quinta-feira, 29 de maio de 2025

O pau que bate em Chico

Alexandre Garcia

Dois grandes jornais amanheceram no domingo com editoriais condenando a censura que o Judiciário impôs sobre uma reportagem da Zero Hora, que mostrava o escandaloso contracheque de uma desembargadora: R$ 662 mil em um único mês. O jornal e a jornalista autora foram condenados — pelo próprio tribunal ao qual pertence a desembargadora — a uma indenização de, coincidentemente, outros R$ 600 mil. 

O teto no serviço público é de pouco mais de R$ 46 mil, e a Constituição determina que a administração pública deve obedecer aos princípios da legalidade, moralidade e publicidade. A remuneração, portanto, é pública. Ficou parecendo uma vingança, um aviso para não se meter com o Judiciário — um reflexo das ações do Supremo. 

Foto: Fellipe Sampaio/STF

O Estadão intitulou seu editorial de "Uma Casta Acima da Lei" e concluiu ponderando que um poder sem limites se torna tirania. Já a Folha de S.Paulo, no título, chamou de "Censura do Judiciário" e concluiu que ela serve para intimidar veículos de comunicação e seus profissionais. 

Quando o Judiciário bloqueou contas em redes sociais e em bancos, e até cassou passaportes de jornalistas que atuam no mundo digital, não me lembro de terem sido publicados editoriais condenando a censura, a intimidação e a justiça em causa própria, como represália por críticas. Como é verdadeiro o que disse o ministro Alexandre de Moraes, anos atrás: “Quem não quiser ser satirizado, criticado, que não ingresse na vida pública.” 

Assim como o editorial do Estadão afirmou ser constrangedor ter que repetir o óbvio — que não há democracia sem imprensa livre —, sinto-me acaciano ao repetir o que está na Constituição: “É vedada toda e qualquer censura, de natureza política, ideológica e artística.” 

No entanto, vivemos tempos de avanço de uma ideologia totalitária que não tem o menor constrangimento em citar a China como modelo de “regulação” da voz digital do povo. O governo já tem pronto um texto de projeto para impor censura prévia no Marco Civil da Internet, sancionado por Dilma em 2015, depois de muito debate no Congresso. 

O primeiro passo da censura já foi dado, quando a revista Crusoé foi impedida de circular com a capa sobre “O Amigo do Amigo de Meu Pai”, porque implicava um ministro do Supremo. O Judiciário é composto por pessoas públicas que não suportam críticas. Por isso, foi instituído, na prática, o crime de opinião. A consequência é uma democracia de fachada, degradada. O ministro aposentado do Supremo, Marco Aurélio Mello, chamou isso de “decadência”. A consequência é a decadência de todos os valores democráticos. A democracia só se sustenta com liberdade de expressão. 

A Advocacia-Geral da União acaba de insistir com o Supremo “para obrigar as plataformas a interromperem a disseminação de notícias falsas e impedirem a violência digital”, segundo a agência oficial. No governo em que se fraudaram descontos em aposentadorias e pensões de idosos, agora se alega que censurar as redes é proteger as criancinhas. 

Esquecem que os censores de hoje podem ser os censurados de amanhã — como constataram, tardiamente, a Folha e o Estadão. É bem verdadeiro que o mesmo pau que bate em Chico também vai bater em Francisco. 

Título e Texto: Alexandre Garcia, Gazeta do Povo, 28-5-2025, 15h28

Relacionados: 
A “ameaça” veio no timing perfeito: o roteiro para blindar Moraes já começou 
Quem mentiu: a imprensa ou o ministro? 
Para quem ainda NÃO ACREDITA que Flávia tem um mandado de prisão, ei-lo!
28-5-2025: Oeste sem filtro – EUA vão restringir visto a autoridades que 'censuram americanos' + Carta do chanceler brasileiro a Marco Rubio fica sem resposta
A virtude pode ser ensinada?
Quando uma janela quebrada não é só uma janela quebrada
27-5-2025: Oeste sem filtro – Governo Lula entra em campo para tentar salvar Moraes + Marina Silva bate boca e abandona sessão no Senado + Eduardo Bolsonaro se transforma no alvo preferencial do STF + Argentina se retira da OMS 
🚨 STF condena Eduardo Bolsonaro em menos de 24h! 🤡

Um comentário:

  1. Eu já vi essa vagaba da foto (acima) em algum lugar. Parece uma dessas piranhas do pescoço comprido que a gente encontra no Largo do Arouche, em São Paulo.
    E tão mundana que usa um bar, digo, uma birosca, não, uma venda nos olhos.
    Aparecido Raimundo de Souza, de São Paulo, Capital

    ResponderExcluir

Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.

Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.

Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-