domingo, 18 de maio de 2025

[As danações de Carina] Compulsão obsessiva

Carina Bratt

PERROTA RODOMELADO todo santo dia antes de ir para o trabalho passava na padaria do Simionato Barbarrala e tomava o seu café com leite e mandava para dentro dois pães com manteiga. Após se saciar, quando não se sentia empanturrado com uma dose, repetia o pedido e pedia duas xícaras e mais dois ou três pães. Em seguida se levantava, passava no caixa, pagava as despesas e sumia na poeira. Até aí, tudo bem. Um cliente comum, como tantos outros.

Apenas um detalhe o diferenciava dos demais. Perrota Rodomelado, as escondidas, surrupiava as colherezinhas que a funcionária trazia (na hora de mexer o açúcar, misturando a bebida). Como não tinha ninguém vigiando, ele despistava e colocava o objeto surrupiado debaixo da camisa e sem mais delongas galgava a calçada da avenida movimentada. Às vezes, chegava a pedir, na maior cara de pau, uma outra dose, observando à atendente que ela trouxera o pedido, mas se esquecera do principal. A famosa colherzinha.

A pobre moça, coitada, como em todas as manhãs tinha cinco ou seis clientes na fila de espera para atender, sequer lembrava se realmente esquecera ou não. A lengalenga, a cada novo dia, se fazia sempre igual.
— Senhorita, por gentileza, como quer que ponha açúcar em meu café... devo mexer com o dedo?
A bondosa, em face do carão recebido, sorria um amarelo desbotado e acorria a trazer outra.
— Me desculpe. Não tornará a acontecer...

O malandro do Perrota Rodomelado, mais que depressa enrolava com a bebida. Às vezes saia de imediato, passava no caixa, pagava a conta e, logo em seguida, puxava o carro. Outras vezes, num rápido vapt-vupt, (a moda do saudoso professor Raimundo no comando da sua gloriosa Escolinha nas noites da Globo), temeroso de ser visto e pego no flagra pelo ato vergonhoso, ou por azar, a dita cair de onde ele escondia o objeto, dava tchau e sumia.

Certo dia, ao chegar em casa, resolveu dar uma espiada em quantas colheres havia levado na ‘mão grande’. Sem tirar nem pôr, chegou a um total de 395. Se sentiu feliz, realizado, dono de si e do pedaço. Riu tresloucadamente, se achando esperto demais. Sequer sentiu um tantinho assim de pena da pobre da atendente que impreterivelmente fazia de idiota. Seu gesto nojento se tornara uma coisa feia, uma mania abominável. Apesar de saber que estava redondamente errado, seguiu praticando o ato. Coisa de uma semana atrás, foi preso em flagrante. Simionato Barbarrala, o dono da padaria havia colocado uma câmera escondida e ele não percebeu que estava sendo filmado, fazia já bom tempo. Seis meses se passaram e ele, Perrota Rodomelado, desde então, ainda se encontra engaiolado.

Título e Texto: Carina Bratt, de Ribeirão das Neves, em Minas Gerais, 18-5-2025

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