Henrique Pereira dos Santos
A 12 de março de 2025, na CNN, Miguel Pinheiro dizia:
“Cada vez há mais pessoas a
fazerem contas à derrota de Luís Montenegro, dentro do PSD … parece-me que isso
é o mínimo da responsabilidade política, é nós termos pessoas que possam ter
cargos de alguma importância no PSD, a tentarem olhar para o que é que vai
acontecer daqui a dois ou três meses … até porque se o objetivo de Luís
Montenegro é ir para eleições com esta estratégia … que é a estratégia assobiar
para o lado, então isto vai ser uma hecatombe … Alguém que acha que este
discurso cola, é alguém que ainda não percebeu o que está a acontecer”.
Não vou transcrever o resto,
que pode ser ouvido e é exemplar, ouvido agora depois dos resultados
eleitorais.
Não é a discussão sobre estar
certo ou errado que me interessa, estar certo e errado acontece-nos a todos em
diferentes momentos, o que me interessa é que, nessa altura, eu resolvi guardar
a ligação para esta entrevista, exatamente por me ter parecido, nessa altura,
não hoje, que os pressupostos da análise não só eram completamente delirantes,
como eram baseados numa bolha mediática sem qualquer relação com a realidade.
De facto, uns dias antes, Miguel Santos Carrapatoso escrevia, num daqueles longos textos cheios de especulações, sem factos verificáveis e baseados em fontes anônimas que o caracterizam: “Ao longo dos últimos dias, foram crescendo alguns rumores de que poderiam estar em curso movimentações internas para tentar derrubar Luís Montenegro. Colocavam-se, essencialmente, dois cenários: o PSD indicava outro primeiro-ministro para se manter no Governo (solução Durão Barroso-Santana Lopes) ou, havendo dissolução da Assembleia da República e convocação de eleições antecipadas, as tropas anti-Montenegro organizavam-se para tentar indicar outro candidato a primeiro-ministro que não o atual líder social-democrata”.
Poderia citar inúmeros textos
delirantes da bolha mediática – três ou quatro dias antes destas eleições,
Pedro Adão e Silva escrevia, no Público, uma crônica totalmente baseada na
ideia de que as sondagens eram tão iguais às de há um ano, que era evidente que
as eleições de 18 de maio eram completamente inúteis porque ia ficar tudo na
mesma – e Sebastião Bugalho, já na discussão dos resultados, chamava a atenção
para o desfasamento entre a importância do Bloco no mundo mediático e a sua
expressão eleitoral (e, acrescento eu, mais expressivo desse desfasamento seria
olhar para a influência eleitoral do Chega quando comparada com a sua
influência mediática).
Para fugir à discussão
partidarizada, podemos usar outro exemplo do desfasamento entre a bolha
mediática e a sociedade, falando na trivialidade com que se repetem as
acusações de que Israel ataca sistematicamente hospitais em Gaza, sem qualquer
correspondência nas vezes em que se diz que o Hamas é acusado de usar
sistematicamente os hospitais como base para as suas ações militares, apesar de
as duas afirmações serem equivalentes e se relacionarem diretamente.
Claro que podemos falar nas
dificuldades das sondagens refletirem a realidade eleitoral, mas por que razão
evitamos discutir o que leva a bolha mediática a não ver sinais de alteração
social que desemboca nos resultados eleitorais que vamos conhecendo,
independentemente das sondagens?
Os jornalistas não têm
vizinhos, não vão ao supermercado, não andam em transportes públicos, não falam
com estranhos ao balcão de um tasco, não frequentam reuniões de condomínio, não
conversam nas reuniões de pais das escolas, etc., etc., etc.?
A questão está longe, muito
longe, de ser especificamente portuguesa, alguma coisa mudou na forma como o
jornalismo (e toda a bolha mediática relacionada) é produzido de tal forma que
hoje o jornalismo não parece ter qualquer competência para ser o canário na
mina, produzindo sinais avançados sobre a evolução da sociedade.
Aparentemente, o jornalismo, e
a bolha mediática de que se alimenta e alimenta, perdeu a ligação com a
sociedade, passou de um espectador relativamente amoral do mundo para um ator
moralmente empenhado em criar mundos novos.
Para mal dos pecados da
imprensa e do negócio jornalístico, para entreter há alternativas melhores,
para mudar o mundo há instrumentos mais eficientes. Ao contrário do que
parece ser a convicção de boa parte dos jornalistas, a importância do jornalismo
é, hoje, bastante limitada.
Se dúvidas houvesse, é ver
quantos jornalistas, nesta campanha eleitoral, se queixaram amargamente do
facto de alguns atores políticos não lhe passarem cartão, preferindo ser
entrevistados através de uma mediação diferente da do jornalismo.
A quantidade de jornalistas
que concluíram que isso resultava da vontade de fugir ao escrutínio não tem
conta.
O mais espantoso, para mim, é
que a esmagadora maioria dos jornalistas que dizem isto nem se dão conta de
como estão a demonstrar a sua própria irrelevância: o escrutínio jornalístico
que interessa e tem valor não é aquele que depende da boa vontade do escrutinado,
é mesmo aquele que é feito contra a vontade do escrutinado.
Se estão à espera de que os
escrutinados queiram ser entrevistados para os escrutinar, não admira que a
sociedade não atribua grande valor ao seu trabalho.
Título e Texto: Henrique Pereira dos Santos, Corta-fitas, 20-5-2025
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