segunda-feira, 12 de maio de 2025

Do Império à Farsa Democrática: O Sistema Nunca Caiu


Kim D. Paim

Para que o Brasil dê certo, é necessário mais do que reformas pontuais ou alternância de partidos no poder. É imprescindível uma ruptura com o sistema que, há décadas — ou mesmo séculos —, comanda e molda os rumos do país. Essa ruptura não pode ser simbólica ou superficial; ela deve tocar o âmago da estrutura que mantém o Brasil refém de interesses privados, disfarçados de projetos públicos. Mas, antes de falar em ruptura, é preciso compreender o que é esse sistema, quem o compõe e como ele opera — pois muitas vezes se fala de “sistema” como se fosse um conceito místico ou difuso, quando na verdade ele é bem concreto, ainda que saiba se disfarçar com eficácia.

O primeiro passo é compreender que esse sistema pode ser composto por diversos grupos com funções específicas, mas que, no fundo, atuam em harmonia, como engrenagens de uma mesma máquina. Em certos momentos, parece haver disputa entre eles, mas essas disputas são mais encenações de poder do que conflitos reais de projeto. Em outros momentos, tudo funciona de modo coordenado, sobretudo quando o objetivo é evitar que uma força externa ou popular ameace o controle que exercem sobre o país. Às vezes, essa estrutura parece uma coligação de interesses; outras vezes, parece um único organismo com múltiplas faces — e talvez seja mesmo as duas coisas ao mesmo tempo.

A forma como a política brasileira é percebida pela população contribui para a confusão. Os rótulos mais comuns — direita, esquerda, liberal, conservador, comunista — são usados de forma simplória e superficial, muitas vezes para esconder alianças reais e fabricar inimigos fictícios. A imprecisão desses termos impede que a sociedade identifique os verdadeiros antagonistas de sua prosperidade. Com isso, o debate político fica reduzido a torcidas organizadas, movidas por paixões e slogans, mas incapazes de compreender a complexidade do sistema que opera por trás dos palanques, partidos e manchetes.

Essa miopia política também obscurece o eixo real do conflito brasileiro. Ao contrário do que se pensa, o país não está dividido essencialmente em um confronto horizontal entre ideologias — direita contra esquerda, conservadores contra progressistas. O verdadeiro conflito é vertical: de um lado, uma pequena elite que detém o poder econômico, jurídico e midiático; do outro, a imensa maioria da população, que vive sob as imposições desse mesmo grupo, sem acesso aos instrumentos reais de decisão. Essa elite se mantém no topo há gerações, explorando tanto o discurso da mudança quanto o da estabilidade, conforme seus interesses exigem.

Um dos exemplos mais evidentes dessa distorção da percepção política no Brasil é a oposição entre “petismo” e “antipetismo”. Em teoria, o petismo deveria designar a adesão ao projeto político do Partido dos Trabalhadores (PT). No entanto, esse termo é aplicado de forma abrangente e imprecisa, englobando desde filiados partidários até simpatizantes pontuais. Para além da sua base formal, o chamado petismo se converteu em um símbolo genérico que muitas vezes ignora as contradições internas do próprio partido — como se o PT fosse uma entidade homogênea, quando, na prática, abriga diversas correntes, interesses e estratégias conflitantes.

O antipetismo, por sua vez, é ainda mais nebuloso. Ele não representa um projeto político alternativo, mas sim uma identidade negativa, baseada na negação do PT. Ao transformar o PT no epicentro do mal político, o antipetismo aglutina sob sua bandeira grupos completamente distintos, inclusive contraditórios entre si. Isso resulta em um paradoxo: muitos se unem para combater o petismo, mas não compartilham absolutamente nada em termos de visão de país. O melhor exemplo disso talvez seja o PSDB, partido que por décadas se posicionou como contraponto ao PT, mas que hoje figura ao lado do petismo, com Geraldo Alckmin como vice-presidente de Lula.

