quarta-feira, 28 de maio de 2025

Quando uma janela quebrada não é só uma janela quebrada

Pedro Duarte

O debate sobre segurança pública costuma girar em torno de armas, policiamento e repressão. Mas o ambiente urbano exerce um papel muito mais profundo, embora silencioso, do que parece. Existe uma teoria no campo da criminologia e do urbanismo chamada ‘Teoria das Janelas Quebradas’, que ajuda a entender essa conexão. O conceito influenciou políticas públicas no mundo inteiro e pode servir para o Rio de Janeiro repensar segurança de maneira mais inteligente, eficaz e humana. 

Imagem gerada por Inteligência Artificial

A teoria foi formulada pelos cientistas sociais James Q. Wilson e George Kelling em 1982. Eles observaram que sinais de desordem — janelas quebradas, pichações, lixo acumulado, muros depredados — não só refletem abandono, mas também criam ambiente propício à quebra de normas. O raciocínio é que, se uma janela não é consertada, outras virão. Se o lixo fica sem coleta na calçada, mais lixo aparece. Ausência de cuidado sinaliza ausência de autoridade. E isso abre espaço para crimes mais graves. 

A teoria foi abraçada por administrações norte-americanas dos anos 1990. A gestão do então prefeito de Nova Iorque, Rudy Giuliani, implementou modelo baseado em “tolerância zero”, com foco em repressão a pequenas infrações. Apesar da queda da criminalidade à época, hoje se reconhece que atribuir esse efeito unicamente à Teoria das Janelas Quebras é um erro. Pesquisas mostraram que outras variáveis —  tais como crescimento econômico e mudanças demográficas — tiveram papel tão ou mais relevante. 

Mas há lições que podemos resgatar. Sabemos que ambientes urbanos bem cuidados reduzem a violência. Medellín é exemplo poderoso. Cidade marcada pela criminalidade extrema dos anos 80, transformou sua dinâmica ao investir em equipamentos públicos de alta qualidade em territórios vulneráveis, como bibliotecas-parque e teleféricos. O foco foi requalificar o espaço e garantir a presença do Estado com serviços. 

Já no Rio de Janeiro, temos inúmeras “janelas quebradas”: praças escuras e abandonadas; calçadas destruídas, faixas de pedestres apagadas, postes sem lâmpada. E a segurança começa a ruir justamente quando o espaço público deixa de comunicar cuidado e quando a presença do Estado se mostra distante. Para evitar isso, poderíamos pensar numa abordagem mais eficaz da teoria: cuidar do ambiente urbano com estratégia de prevenção. 

Isso exige uma administração pública que trate zeladoria como política de segurança pública, com metas claras de manutenção, indicadores de resposta rápida e integração entre órgãos como Comlurb, Conservação, Guarda Municipal e Assistência Social. Também passa por equipar a cidade com dados georreferenciados sobre desordem urbana e usar algoritmos para prever pontos críticos. É possível cruzar dados da plataforma 1746 com registros da GM para identificar zonas de risco antes da escalada de crimes. 

Mais do que teoria, essa abordagem deveria se transformar em prática cotidiana. Cuidar de uma praça é cuidar da autoestima de um bairro. Restaurar a calçada de uma escola é garantir que uma criança caminhe com dignidade. Esse tipo de ação é o que gera confiança, mobiliza a vizinhança e reduz o espaço para a violência prosperar. Porque uma janela quebrada, no fim das contas, não é só uma janela.

Título e Texto: Pedro Duarte, Diário do Rio, 27-5-2025

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.

Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.

Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-