um mistério e que a literatura é uma forma de tocá-lo”.

Entre tapas e beijos, pescoções e pernadas, juntando Fernando Pessoa e Clarice Lispector, aprendemos que o sofrimento da alma é aquele como já disse acima, no início desse texto, “é aquele que nasce da perda, da ausência, da solidão, da incompreensão. É o vazio que se instala quando os sonhos se desfazem, quando o amor não encontra abrigo, quando a esperança parece ter se perdido no caminho”.

Resumindo, é uma dor que não se cura com analgésicos, que não se explica com palavras simples. Ela exige escuta, tempo, acolhimento. Às vezes, tudo o que a alma precisa é de um olhar que compreenda, de um abraço que não julgue, de um silêncio que respeite. Mas há também beleza nesse sofrimento. Porque é nele que a alma se revela, se transforma, se fortalece. É na travessia da dor que descobrimos quem somos, o que nos importa, o que nos move.

A alma sofre? Sim, e muito. Mas percebam, também aprendemos, crescemos, renascemos. Que possamos cuidar da nossa alma com a mesma atenção que damos ao corpo. Que possamos reconhecer nossas dores, sem vergonha, sem medo. Toda alma que sofre ou que padece, carrega em si a semente da cura. A alma sofre porque PENSA demais, como diria Fernando Pessoa.

A alma sofre porque SENTE demais, como diria Clarice Lispector. E entre o PENSAR e o SENTIR, ela se desfaz, e se refaz. O sofrimento não é fim, é travessia. É o lugar onde o “eu” se encontra com o mistério. E ali, no fundo da dor em sua melhor forma de expressão, nasce a poesia.

Para mim, em particular, a alma que sofre sobrevive. Sempre. E mais: ela não apenas sobrevive, ela se transforma. O sofrimento da alma é como o vento forte que dobra a árvore, mas não a quebra. Ele testa as raízes, desafia a estrutura, mas como um todo também ensina como passar por tudo com perseverança e paciência. 

A alma que sofre aprende a escutar o silêncio, a valorizar o instante, a reconhecer a beleza escondida nas pequenas coisas. Ela se torna mais sensível, mais profunda, mais verdadeira. É como o barro que, ao ser moldado pela dor, vira arte. A dor não é o fim. É o processo. E a alma, mesmo ferida, como diz Mia Couto, “ela carrega dentro de si uma força ancestral que a empurra para frente.

“A alma não tem cicatrizes. Tem memórias que brilham.”

Eu, como mero “escrevinhador”, me acho, como uma espécie de Mia Couto dos tempos de hoje. A minha alma não sofre. O sofrimento da minha alma é a base, o alicerce, a estrutura do meu amanhã que ainda nem chegou, todavia, acreditem, ele, o meu porvir, ainda está por chegar. E chegará. Respondendo à pergunta embutida no título: Será que ele, o Sofrimento, é eterno?  Não, meus caros, o sofrimento é PASSAGEIRO.

Título e Texto: Aparecido Raimundo de Souza, de Linhares, no Espírito Santo, 3-10-2025

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