Essa lógica do “inimigo do meu inimigo é meu amigo” se mostra falha quando aplicada à política real. O antipetismo não produz coesão verdadeira, apenas uma ilusão de unidade que se desfaz tão logo o PT sai de cena. Quando isso acontece, o vácuo deixado pela ausência de um adversário comum escancara as divergências profundas entre os grupos que compunham a frente antipetista. O sistema, então, se aproveita disso para se recompor e seguir no comando. O que se apresenta como “mudança” nada mais é do que uma reconfiguração de peças no mesmo tabuleiro, operada pelos mesmos jogadores.

É por isso que, em uma análise mais objetiva, petismo e antipetismo talvez sejam manifestações diferentes de uma mesma lógica de dominação. Ambos servem, cada um a seu modo, para manter a população dividida, mobilizada em torno de uma disputa superficial, enquanto o verdadeiro poder permanece intacto. O petismo serve para agregar uma parte da sociedade e mantê-la vinculada à promessa de progresso sob tutela do sistema. O antipetismo serve para agregar a outra parte da sociedade em torno da promessa de combate ao sistema — que, no entanto, termina com a entrega do poder às mesmas elites de sempre. Em ambos os casos, o resultado é a perpetuação da estrutura dominante.

Diante de tantas camadas de subjetividade, distorção conceitual e manipulação emocional, torna-se urgente adotar uma abordagem mais objetiva para compreender a realidade política do Brasil. Conceitos como “democracia”, “autoritarismo”, “direita” e “esquerda” são frequentemente utilizados de maneira inconsistente, moldados mais pela conveniência ideológica do momento do que por critérios racionais. Países com características autoritárias são chamados de democráticos por alguns e de ditaduras por outros, conforme o alinhamento político de quem os julga. Isso mostra que a linguagem política está em crise, contaminada pela emoção e pela desinformação.

Para enfrentar esse cenário, é fundamental fugir da subjetividade e resgatar critérios objetivos. Analisar quem detém os meios de produção, quem controla os recursos do Estado, quem decide o que será pauta na imprensa e quem manipula o Judiciário — isso oferece uma leitura mais fiel da realidade do que qualquer rótulo ideológico. Essa objetividade exige também maturidade política, algo ainda pouco presente no debate público brasileiro. Desde que a política ganhou destaque popular a partir das Jornadas de Junho de 2013, grande parte das opiniões tem sido moldada por impressões superficiais e paixões momentâneas, amplificadas pelas redes sociais, sem profundidade analítica ou embasamento histórico.

Essa carência de maturidade se agrava com o desconhecimento histórico. Muitos brasileiros não compreendem que o sistema que hoje os oprime é herdeiro direto das elites que derrubaram o Império, dominaram a República Velha, enfrentaram e derrubaram Vargas, e comandaram o regime militar. São as mesmas estruturas, com nomes diferentes, mas com o mesmo DNA de poder e exclusão. Essas elites controlam a imprensa, o sistema financeiro, as grandes indústrias, as federações empresariais e, principalmente, o Judiciário. Elas conseguem misturar o pior do liberalismo — em sua forma mais predatória — com o pior do autoritarismo estatal, formando um Estado que arrecada muito, entrega pouco e, ainda assim, vende as migalhas públicas a preços simbólicos para os mesmos grupos de sempre.

Assim, o caminho para o Brasil dar certo passa por uma ruptura dessa lógica perversa. É necessário que a sociedade compreenda que o verdadeiro conflito não se dá entre direita e esquerda, mas entre o topo e a base da pirâmide social. Essa é uma luta vertical, não horizontal. Para que ela avance, será preciso que forças genuinamente insatisfeitas com o sistema se unam — ainda que minimamente — e que haja, com realismo, uma articulação até mesmo com setores do próprio sistema que estejam dispostos a enfraquecer os seus atuais dominadores. Caso contrário, continuaremos presos a ciclos de frustração, onde a simples derrota do petismo ou a ascensão de qualquer oposição momentânea não significam avanço, mas apenas mais uma troca de fachada no velho edifício do poder.

Título, Imagem e Texto: Kim D. Paim, X, 11-5-2025, 9h57 

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