Aparecido Raimundo de Souza
O AMAPOLO CHEGOU na portaria do prédio onde mora o seu amigo Beringelo e interfonou para a portaria. Na terceira, atendeu uma jovem de voz sorridente:
— Pois não?
— Boa noite, senhorita. Como é seu nome?
— Gervasiana, às suas ordens.
— Eu queria ir no 609.
— Ok! Então até logo. Boa noite. Passe bem.
Amapolo gritou, antes que ela desligasse:
— Senhorita Gervasiana, eu quero ir no 609...
Gervasiana respondeu sem deixar de olhar para a tela de seu celular:
— O senhor me disse assim: “eu queria.”
— Tá legal, moça. Eu quero ir no apartamento 609.
— E a quem devo anunciar? Qual é o seu nome?
— Amapolo.
— E com quem o senhor quer falar, seu Anacolo?
Risos:
— Linda, eu preciso subir no apartamento 609. Pretendo visitar meu amigo Beringelo... E meu nome é Amapolo.
A porteira, de novo, sem deixar o celular onde falava com o seu namorado:
— Perdão. Com quem?
— Beringelo...
Gervasiana sequer se dignou a dar uma espiada nos moradores. Não encontrou nenhum Anabelo:
— Perdão, meu amigo. Com quem?
— Beringelo... Be... e... erre... i... ene... ge... e... ele... o...
A porteira, educadíssima respondeu:
— Senhor, aqui não tem nenhuma pessoa com esse nome.
— A senhorita não disse que conhece todos os moradores?
— Disse e repito. Conheço todo mundo. O senhor é quem está me dando um nome estranho. Tem certeza que é essa mesma que procura? Como é o nome do tal morador? Quer por favor repetir?
— Tenho certeza, moça. Vou repetir: procuro o Beringelo.
— Cogumelo?
— Beringelo, moça. Beringelo. Já lhe soletrei letra por letra...
— Então, senhor, aqui não tem nenhum PEDIBELO...
Amapolo, em vias de perder a serenidade e a educação:
E a Gervasiana grudada no bate paro com seu amado:
— Senhor, de quê?
— Audição...
Gervasiana, irritada e sem deixar, claro, o celular, não sabia se dava atenção ao namorado ou ao sujeito que queria subir no 609:
— O que é isso? Eu estou fazendo confusão...?
— Audição, moça, audição...
— Então, foi o que eu disse, amor... hoje não... estou naqueles dias...
— Senhorita Gervasiana, pelo amor de Deus. Interfona para o Beringelo... apartamento 609...
Gervasiana, para lá de irada, deixa o seu local de trabalho e caminha até onde está o Amapolo. Ao dar de cara com ele, berra:
— Escuta, ô seu “Pé de chinelo...” já lhe falei mil vezes que aqui não tem nenhum Amancoso... muito menos essa pessoa que o senhor procura, esse... esse... Berim sem chinelo, ou Berim descalço...
Foi aí que o Amapolo perdeu as estribeiras. Ele realmente se distanciou do bom senso:
— Que foi que disse, sua desqualificada?
— O que o senhor escutou...
Fora de si, Amapolo se encheu de razão. Meteu os pés na porta envidraçada, até que ela se partiu em cacos. Sem se desvencilhar do endiabrado que o dominava, voou para cima da Gervasiana. Tomou seu celular e jogou o aparelho no meio da rua. Quase acertou a cabeça de uma idosa que justo naquele momento, adentrava o prédio. Completamente descontrolado, Amapolo agarrou com raiva incontida, o pescoço da porteira. E o apertou com toda força que vinha do ódio que o dominava. Completamente sem ar, língua de fora, tremendo feito vara verde, em face da força bruta empregada, a infeliz serviçal, se estrebuchando, veio, por conta da esganadura, a óbito.
Moradores que saiam e outros que chegavam, presenciando a cena, acionaram a polícia. Amapolo tentou fugir da galera que se pôs em seus calcanhares. Sem saída, correu, estabanado, de um lado para outro. Se viu perdido. Sem conhecer as dependências do edifício, a certa altura abriu uma porta ao acaso. Na escuridão do ambiente, escorregou numa escada sem corrimão e caiu justo na piscina. Como não sabia nadar, e em vias de morrer afogado, finalmente se viu resgatado e dominado pelos condôminos. Quando a viatura militar encostou, acabou algemado, preso e conduzido para a delegacia do bairro. Até hoje, seis meses se passaram. Nenhum advogado apareceu. Menos ainda Beringelo, o amigo que fora visitar.
Título e Texto: Aparecido Raimundo de Souza, de São Paulo, Capital, 27-5-2025
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